CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO
1. Educação Especial numa Perspectiva Inclusiva
1.1 Perturbações do Espectro do Autismo
1.1.6. As Perturbações do Espectro do Autismo no Contexto Educativo
A vida escolar, na sua essência, é sobretudo “social”; envolve uma aprendizagem constante sobre participação e interacção com os outros, numa variedade de situações. Este processo de aprendizagem social, que se encontra bastante alterado nos alunos com PEA, não depende apenas da sua competência e comunicação verbal, mas também da captação e decifração de pistas e regras sociais não escritas.
Esta perturbação conduz “a um padrão caracterizadamente específico de percepção, pensamento e aprendizagem” (Jordan, 2000: 16) que compromete, em particular, o contacto e a comunicação com o meio. De uma forma generalizada, a afectação nestas áreas traduz-se, na prática, em dificuldades significativas para aprender de forma convencional e podem manifestar-se, entre outras, por algumas características como falta de motivação, dificuldade na compreensão de sequências e de consequências, défice cognitivo, dificuldades de concentração e de atenção, alterações
na discriminação ou no processamento auditivo e na compreensão de instruções
fornecidas oralmente, falta de persistência nas tarefas, dificuldade em gerir e aceitar mudanças e em compreender as regras instintivas da interacção social, alterações de sensibilidade à dor, a sons, a luzes ou ao tacto, grande redução da capacidade imaginativa e de fantasiar, interesses restritos, alterações de sono vigília, ou particularidades do padrão alimentar (Carvalho & Onofre, 2006: 4).
No contexto educativo, um diagnóstico de PEA pode ser altamente incapacitante e requer uma intervenção especializada (Hewitt, 2006) que permita atenuar as dificuldades de comunicação e integração que estas crianças enfrentam; a criação de ambientes estruturados e programas diários que implementem estratégias
pormenorizadas, sequenciadas e persistentes torna possível que estas crianças aprendam e apresentem aquisições significativas.
1.1.6.1. Unidades de Ensino Estruturado para a Educação de Alunos com Perturbações do Espectro do Autismo
As unidades de ensino estruturado (UEE) para alunos com PEA surgem como respostas educativas especializadas e adequadas, sustentadas nas áreas fortes de cada um, no sentido de colmatar as evidentes dificuldades de comunicação, interacção e comportamento de cada criança, em particular.
A organização da resposta educativa é assegurada por docentes especializados em educação especial e determinada pelo grau de severidade, nível de desenvolvimento cognitivo, linguístico e social, nível de ensino e idade dos alunos. Devem, ainda, ser introduzidas as modificações necessárias no espaço físico e feito o apetrechamento com mobiliário e equipamentos adequados às necessidades específicas desta população.
Constituem objectivos das UEE:
- Promover a participação dos alunos com PEA nas actividades curriculares e de enriquecimento curricular junto dos pares da turma a que pertencem;
- Implementar e desenvolver um modelo de ensino estruturado que consiste na aplicação de um conjunto de princípios e estratégias que, com base em informação visual, promovam a organização do espaço, do tempo, dos materiais e das actividades;
- Aplicar e desenvolver metodologias de intervenção interdisciplinares que, com base no modelo de ensino estruturado, facilitem os processos de aprendizagem, de autonomia e de adaptação ao contexto escolar;
- Proceder às adequações curriculares necessárias;
- Organizar o processo de transição para a vida pós-escolar;
- Adoptar opções educativas flexíveis, de carácter individual e dinâmico, pressupondo uma avaliação constante do processo de ensino e de aprendizagem do aluno e o regular envolvimento e participação da família.
1.1.6.2. Programas e Modelos de Intervenção
Como já vimos, o autismo não tem cura, mas, dependendo da severidade da perturbação, o seu prognóstico pode ser bastante favorável se a intervenção for precoce e consistente com as características de aprendizagem destes indivíduos.
Na maioria das unidades para alunos com PEA, em funcionamento nas escolas regulares do nosso país, tem-se adoptado, desde 1996, o Programa TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication Handicapped Children) como modelo de ensino estruturado, sendo este um dos aspectos pedagógicos que mais o caracteriza.
Mais recentemente, a investigação tem documentado a eficácia dos princípios e métodos ABA (Applied Behavioural Analysis) na construção e desenvolvimento de um grande leque de competências importantes e na redução de problemas comportamentais em indivíduos com autismo.
1.1.6.2.1. Programa TEACCH
O Programa TEACCH foi criado, em 1971, por Eric Schopler e seus colaboradores e surgiu na sequência de um projecto de investigação que se destinava a ensinar aos pais, técnicas comportamentais e métodos de educação especial que respondessem às necessidades dos seus filhos com autismo.
Este programa aplica-se ao tratamento e educação para as crianças de todas as idades com autismo e problemas relacionados com a comunicação (Schopler, 1989) e centra-se no ensino de capacidades de comunicação, organização e prazer na partilha social.
É um modelo de intervenção que se traduz por um conjunto de princípios e estratégias que, com base na estruturação externa do espaço, tempo, materiais e actividades, potenciam uma organização interna facilitadora de processos de aprendizagem, autonomia e de prevenção de problemas de comportamento.
O ensino estruturado pressupõe muito rigor na organização do tempo e do espaço; neste ambiente de ensino-aprendizagem, privilegia-se a Informação Visual e o Plano de Trabalho como suportes à organização e à aprendizagem. Sustenta-se em diferentes áreas bem definidas, distribuídas de forma visualmente clara e adaptadas às
necessidades dos alunos, nomeadamente: i) Aprender - área de ensino individualizado; ii) Trabalhar - área de trabalho individual e autónomo; iii) Brincar - área lúdica; iv) Computador; v) Trabalho de grupo; vi) Reunião; vii) Transição.
1.1.6.2.2. Modelo ABA
O Modelo ABA caracteriza-se por uma terapia intensiva que consiste na aplicação de métodos de análise comportamental com o objectivo de modificar comportamentos; envolve o ensino da linguagem, o desenvolvimento cognitivo e social e competências de auto-ajuda em vários meios, dividindo estas competências em pequenas partes/tarefas que são ensinadas de forma estruturada e hierarquizada.
O comportamento do indivíduo é constantemente monitorizado, através da observação e avaliação, no sentido de estimular a sua aprendizagem e promover o seu desenvolvimento e autonomia. É dada muita importância à recompensa ou reforço de comportamentos desejados ou adequados, ignorando ou minimizando e redireccionando ou desencorajando comportamentos inadequados.
Este tipo de intervenção deve iniciar-se o mais precocemente possível, o que permitirá que as crianças adquiram competências básicas, ao nível social e cognitivo, e reduzam os seus comportamentos estereotipados e disruptivos antes que estes se instalem. A evolução de cada pessoa através de um programa ABA depende de vários factores, nomeadamente: a) das capacidades e competências do sujeito; b) das suas necessidades; c) da forma como o modelo é implementado.
A família tem um papel fundamental, na medida em que deve promover a generalização das competências adquiridas, nas sessões de ensino, a todas as situações do dia-a-dia, incentivando a criança a adaptar-se a novos contextos.
Actualmente, este modelo é pouco utilizado nas escolas portuguesas de ensino regular, visto que implica um elevado número de recursos humanos; os terapeutas (normalmente três técnicos por cada aluno) trabalham com a criança na proporção de um para um, durante cinco a oito horas por dia, cinco ou sete dias por semana, exigindo uma formação avançada em análise comportamental, ainda pouco acessível no nosso país.
Conhecidas as principais características das PEA e a forma penalizadora como interferem nas aprendizagens das crianças com esta perturbação, caso não se determinem planos de intervenção adequados e especializados, particularmente no que se refere a estratégias habilitadoras ao nível da comunicação e interacção no contexto educativo. Aborda-se no ponto seguinte uma das outras áreas que compõem este capítulo - a Competência Comunicativa.!