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As políticas de proteção paisagística e a sustentabilidade do “ambiente cultural” carioca

3 PROJETOS DE INTERVENÇÃO E A RECOMPOSIÇÃO PAISAGÍSTICA: A

3.2 As políticas de proteção paisagística e a sustentabilidade do “ambiente cultural” carioca

Cabe, então, breves considerações acerca desses pouco mais de cem anos de tentativas de solucionar os problemas urbanos acerca da favela e da paisagem. A busca incessante recai no atual Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro (2009 – 2012 / 2013 – 2016) e no “Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro”76,em

que suas ações são relatadas no “Relatório GRI de Sustentabilidade da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro” (PCRJ, 2011) tendo em vista como este plano estabeleceria que “the Landscape of Rio de Janeiro represents the most valuable asset of the city” (UNESCO, 2012, p. 272). No entanto, antes da construção do plano estratégico de sustentabilidade, muitos outros Planos de reforma ou planejamento urbano foram postos em prática, seguindo ou desejando seguir as intervenções realizadas anteriormente para a modernização da cidade.

Conforme Rezende (2002), diversos planos de regulação urbanística integram a dimensão normativa das intervenções urbanas no Rio. Passam por diversas e descompassadas decisões administrativas dos Planos Agache (1930), Doixiadis (1965), Plano Urbanístico Básico para o Rio de Janeiro/Pub-Rio (1977) e o Plano Diretor Decenal (1992), em que todos estes, de algum modo, buscavam soluções para o “problema da favela”. Em 1993, um ano após o Plano Diretor, na administração César Maia, ocorre o programa Favela-Bairro com o intuito de “integrar o morro ao asfalto” e promover a produção cultural nos bairros contemplados pelo programa. Em 1980, tem-se o conhecido projeto Corredor Cultural com a intenção de preservação e fixação das funções culturais da área central (CARLOS, 2008; BRANDÃO, 2013) e posteriormente a instituição das primeiras APACs do Rio de Janeiro.

É importante ressaltar que não cabe aqui um maior detalhamento analítico das características desses planos, uma vez que não é nosso intuito perfilar um recorte sócio-histórico das intervenções, mas demonstrar como, pelo menos em termos gerais, são estas intervenções que tiveram o intuito de remodelar o Rio de Janeiro para manter o status de cartão-postal do

76 Lei Complementar n.º 111 de 1º de fevereiro de 2011. Dispõe sobre a Política Urbana e Ambiental do Município,

institui o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro e dá outras providências.

país, combater a favelização, a salubridade e criar uma nova paisagem e imagem para a cidade, além de novas funções do seu traçado urbano.

Em mais de um século de intervenções, estes planos tiveram como característica geral a orientação interventiva para todo o espaço da cidade. Eles tentaram “estabelecer uma lógica de planejamento que integre as demais intervenções sob a forma de obras ou, dentro da dimensão normativa, sob a forma de projetos de alinhamento, decretos e leis de uso e ocupação do solo” (REZENDE, 2002, p. 257). As intervenções marcantes que transformariam a paisagem do Rio de Janeiro coincidem com a demolição do morro do Castelo durante a administração de Carlos Sampaio (1920 – 1922). O arrasamento do morro é justificado pelas condições precárias de higiene do Centro, degradação e favelização do morro.

A partir destes planos diversas administrações municipais tiveram como intenção principal a idealização de uma nova cidade, desconsiderando o tecido urbano e social já existente, a partir da realocação de espaços e da expansão urbana. O Plano Agache, por exemplo, não apenas deu continuidade às ideias reformistas de Passos, mas consolidou-se como idealização de uma nova e moderna cidade com grandes avenidas arborizadas e áreas públicas com jardins no Centro, que na gestão do prefeito Henrique Dodsworth (1937-1945) foi base para a construção da Av. Presidente Vargas, e nos bairros da Zona Sul ocupados pelas camadas mais abastadas da cidade. Trata-se do primeiro “Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento” do Rio de Janeiro (REZENDE, 2002; CARLOS, 2008).

Posteriormente, conforme Claudio Carlos (2008), nas décadas de 1950 e 1960, houve continuidade das práticas de reformas urbanas, visando novos planos de ocupação da área central da cidade e a remoção da população mais pobre. Assim, ocorre o arrasamento do Morro de Santo Antônio no período 1952-1954 e com ele acaba a favela de mesmo nome, seus despojos serviram para a realização da obra do Aterro do Flamengo. Segundo o autor “o plano de ocupação da esplanada do morro de Santo Antônio possui clara influência dos pressupostos teóricos da Carta de Atenas (1933), principalmente aqueles relacionados à integração de monumentos históricos aos novos traçados urbanos” (CARLOS, 2008, p. 77).

Os novos empreendimentos na cidade estimularam um novo quadro urbano e econômico da cidade, caracterizado pela necessidade crescente de ligação dos diversos bairros com o Centro. Além disso, o incentivo do Estado brasileiro à indústria automobilística impulsionou os projetos de túneis, viadutos e vias expressas que foram construídos com base em prerrogativas de modernização da cidade “e o automóvel assume assim o papel de destaque no contexto paisagístico e urbanístico carioca” (CARLOS, 2008, p. 77). Mas é com o Plano Doxiadis (1963-1965) que se constrói um eficiente sistema rodoviário que faz ligação entre as

zonas da cidade, e a expansão das vias de transportes ocorre seguindo preceitos de racionalização do uso do solo. Brandão (2006) aponta que mesmo priorizando o tráfego de automóveis, essas intervenções urbanas tentaram levar em conta os pedestres. Esse é o caso dos aterros do Flamengo para a construção do parque e da Praia de Copacabana para a construção do calçadão da Orla.

Nevertheless, the widespread shift of urban design policy in Rio towards prioritisation of car traffic and parking had gradually taken streets and squares from the pedestrian. The result was that walking around and spending time in public spaces became unpleasant and a steady impoverishment of city life took place. The obvious correlation between public space and social life is very well illustrated in the case of Rio. The city once internationally known for its social life, promoted by a broad spectrum of outdoor activities, had dramatically changed. The deterioration of public spaces in Rio led to the development of private clubs, shopping malls and condominiums confined in enclosures. The hostility pedestrians experienced in public spaces encouraged them to bypass these areas on the journey from home to work. The established role of public spaces as the most important meeting places in Rio began to change and people started to use the growing number of private locations for socialising (BRANDÃO, 2006, p. 43).

Na década de 1970, com o PUB/Rio integrado à política urbana definida pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), priorizou-se a promoção da produtividade e do bem- estar social, na tentativa efetivar nova condição para a cidade através de seu objetivo principal que era tornar o município passível a receber verbas do governo federal (REZENDE, 2002).

Não é estranho percebermos como os planos para o controle e reordenamento do uso do território permanecem preocupados com a mesma lógica de remodelação, embelezamento e racionalização dos usos dos espaços. No entanto, os atuais planos de sustentabilidade agregam um componente que inverte alguns aspectos anteriores, que é a preservação patrimonial e ambiental, não só em relação à ocupação do solo, mas à conservação de morros e dos edifícios antigos. Desde a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a orientação recaí nos planos urbanísticos que são criados para que se regule o zoneamento da cidade. Além disso, estão de algum modo articulados à Lei Federal de Desenvolvimento Urbano de 1983, que concilia os contornos urbanísticos aos direitos de propriedade, mas visa-se o controle do espaço urbano.

O atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro corrobora os critérios da Unesco, assim como o dossiê “Paisagens Cariocas” confere e amplia as formas de controle, visando não somente a ocupação do solo, o controle fundiário e de moradia, mas uma nova projeção à imagem do Rio de Janeiro. Se antes era preciso manter a

ideia do “maravilhoso”, de uma cidade bonita por natureza e mesmo posteriormente à mudança da capital para Brasília era preciso manter a ideia de cidade cartão de visitas do Brasil. Nos anos que seguem à candidatura do Rio de Janeiro às Olimpíadas, além dessas questões, incrementam-se a preservação do patrimônio através de suas paisagens e dos bens materiais e culturais.

A Unesco aponta, através do comitê de aprovação da candidatura do Rio de Janeiro na Lista do Patrimônio Mundial, que a efetividade dos planos depende do monitoramento das áreas e da gestão compartilhada do sítio. Para a Unesco, o plano de desenvolvimento urbano sustentável do Rio de Janeiro está em conformidade com os critérios de integridade e autenticidade do sítio, garantindo, assim, a qualidade urbana, ambiental e cultural contra a vulnerabilidade dos seus elementos.

Essa ação garante a integridade e qualidade das áreas protegidas, reduzindo, consequentemente, a vulnerabilidade das espécies afetadas, visa a proteção e recuperação da Paisagem, considerada o bem mais valioso da cidade, e ainda articula ações de todas as esferas governamentais e promoção de iniciativas de interesse comum relativas às políticas de transporte, meio ambiente, saneamento ambiental, zona costeira, equipamentos urbanos, serviços públicos e desenvolvimento econômico e sustentável (PCRJ, 2011, p. 49).

Percebe-se que os princípios e diretrizes econômicas, ambientais e socioculturais são apresentados como pilares do desenvolvimento urbano e econômico da cidade, mas a preocupação central parece continuar na ocupação urbana, usos e apropriações do território, principalmente aqueles integrados à identidade cultural e às paisagens cariocas.

The Plan includes principles and guidelines to promote sustainable development as a means to promote economic development, social equity, and environmental and landscape preservation; sustainable use of the environment, landscape, and natural, cultural, historical, and archaeological heritage in the city’s development and management; and conditioning of urban occupation to the preservation of the city’s identity and cultural landscapes (UNESCO, 2012, p. 212).

Destacamos seis dentre os doze princípios da polícia urbana a ser implementada propriamente nas áreas de interesse paisagístico pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro (2011) que visa “I - promover o desenvolvimento econômico, a preservação ambiental e a equidade social; II - função social da cidade e da propriedade urbana; III - valorização, proteção e uso sustentável do meio ambiente, da paisagem e do patrimônio natural, cultural, histórico e arqueológico no processo de

desenvolvimento da Cidade; IV - universalização do acesso à infraestrutura e os serviços urbanos; IX - garantia de qualidade da ambiência urbana como resultado do processo de planejamento e ordenação do território municipal e X - articulação de políticas públicas de ordenamento, planejamento e gestão territorial municipal” .

Com base nisso, 5 parágrafos dispostos no Artigo 2º do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável, define a noção da paisagem carioca:

§1º A ocupação urbana é condicionada à preservação dos maciços e morros; das florestas e demais áreas com cobertura vegetal; da orla marítima e sua vegetação de restinga; dos corpos hídricos, complexos lagunares e suas faixas marginais; dos manguezais; dos marcos referenciais e da paisagem da Cidade.

§ 2º Todas as diretrizes, objetivos, instrumentos, políticas públicas, bem como suas metas e ações, no âmbito deste plano diretor, devem contemplar o entrecruzamento de forma matricial da variável ambiental e paisagística nos diversos processos de planejamento vinculados ao sistema integrado de planejamento e gestão urbana, objetivando garantir o desenvolvimento sustentável da Cidade.

§ 3º Entende-se por paisagem, a interação entre o ambiente natural e a cultura, expressa na configuração espacial resultante da relação entre elementos naturais, sociais e culturais, e nas marcas das ações, manifestações e formas de expressão humanas.

§ 4º A paisagem da Cidade do Rio de Janeiro representa o mais valioso bem da Cidade, responsável pela sua consagração como um ícone mundial e por sua inserção na economia turística do país, gerando emprego e renda.

§ 5º Integram o patrimônio paisagístico da Cidade do Rio de Janeiro tanto as paisagens com atributos excepcionais, como as paisagens decorrentes das manifestações e expressões populares.

Com relação às definições atribuídas à paisagem, a concepção apresentada relaciona as ações de caráter interventivo que conformaram o espaço urbano carioca, o meio ambiente e as representações culturais oriundas do processo de ocupação espacial e das diversas transformações urbanas que constituíram a paisagem cultural e a construção identitária do Rio de Janeiro. Conformam a integridade do patrimônio paisagístico e cultural da cidade, desde então designado através da associação entre o patrimônio material e imaterial. Mais claro ainda é como a paisagem carioca, sendo uma projeção do urbanismo da metrópole tropical, detém força expressiva na inserção econômica do Rio de Janeiro no fluxo internacional de bens e capitais e como vitrine do turismo brasileiro e local.

Neste plano de sustentabilidade, entre as diversas diretrizes, permite-se o uso e a ocupação do solo. Mas convém regular a densidade urbana nas áreas de amortecimento e da paisagem urbana, como também as atividades econômicas, os usos da paisagem natural e regular a qualidade do ambiente urbano, o que inclui novas construções edificadas que devem estar definidas pelos marcos de preservação e conservação da integridade da paisagem natural, a exemplo da despoluição da água da Baía de Guanabara através de monitoramento e ações positivas. Dessa forma, a adoção de políticas públicas urbanas nas diferentes áreas da cidade deve incluir leis específicas para cada caso, mas deve estar relacionada ao valor universal da paisagem.

A ocupação na zona de amortecimento é o aspecto de maior proximidade com as políticas urbanas de épocas anteriores que tinham a preocupação de impedir o crescimento de favelas e a degradação dos morros. Por isso, o parágrafo 2º indica como estratégia “o entrecruzamento de forma matricial da variável ambiental e paisagística nos diversos processos de planejamento vinculados ao sistema integrado de planejamento e gestão urbana”. Foi nestas áreas que a cidade se desenvolveu de maneira menos ordenada, complicações de ordem políticas que favoreciam interesses econômicos de grupos específicos (REZENDE, 2002) e apropriações ilegais de áreas naturais são consideradas parâmetros para restrições de ocupação e uso do solo. No entanto, uma das questões intrigantes propostas pela Unesco é que

The buffer zone needs to ensure the protection of views and the broad setting of the property as well as the interface with the property. All areas

of the buffer zone needs to be designated as Cultural Environment Protection Areas (APACs) and management plans for individual APACs developed accordingly further clarification is needed as to what is to be managed within the buffer zone (UNESCO, 2012, p. 213, grifo nosso).

Isto é, a zona de amortecimento da paisagem urbana deve assegurar a proteção visual da paisagem, o que amplia a definição e a interface da propriedade. Mas para além de todas as diretrizes apresentadas acima, a designação principal elencada pela Unesco volta-se à proteção da visualidade da paisagem e não necessariamente à paisagem em si. A saída encontrada é a ampliação das Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (APACs) e dos planos de gestão de cada área que visem a preservação da paisagem cultural global ao por em prática um sistema para a definição, identificação e inventariar os principais bens da paisagem cultural e para a definição de indicadores de acompanhamento relacionados com os atributos de valor universal excepcional (Unesco, 2012).

Como já explicitado, parto da premissa de que desde a primeira candidatura do Rio de Janeiro à Lista do Patrimônio Mundial apresentada em 2002, como sítio misto (natural e cultural), coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente, objetiva-se proteger as áreas naturais do Parque Nacional da Tijuca, Jardim Botânico e Pão de Açúcar contra fatores que possam afetá-lo, mas foi recusado pelas comissões da Unesco e do ICOMOS que solicitaram a inclusão de áreas paisagísticas, mas que expressassem relação direta com a cultural material e imaterial da cidade (UNESCO, 2003; RIBEIRO, 2007).

Estes espaços e os bairros da Zona Sul desde sempre vincularam a paisagem da cidade às práticas turísticas compostas pelas redes de informação e audiovisual e de fluxos de capital, signos e pessoas para a agenda cultural carioca. São atualmente objetos de proteção do patrimônio cultural geridos pelo órgão municipal Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH)77 que atua para a conservação das APACs, dos bens tombados do registro do Patrimônio Imaterial.

As APACs foram criadas e transformadas em legislação municipal pelo Decreto 4.141 de 1983 e através das Lei 506/84 e posteriormente reformulada pela Lei nº 1.139/87. Dois períodos diferenciados destacam-se no processo de criação de Apacs: de 1984 a 2000, 2001 a 2006. Após esse período são feitas leis complementares às existentes, somando até o ano de 2012 o total de 33 Apacs na cidade. Desde a criação das Apacs a partir do Plano Diretor Decenal de 1992, 35 bairros e 32.423 bens são parcial ou integralmente protegidos constando 669 bens tombados, 9.098 bens preservados, 22.656 bens tutelados.

No Plano Diretor, no Art. 135, entende-se por APAC

o território de domínio público ou privado, que apresenta conjunto edificado de relevante interesse cultural, cuja ocupação e renovação devem ser compatíveis com a proteção e a conservação de sua ambiência e suas características sócioespaciais identificadas como relevantes para a memória da cidade e para a manutenção da diversidade da ocupação urbana constituída ao longo do tempo” (LEI COMPLEMENTAR n.º 111, 2011).

Em 1984, os bairros de Santa Teresa, Projeto SAGAS (bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte do Centro) e a Rua Alfredo Chaves, no Humaitá, recebem legislações específicas, com o nome de Área de Proteção Ambiental (APA). Somente em 1992, após a edição do primeiro Plano Diretor Decenal, há diferenciação entre as duas siglas, ficando a APA designada para os ambientes naturais. Mas a criação das APACs é em certa medida resultante da

consolidação do Projeto Corredor Cultural, em 1979, e tornou-se um inovador instrumento de proteção do patrimônio cultural, pois difere do tombamento ao conjugar preservação e desenvolvimento urbano. São, portanto, áreas que “sobrepõe-se às zonas e subzonas, podendo estabelecer restrições volumétricas e de utilização para os bens e espaços públicos nela contidos” (LEI COMPLEMENTAR n.º 111 de 1º de fevereiro de 2011), e objetivam a proteção das características arquitetônicas de imóveis.

Conforme Carlos (2008), que analisou os dois primeiros períodos da criação de Apacs sobre o sítio do Rio de Janeiro, destaca-se de maneira intensificada entre a área central e a zona sul, verificando-se a maioria das áreas de proteção estabelecidas na cidade. O autor identifica que as Apacs da área central foram criadas predominantemente por mobilização das comunidades locais, motivadas a buscar proteção legal contra as investidas do capital imobiliário e às reformas urbanas empreendidas pela Prefeitura, tendo em vista que muitas áreas do Centro se tornaram valorizadas pelos grandes empreendimentos urbanos. Na Zona Sul, as Apacs foram estrategicamente implementadas pela própria Prefeitura para conter o adensamento urbano e a verticalização dos bairros.

Com a criação do Projeto Corredor Cultural, as iniciativas do poder público municipal propuseram “a reestruturação de espaços públicos e a recaracterização de fachadas e coberturas das edificações classificadas como relevantes para a memória urbana local e da cidade, localizadas no Centro” (CARLOS, 2008, p. 94). Desde então, a proteção de bairros, áreas urbanas, áreas paisagísticas e ambientais tornou-se um recurso de mobilização da população. No entanto, seu processo tornou-se contraditório e muitas vezes conflitivo entre população local e o poder público, o que se via no Rio de Janeiro era a obsolescência e deterioração de equipamentos urbanos e perda da qualidade dos serviços da cidade, ao passo que novos planos de modernização, com ênfase no modelo racionalista de urbanismo, continuavam a recompor a paisagem carioca.

A Apac seria um meio democrático de garantir a gestão, a integridade e a autenticidade dos bairros diretamente pressionados pela especulação imobiliária. Movimentos sociais urbanos e associações de moradores buscavam mobilizar ações em torno da proteção dos imóveis, conservação da memória urbana e dos locais de sociabilidade cotidiana contra as reformas urbanas que, mais uma vez, são resultantes de interesses econômicos e políticos dispares aos interesses da população, exceto no caso das favelas. Desta vez estas reformas não somente atingiriam a população de baixa renda, como aqueles antigos moradores da Zona Sul que construíram o patrimônio imobiliário desde a expansão da cidade no entorno das áreas litorâneas.

Excetuando-se o caso das favelas, nas demais iniciativas de mobilização, foi freqüentemente enfatizada à necessidade de proteção legal dos respectivos suportes físicos das comunidades. Acreditava-se que o reconhecimento