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2 VALORIZAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DO RIO DE JANEIRO COMO

2.1 Contexto da nominação Rio Patrimônio Mundial

O Brasil possui 19 sítios classificados como patrimônio histórico/bens culturais, naturais e mistos inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. No que concerne aos sítios históricos e culturais, o Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto (1980), o Centro Histórico de Olinda (1982), o Pelourinho de Salvador (1985), o Centro Histórico de São Luís (1997), o Centro Histórico de Diamantina (1999), o Centro Histórico de Goiás (2001) e a Praça de São Cristóvão, em Sergipe (2010), estão entre os bens culturais que remontam ao período colonial e imperial do país. Eles constituem o discurso da Identidade Nacional brasileira através de significativas representações da herança arquitetônica da colonização portuguesa, além de serem, no âmbito das políticas patrimoniais, os locais convergentes da cultura europeia e africana no Brasil. Outros sítios são circunscritos como bens culturais do período que demarcam a modernidade no Brasil. Dentre eles, o Plano Piloto da cidade de Brasília, tombado e nominado Patrimônio Mundial em 1987, e que foi considerado um marco do planejamento urbano brasileiro e mundial

Enquanto os bens naturais, o Parque Nacional do Iguaçu (1986), as Reservas de Mata Atlântica do Sudeste e as Reservas de Mata Atlântica da Costa do Descobrimento (1999), o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense e o Parque Nacional do Jaú (2000), os Parques nacionais de Chapada dos Veadeiros e das Emas (2001), destacam-se como sítios paisagísticos que tiveram sua inscrição na lista em decorrência da necessidade de proteção da biodiversidade de fauna e flora naturais face ao avanço da urbanização e da atividade exploratória humana em torno de práticas que colocavam em risco os habitats característicos destes ecossistemas tropicais.

No mundo existem diversos sítios considerados paisagem cultural, categoria que até então não havia nenhum bem cultural ou natural brasileiro inscrito. Esta categoria pode ser associada a sítios culturais, naturais ou mistos. Os primeiros sítios culturais nominados pela

Unesco foi a Paisagem Cultural de Sintra, em Portugal, onde estão dois monumentos preservados no parque florestal de Sintra, Castelo dos Mouros (Século V) e Castelo da Pena (1840), e os Arrozais em terraços das Cordilheiras das Filipinas, no ano de 1996. Antes disso, três sítios mistos foram enquadrados nesta categoria: o arquipélago vulcânico de St. Kilda (1986), na Inglaterra; o Parque Nacional de Uluru-Kata Tjuta (1987), na Austrália; e o Parque Nacional de Tongariro (1990), situado na Nova Zelândia.

Imagem 4- Parque e Palácio da Pena

Fonte: Parque de Sintra / NES

Imagem 5- Castelo dos Mouros, recuperado em 2010 e aberto ao público em 2013. Vista através do Castelo da Pena

Nestes e noutros casos, independentemente do local e das características, os critérios adotados atendiam às propriedades paisagísticas dos locais e sua articulação com a vida cultural e natural, onde se encontram monumentos, fazeres, ecossistemas etc. No entanto, em busca de agregar diversos aspectos, culturais (materiais e imateriais) e naturais (paisagísticos), entre os marcos históricos e contemporâneos, em 1º de Julho de 2012, durante a 36ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial em São Petersburgo, na Rússia, o Rio de Janeiro torna-se a “primeira cidade” a ser nominada Patrimônio Mundial na categoria “Paisagem Cultural”, após a aprovação do dossiê “Rio de Janeiro: Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar”.

Uma década antes, em 07/08/2001, o Rio foi incluído na “Lista Tentativa” sob o título

Rio de Janeiro Cultural Landscape (IPHAN, 2012). No ano de 2002, foi lançada uma primeira

candidatura como “sítio misto” através do dossiê Rio de Janeiro: o Pão de Açúcar, Floresta da Tijuca e do Jardim Botânico. Através de uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente e o governo do Estado do Rio de Janeiro juntamente com institutos de pesquisas locais, almejava- se a inscrição do sítio na Lista da Unesco com base em critérios naturais. Este dossiê incluía importantes áreas paisagísticas de apelo natural: Parque Nacional da Tijuca, Serra Carioca, Jardim Botânico, e os morros do Pão de Açúcar, Urca e Cara de Cão.

No entanto, apesar de reconhecida importância em preservar estas áreas naturais e sua representatividade histórica para a construção da cidade, por recomendação dos institutos responsáveis pela avaliação, International Council of Monuments and Sites (ICOMOS) e do

International Union for Conservation of Nature (IUCN), a nominação do Rio foi indeferida,

fato que provocou a rejeição do reconhecimento pelo Comitê do Patrimônio Mundial. A Unesco recomendou a continuidade da proposta desde que o sítio fosse enquadrado como “Paisagem Cultural”, que a partir de 1992 foi adotada como nova tipologia de reconhecimento dos bens na Lista do Patrimônio Mundial “na intenção de se libertar da dicotomia imposta pelos critérios existentes para a inscrição dos bens: naturais ou culturais” (RIBEIRO, 2007, p. 10). Por este motivo foram feitas ponderações quanto aos critérios culturais elencados naquele dossiê, mas se manteve o incentivo desde que a renominação da propriedade como paisagem cultural fosse atendida e novos critérios fossem estabelecidos (Unesco, 2003, p. 107). Este aspecto torna-se importante para compreendermos o atual contexto da patrimonialização, por isso é preciso também recorrer à análise das diversas recomendações feitas nesta avaliação da 27ª sessão do Comitê da Unesco, de 2003.

As recomendações partiram da IUCN e do ICOMOS de modo a apontar o que viria a ser as características do futuro sítio. A IUCN recomendou que fosse criado um comitê de supervisão e co-gestão para coordenação do planejamento do sítio e para desenvolver um plano

de financiamento e criação de fundos de doação. Também recomendou a revisão dos limites das Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana60 como forma de tornar o desenvolvimento urbano no entorno da Floresta da Tijuca compatível com as medidas de proteção das Áreas de Proteção Ambiental (APAs – atualmente denominada de Área de Proteção do Ambiente Cultural (APACs)61, sobre a qual falaremos posteriormente).

Outra recomendação foi a inclusão da “área de amortecimento”62 uma vez que abrange as áreas urbanas no entorno da floresta para manter e expandir programas de educação e de reflorestamento dentro das favelas. Ao mesmo tempo seria necessário continuar os programas para realocação de residentes vivendo dentro do parque de forma socialmente sensível, assim como tomar todas as medidas disponíveis para reduzir ou remover a intrusão visual causada por linhas de transmissão, torres de rádio etc. Por fim, desenvolver um plano interpretativo, para ajudar a melhorar a interpretação do sítio, dando prioridade ao Pão de Açúcar e a Urca; promoção de mensagens sobre a importância da conservação da floresta e dos morros (Unesco, 2003, p. 13).

O ICOMOS estabeleceu recomendações acerca de uma avaliação dos valores culturais acerca do ambiente da cidade, a fim de informar a redefinição dos limites propostos para que se pudesse proteger globalmente a cidade de forma mais eficaz e a reavaliação das denominações de gestão das áreas designadas e da zona de amortecimento, a fim de fornecer ferramentas eficazes para conter a invasão urbana. Para isso era necessário criar um plano de gestão (UNESCO, 2003, p. 13).

Em síntese: o Comitê manteve o incentivo à proposta de candidatura seguindo dois aspectos principais: (a) proceder a avaliação dos valores culturais do cenário do Rio de Janeiro e informar a redefinição dos limites da propriedade para proteger de modo mais eficaz o pano de fundo geral da cidade; (b) pôr em prática um plano de gestão integrada, incluindo as revisões da proteção legislativa e limites/fronteiras para propriedade proposta, como recomendado pela

60 Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana - APARU do Alto da Boa Vista, regulamentada pelo Projeto

de Lei nº 1307/2003.

61 Criado pelo Plano Diretor Decenal, Lei Complementar 16/1992, Rio de Janeiro.

62 De acordo com o Art. 2º., XVIII, da Lei No. 9.985/2000, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

(SNUC), que estabelece o conjunto de unidades de conservação (UC) federais, estaduais e municipais, a Zona/Área de amortecimento é “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. Também chamada de Zona Tampão, tem o objetivo de filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela, como: ruídos, poluição, espécies invasoras e avanço da ocupação humana, especialmente nas unidades próximas a áreas intensamente ocupadas. No Art. 25º, considera-se que as unidades de conservação, exceto APA e RPPN, devem possuir uma zona de amortecimento, que não faz parte das UCs e, quando conveniente, corredores ecológicos – No caso do Rio de Janeiro esta lei destina-se também às APACs. C.f. http://www.mma.gov.br/estruturas/sqa_pnla/_arquivos/46_10112008050247.pdf e http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28754-o-que-e-uma-zona-de-amortecimento

IUCN e ICOMOS.

Após mais um período de dez anos, o novo dossiê foi apresentado e sua classificação ocorreu desde que as áreas delimitadas representassem os “valores, influências e lugares de verdadeiro significado universal” (IPHAN, 2012), e que estivesse articulado ao conceito de Patrimônio Mundial aplicado a Paisagens Históricas Urbanas. A elaboração da proposta foi coordenada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por meio do Decreto do Nº 127, de 30 de abril de 2009, que estabeleceu a designação de paisagens culturais brasileiras e uma solicitação foi feita para designar a paisagem carioca, como Paisagem Cultural Brasileira. E contou com a participação do Governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac), da Prefeitura Municipal por meio da afirmação da paisagem da cidade em seu plano diretor, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Fundação Roberto Marinho.

Para tanto, esse dossiê concerne ao Decreto do Nº 127, de 30 de abril de 2009, que estabelece a chancela da Paisagem Cultural Brasileira e assim a define:

A conceituação da Paisagem Cultural Brasileira fundamenta-se na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo a qual o patrimônio cultural é formado por bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico; (IPHAN, Decreto nº 127, 2009).

Considera-se ainda que “os fenômenos contemporâneos de expansão urbana, globalização e massificação das paisagens urbanas e rurais colocam em risco contextos de vida e tradições locais em todo o planeta” (IPHAN, Decreto nº 127, 2009). Neste caso, ainda se alia a chancela da Paisagem Cultural Brasileira à relação harmônica com a natureza, dimensão afetiva com o território e à qualidade de vida da população. Isto é, a relação entre paisagem, cultura, meio-ambiente e vida urbana convergiu para que o Rio de Janeiro fosse nominada por este novo título.

2.2 Dossiê Rio Patrimônio Cultural da Humanidade: Carioca Landscapes “entre o mar e