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3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA REGULAÇÃO DO

3.1 AS POLÍTICAS SOCIOCULTURAIS NO BRASIL: FOMENTO A UM

A análise do Estado aqui proposta parte de uma perspectiva materialista histórico- dialética sobre a totalidade, na busca de compreender o papel da esfera estatal no movimento do real e como ela se comporta diante da correlação de forças instituída em determinada conjuntura.

Serão Marx e Engels os responsáveis por inaugurar uma concepção que fornece ao Estado um caráter de classes que, ao se contrapor ao pensamento hegeliano, nega a autonomia dessa instituição frente às relações sociais.

Detentora de materialidade profundamente vinculada à base sobre a qual se realiza a contradição capital e trabalho, a esfera estatal surge da divisão da sociedade em classes sociais, tendo por objetivo central a reprodução do sistema capitalista. Por ser fundamentalmente

capitalista é que, em última instância, desenvolve sua ação visando a manutenção dos interesses

burgueses e a reprodução ampliada do capital.

Com as transformações ocorridas a partir da Revolução Burguesa do século XVIII, o Estado se constituiu como aparato inerente ao desenvolvimento do novo modelo produtivo, embora não-homogêneo, assegurando a produção de mais-valia, ocorrida por sua vez a partir da exploração da força de trabalho sob a forma assalariada, como, também, no circuito da troca de mercadorias.

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Como contribuição a essa análise, Gramsci, em “Cadernos do Cárcere" (2002), desenvolve um estudo que compreende a esfera estatal em seu sentido amplo, através da perspectiva de restringir sua ação meramente coercitiva e autoritária e abarcar, para sua própria existência, as reivindicações da classe trabalhadora, a partir de um consenso favorável à continuidade do capitalismo.

Isso significa dizer que, mesmo que detenha hegemonicamente intenções de manutenção da ordem e do modelo de sociedade vigente, dialeticamente, a esfera estatal se inclina para (a depender da correlação de forças existentes entre capital e trabalho em determinado tempo histórico) atender às necessidades reivindicadas pela classe trabalhadora. O Estado representa assim o “instrumento político qualificado na mediação entre as classes sociais” (SILVA, M., 2009, p. 114), em que “seu perfil reflete a correlação de forças na sociedade determinada pela luta de classes” (IDEM).

Dessa forma, compreende-se que esse passa a comportar em sua organização duas esferas principais, a sociedade política, a qual a análise gramsciniana denomina de Estado em sentido estrito ou Estado-coerção, formado por meio de aparelhos de coerção submetidos ao controle das burocracias executiva e policial-militar, ou seja, o “conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência” (COUTINHO, C., 2003, p. 76-77). E, por outro lado, também a sociedade civil, “formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias”, a exemplo das escolas, igrejas, partidos políticos, sindicatos, meios de comunicação, dentre outros (IDEM).

Pensar a esfera estatal significa englobar em um mesmo elemento não só o “comitê68 executivo da burguesia” exercido via coerção (conforme Marx e Engels analisaram durante o surgimento do modo de produção capitalista); nem como um “árbitro neutro” do pensamento liberal, mas sim, e dialeticamente, a partir da “condensação de uma relação de forças entre classes e frações de classes” (POULANTZAS, 2000, p. 130).

Reafirma-se, portanto, como fundamental no desenvolvimento de estratégias para garantir a acumulação ampliada do capital, em que o atendimento das demandas necessárias para a reprodução do sistema se dará prioritariamente através da garantia de direitos.

68No Brasil, a relação da esquerda com o Estado “modificou-se em virtude dos processos históricos e das perspectivas políticas hegemônicas neste grupo. O entendimento do Estado como comitê executivo da burguesia era a leitura possível e mais coerente nos anos de ferro da ditadura civil-militar. Não cabia então buscar qualquer apoio desse Estado e sim somar esforços para destruí-lo o mais rapidamente possível. Tanto que até hoje imediatamente ao identificarmos qualquer produção artística financiada pelo governo deste período procuramos qual era o seu envolvimento e apoio à ditadura, para além de não ser censurado ser financiado por ela” (CRUZ, 2010, p. 2).

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Importante indicar que tais “direitos”, vivenciados na sociabilidade capitalista, quando se propõem a conceder legalmente tratamento igual aos desiguais, expressam o entendimento de que os/as proprietários/as dos meios de produção e a força de trabalho têm as mesmas potencialidades sociais. Criam, assim, um mecanismo de ordenamento dos conflitos que cumpre uma função ideológica, ao naturalizar as relações sociais, uma vez que “os indivíduos são tratados de modo genérico, destituídos das relações reais e históricas que vivenciam” (SANTOS, S., 2007, p. 25). Isto posto:

de um ponto de vista jurídico-político, o indivíduo burguês é considerado sujeito de direitos, por ser a dimensão sócio-jurídica o terreno destinado à regulamentação de seus conflitos e à ordenação de algumas expressões das suas necessidades cotidianas. O direito assume, assim, importância decisiva na organização institucional das relações sociais na sociedade burguesa (SANTOS, S., 2007, p. 25).

Ou como indica Lukács: "o direito, surgido porque existe a sociedade de classes é, por sua essência, necessariamente um direito de classe: um sistema para ordenar a sociedade segundo os interesses e o poder da classe dominante" (1979, p. 208).

É com a complexificação da sociedade do capital e consequente radicalização de formas de alienação, opressão e exploração, que são postas reivindicações diversas e, nessa medida, a luta por direitos sintetiza amplo campo de mediações vinculadas ao atendimento das necessidades humano-genéricas (SANTOS, S., 2007).

Um elemento fundamental a se considerar é que será nesse movimento que se desenvolvem as chamadas políticas sociais. E, sobre essas, pode-se dizer que:

sua razão de ser tem a ver com a existência de desigualdades produzidas estruturalmente por um sistema social dividido em classes e reproduzido historicamente por meio de relações de poder constantemente renovadas (PEREIRA, C., 2016, p. 68).

Para C. Pereira (2016), a política social está assim relacionada ao processo de desenvolvimento e implementação de ações realizadas pelo Estado para garantia da reprodução ampliada do capital, mas que não seriam instituídas sem a pressão exercida pela classe trabalhadora através de movimentos sociais envoltos em amplas lutas por direitos.

Pode-se então concluir que a política social está inserida em um processo complexo e contraditório que se estabelece entre Estado e sociedade civil, “no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo” (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 36).

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Isso significa afirmar que, inseridas na totalidade social, as políticas sociais atendem de maneira simultânea às demandas do capital e trabalho e representam, dialeticamente, conquista dos/as trabalhadores/as, ao mesmo tempo que representam a busca de legitimidade/hegemonia da burguesia, uma vez que cumprem uma função ideológica de construção de um consenso favorável à manutenção da ordem capitalista.

Influenciadas pelas características histórico-estruturais da economia e suas consequências para as condições de produção e reprodução da força de trabalho, acabam por se relacionar com a forma através da qual o Estado e as classes se movimentam historicamente.

Ou seja, “os ciclos econômicos balizam as possibilidades e limites da política social” (BEHRING, 2002, p. 174). Essa assertiva indica que a produção, enquanto dimensão central das relações sociais, é indissociável do processo de reprodução (em que se insere a política social), seja como forma de promoção da realização da mais-valia socialmente produzida, ou como garantia de reprodução da força de trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Antes, é possível inferir que as medidas que têm por objetivo mediar os interesses entre as classes sociais sempre estiveram presentes na história. No período pré-capitalista, como já exposto, existiam algumas ações filantrópicas voltadas às demandas sociais emergentes, que possuíam como objetivo central a harmonização da sociedade, através do desenvolvimento de mecanismos pontuais de caridade privada, sendo caracterizados pelo cariz punitivo e repressivo das ações, relacionadas ao trabalho forçado; além de garantir mínimos sociais a partir de critérios de acesso altamente restritivos (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Por outro lado, é importante historicizar que o espraiamento dessas ações ocorre apenas a partir do século XX, através do desenvolvimento de uma ação estatal capaz de atender às necessidades de proteção pública contra inseguranças sociais. É oportuno destacar ainda que essa ação esteve primeiramente vinculada a uma concepção meritocrática e moralizante da política, na qual “para que o indivíduo se torne merecedor de um mínimo de proteção social pública precisará provar a sua derrota e incapacidade de superá-la via empenho próprio” (PEREIRA, C., 2016, p. 59).

Ou seja, as políticas sociais, de maneira mais abrangente e efetiva, são constitutivas da sociedade capitalista madura, pois advêm justamente da congruência entre a pressão exercida pelos movimentos sociais organizados no contexto da Revolução Industrial, e das respostas dadas pelo Estado liberal às expressões da questão social.

Todavia, nesse processo, foram mantidas medidas caracterizadas pelo uso da repressão e incorporação tímida das demandas trabalhistas, que tendiam à responsabilização individual e nem de longe se propunham a incidir sobre o cerne da contradição capital e trabalho, mas sim

84 o Estado deve ser concebido como “educador” na medida em que tende precisamente a criar um novo tipo ou nível de civilização. Dado que se opera essencialmente sobre as forças econômicas, que se reorganiza e se desenvolve o aparelho de produção econômica, que se inova a estrutura, não se deve concluir que os fatos de superestrutura devam ser abandonados a si mesmos, a seu desenvolvimento espontâneo, a uma germinação casual e esporádica. O Estado, também neste campo, é um instrumento de “racionalização”, de aceleração e de taylorização; atua segundo um plano, pressiona, incita, solicita e “pune”, já que, criadas as condições nas quais um determinado modo de vida é “possível”, a “ação ou a omissão criminosa” devem receber uma sanção punitiva, de alcance moral, e não apenas um juízo de periculosidade genérica (GRAMSCI, 2002, p. 28).

Por isso é possível dizer que as políticas sociais reproduzem as contradições e ambiguidades inerentes que estão imersas nos interesses divergentes da sociedade dividida em classes (SALVADOR, 2012). Portanto, além das medidas de coerção, o cariz ideológico possui uma incidência preponderante na ação estatal, em que as políticas sociais atuam.

Dentre o leque de políticas sociais existentes na atualidade, a exemplo das medidas nas áreas de educação, saúde ou assistência, como discutido anteriormente, falar em política cultural no universo contemporâneo exige partir primeiramente da análise sobre a relação69

existente entre Estado e cultura: medida-chave para se compreender a vinculação existente entre a precarização dos/as trabalhadores/as do setor cultural e a efetivação de políticas socioculturais no Brasil.

Nesse âmbito, Chauí (2008) defende que a esfera estatal não é produtora de cultura “nem instrumento para seu consumo”, uma vez que essa é uma atividade social, e o Estado representa, portanto, um elemento integrante da cultura70, isto é, “uma das maneiras pelas quais, em condições históricas determinadas e sob os imperativos da divisão social das classes, uma sociedade cria para si própria os símbolos, os signos e as imagens do poder” (IDEM, p. 64).

Igualmente, ao passo que o Estado representa, desse modo, produto da cultura, e não um produtor dessa, deve se relacionar com a cultura no sentido de concebê-la enquanto direito. Assim, não reduzi-la à preservação do patrimônio cultural, como é comum em determinadas realidades, mas no sentido da manutenção das expressões artísticas, principalmente as que não têm inserção ou filiação aos ditames do mercado, em que a “efervescência artístico-política

69“Mesmo nas experiências vivenciadas pelos países que priorizam o investimento privado sobre a ação pública, o Estado não se exime de cumprir um papel na regulação desse investimento, além de manter presença no financiamento direto das atividades culturais, como é o caso da realidade estadunidense” (NABAIS, 2004, p. 10). 70Cultura, enquanto objeto de políticas sociais, “não se limita ao conjunto restrito da produção, em parte direcionada ao consumo ou inseridas no circuito do mercado de arte”, mas abarca também “os bens simbólicos materiais e imateriais, históricos e contemporâneos, que constituem modos de vida e podem ou não se tornar base material das comunidades e atores sociais envolvidos em sua difusão e preservação” (PRADO, 2017, p. 11).

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certamente não seria possível com a obtenção de financiamentos com controle privado” (CRUZ, 2010, p. 6).

Deve assegurar, nesse sentido, formas de acesso aos bens culturais produzidos, especialmente o direito de fruí-los, “de criar as obras, ou seja, produzi-las, e o de participar das decisões sobre políticas culturais” (CHAUÍ, 2008, p. 65).

A partir desse entendimento, “à sociedade cabe produzir cultura e ao Estado incumbe a garantia das condições para que o direito ao acesso à cultura seja exequível” (SILVA, V., 2010, p. 110). Sem interferir nos direcionamentos dos setores criativos, a esfera estatal pode assim contribuir no

Direito de acesso e de fruição dos bens culturais por meio dos serviços públicos de cultura (bibliotecas, arquivos históricos, escolas de arte, cursos, oficinas, seminários, gratuidade dos espetáculos teatrais e cinematográficos, gratuidade das exposições de artes plásticas, publicação de livros e revistas etc.), enfatizando o direito à informação, sem a qual não há vida democrática; Direito à criação cultural, entendendo a cultura como trabalho da sensibilidade e da imaginação na criação das obras de arte e como trabalho da inteligência e da reflexão na criação das obras de pensamento; como trabalho da memória individual e social na criação de temporalidades diferenciadas nas quais indivíduos, grupos e classes sociais possam reconhecer-se como sujeitos de sua própria história e, portanto, como sujeitos culturais; Direito a reconhecer-se como sujeito cultural, graças à ampliação do sentido da cultura, criando para isso espaços informais de encontro para discussões, troca de experiências, apropriação de conhecimentos artísticos e técnicos para assegurar a autonomia dos sujeitos culturais, exposição de trabalhos ligados aos movimentos sociais e populares; Direito à participação nas decisões públicas sobre a cultura, por meio de conselhos e fóruns deliberativos nos quais as associações artísticas e intelectuais, os grupos criadores de cultura e os movimentos sociais, através de representantes eleitos, pudessem garantir uma política cultural distanciada dos padrões do clientelismo e da tutela (CHAUÍ, 1995, p. 82).

Como também complementa a análise a fala de Carlitos em entrevista para a presentea pesquisa:

Então, eu costumo dizer que o Estado tem uma responsabilidade muito grande de fazer com que o povo se reconecte com a arte produzida por ele. Porque hoje a cultura de massa tem, hoje não, ela já se espalhou de forma muito perversa, então as pessoas não têm mais acesso ao que tinha, por exemplo, ao boi de reis, ao forró tradicional, ao próprio samba tradicional [...] Então eu acho que a gente precisa de um modelo de gestão pública para dirimir esses problemas, que aconteceram com as concessões públicas, por exemplo, de TV e radio, e reconecte as pessoas com a arte produzida por elas. Os brasileiros com a arte produzida pelos brasileiros de forma mais orgânica.

Nessa perspectiva, a relação estabelecida deve ser considerada a partir da garantia dos

direitos culturais, que “exercem um papel fundamental na difusão e consolidação de valores,

de modos de ver e viver o mundo, atuando ativamente na ação e reflexão dos sujeitos sobre o que são e o que podem vir a ser” (SANTOS; PAULO, 2014). Disso, significam justamente

86 aqueles afetos às artes, à memória coletiva e ao repasse de saberes, que asseguram a seus titulares o conhecimento e uso do passado, interferência ativa no presente e possibilidade de previsão e decisão de opções referentes ao futuro, visando sempre à dignidade da pessoa humana (CUNHA FILHO, F., 2000, p. 34).

Considerado esses elementos, no que se refere à realidade brasileira, a política social está imbricada a um modelo específico de formação sócio-histórica, sendo constituída ao longo dos seus cinco séculos de capitalismo por uma “indistinção entre o público e o privado”, em que a esfera pública está subsumida ao mercado e, esse último, contraditoriamente, dependente dela (CHAUÍ, 2008, p. 71).

Nesse cenário, se realiza uma relação de clientelismo individual entre os órgãos públicos e as corporações culturais, sendo o Estado concebido como “grande balcão de subsídios e patrocínios financeiros” (CHAUÍ, 1995, p. 81) e, em relação à cultura71, os rebatimentos são

materializados a partir de uma histórica ausência da condução da política. Sobre essa última, possuindo uma forte tradição autoritária e oligárquica, podem ser analisadas em três frentes principais:

A liberal, que identifica cultura e belas-artes, estas últimas consideradas a partir da diferença clássica entre artes liberais e servis. Na qualidade de artes liberais, as belas- artes são vistas como privilégio de uma elite escolarizada e consumidora de produtos culturais. • A do Estado autoritário, na qual o Estado se apresenta como produtor oficial de cultura e censor da produção cultural da sociedade civil. • A populista, que manipula uma abstração genericamente denominada cultura popular72, entendida como produção cultural do povo e identificada com o pequeno artesanato e o folclore, isto é, com a versão popular das belas-artes e da indústria cultural. • A neoliberal, que identifica cultura e evento de massa, consagra todas as manifestações do narcisismo desenvolvidas pela [...] mídia, e tende a privatizar as instituições públicas de cultura deixando-as sob a responsabilidade de empresários culturais (CHAUÍ, 1995, p. 81).

71Sendo marcada sobretudo pela postura antidemocrática, a política cultural brasileira, lidou primeiramente com um Estado que se apresenta como “produtor cultural”, buscando nisso criar uma “cultura oficial”, a partir de um “estadismo cultural”, que se diferencia da dimensão pública da cultura, quando a esfera estatal estimula a criação cultural na sociedade (CHAUÍ, 2008).

72Caracterizada por relações essencialmente orgânicas, que, segundo H. Cunha Filho (2020): desenvolvem-se em ambiente onde se vê o aprendiz e o mestre e não o “aluno” e o “professor"; propiciam aprendizado de vida e não apenas de conteúdo; impregnam na consciência das pessoas a sensação de partilhar as tarefas de um mutirão e não de serem trabalhadores contratados para realizar uma obra. Entretanto, a tentativa das políticas públicas em absorver esses elementos é frustrada tendo em vista que essas têm como princípio fundamental o individualismo, o que na prática significa, por exemplo, a existência se editais que contemplam apenas grupos formalizados juridicamente ou pessoas com devida documentação, realidade que burocratiza no sentido de prejudicar a participação desses grupos, que possuem grande dificuldade em atender a essas exigências. Disso, a valorização individual em detrimento do grupo pode prejudicar o desenvolvimento da expressão a que se objetiva, na verdade, preservar, além de que as “interpretações tradicionais das leis e dos julgamentos dos tribunais de contas, historicamente apegados ao paradigma do individualismo, nos quais o CNPJ, o CPF, a nota fiscal, o relatório circunstanciado, a explicação exaustiva são mais importantes que as próprias manifestações culturais” (CUNHA FILHO, H., 2020, online).

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Analisando a história do Brasil, mais precisamente o período colonial, não houve quaisquer investimentos na formação de um campo cultural estruturado. Tal decisão estava vinculada à política de fechamento intelectual, isto é, o controle cultural e ideológico por parte de Portugal, que tinha como objetivo conter a propagação de ideias que fossem contrários aos interesses metropolitanos. Negava-se, assim, as expressões culturais originárias (indígenas) e africanas, ao passo que proibia e censurava a ação da imprensa, dentre outras expressões culturais advindas do universo ocidental (RUBIN, 2007; BARBALHO, 2009).

Tal realidade vê-se alterada somente a partir do século XVIII, marco histórico de implementação, pelo Marquês de Pombal, em referência à Reforma Iluminista, de diversas ações, conhecidas como Reformas Pombalinas, que tinham por objetivo último a modernização do império burguês e o consequente aumento da exploração colonial. A partir disso, no fim do século XVIII e início do século XIX, tem-se, com esse legado, o desenvolvimento das primeiras medidas estatais no campo cultural, tais quais:

O vice-rei do Brasil, D. Luís de Vasconcelos, criou, em fins do século XVIII, um gabinete de história natural denominado “Casa dos Pássaros”, primeiro formato do que seria o Museu Nacional. Esses primeiros e tímidos ensaios de iniciativa pública na promoção cultural ganharam impulso com a chegada da Corte. Em 1816, D. João financiou a vinda de uma missão de artistas franceses que iriam criar, dez anos depois, a Imperial Academia das Belas-Artes. No mesmo ano, foi criada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Surgiram ainda no período de permanência da Corte portuguesa: a Escola de Marinha (1808); um observatório astronômico (1809); a Academia Militar (1811); a Imprensa e a Biblioteca Reais (1808 e 1811, respetivamente); o Real Jardim Botânico (1819); a Capela Real; o Museu Real; o

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