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3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA REGULAÇÃO DO

3.3 NEM SEMPRE O PALCO É ILUMINADO: AS CONDIÇÕES DE

“Troca de vida comigo em dois tempos tu vai me dizer Que eu sou é muito artista e não seja não pra você ver

Mato meu leão todo dia pra não ver o meu canto calado morrer

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alegria de outro modo é amargo o que era pra ser delicia O glamour tá na lida e não me custa nada

só me custa a vida” (Khrystal Saraiva) “Executivo do pandeiro Toca pra fazer dinheiro Pensando no fim do mês Enquanto o povo samba”

(Sami Tarik)

Partindo de uma concepção de cultura sob a perspectiva crítico-dialética e materialista, é possível considerar que a arte, enquanto símbolo estético, possui de maneira inerente uma relação com os elementos ético-políticos do trabalho e identidade dos sujeitos que a realizam; bem como, economicamente, “a partir de sua difusão e fruição – comercial ou não – pode gerar diferentes níveis de excedentes, inclusive e principalmente financeiros” (SANTOS; PAULO, 2014, p. 113).

Existe, nesse sentido, sob comando do modo de produção capitalista, uma dicotomia entre a expressão artística livre e o seu controle e coerção político-econômico, considerando principalmente que nesse modelo de sociedade ela dependente de recursos financeiros para se desenvolver: e, nisso, arte e artista necesssitam desses recursos. Então:

Essa dinâmica está na gênese da produção e difusão cultural, colocando na maioria das vezes em lados opostos o mercado, com sua racionalidade do lucro, que busca estéticas hegemônicas, e grande parte da produção cultural em si, muitas vezes preocupada com os aspectos ético-políticos de suas manifestações em detrimento da busca do aporte de recursos financeiros para sua sustentabilidade (SANTOS; PAULO, 2014, p. 113).

Sob esse entendimento, infere-se que a produção cultural é marcada por uma prática descontínua, uma vez que o Estado, de maneira mais aprofundada, se ausenta de suas responsabilidades na construção de condições para o desenvolvimento do trabalho artístico. Disso, além de fomentar a perda de importantes manifestações próprias do povo, a ação estatal vem, historicamente, sendo promotora de um modelo mantenedor de subemprego aos/às trabalhadores/as da arte.

Confere-se, a partir desse pressuposto, a relação direta estabelecida entre a precarização do trabalho e a oferta das políticas sociais. Assim, o que se encontra em disputa no cenário brasileiro é a própria arte e, de maneira particular, a precarização das relações de trabalho dos/as artistas.

Filiada ao paradigma de mercado implementado pela “indústria cultural”, a arte no Brasil realiza-se assim não sem poucos conflitos

141 entre produtores de espetáculos artísticos e a censura; entre empresas nacionais e multinacionais na área do cinema; entre instituições privadas e órgãos públicos no campo da preservação do chamado patrimônio histórico nacional; etc. Tendo em vista o rápido crescimento da indústria cultural, é possível que a questão da sua regulação pelo Estado venha a transformar-se em tema de debate público nos próximos anos. É que se aplica à distribuição da riqueza cultural o mesmo raciocínio aplicável à distribuição da riqueza material: ou bem existe uma vontade política de alertar o processo, ou este, entregue à sua própria lógica, não resolverá o problema nem na rapidez nem na profundidade necessárias a uma sociedade que se quer democrática (MACHADO, M., 1984, p. 6).

A agigantada quantidade de eventos culturais realizadas no país sugere a existência de uma ação estatal efetiva, quando na verdade essa encontra-se totalmente subsumida à lógica mercantil que “disfarça a miséria dos investimentos culturais de longo prazo que visem à qualidade da produção artística”150.

Segundo dados do SIIC-IBGE de 2018, o setor cultural ocupava nesse ano cerca de 5 milhões de pessoas, representando 5,7% do total de ocupados no país. Mais da metade eram mulheres (50,5%), pessoas de cor ou raça branca (52,6%) e com menos de 40 anos de idade (54,9%). Além disso, se comparado ao total das ocupações, o percentual daqueles/as com nível superior era maior (26,9% no setor cultural ante 19,9% no total de ocupados). Entre 2014 e 2018, houve redução na proporção de empregados com carteira assinada (de 45,0% para 34,6%) e aumento dos trabalhadores por conta própria (de 32,5% para 44,0%) na cultura. Em vista disso, a informalidade, representada por empregados e trabalhadores domésticos sem carteira, trabalhadores por conta própria e empregadores que não contribuem para a previdência social, além de trabalhadores familiares auxiliares, aumentou no setor cultural, passando de 38,3% em 2014 para 45,2% em 2018, valores mais elevados que a média dos/as trabalhadores/as no país. Por outro lado, o número de organizações que atuavam em atividades consideradas culturais caiu de 353,2 mil para 325,4 mil (-27,8 mil) nesse mesmo período.

Soma-se a isso que o rendimento médio mensal real do trabalho principal da população de 14 anos ou mais de idade ocupada em atividades culturais foi estimado em R$ 2.391,00 em 2014 e em R$ 2.193,00 em 2018, o que representa uma redução de 8,3%, ao passo que o valor adicionado do setor cultural chegou a R$ 226 bilhões em 2017.

Já o total dos gastos públicos alocados no setor cultural aumentou de aproximadamente R$ 7,1 bilhões, em 2011, para R$ 9,1 bilhões, em 2018. Mas nesse período as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) apresentaram variações negativas da participação da cultura no total de seus gastos (IBGE, 2018).

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Na esfera do trabalho, com o aumento do desemprego (desconsiderando as contratações informais), o governo Bolsonaro vem desestabilizando, através do fim do investimento público (direto ou indireto) e perseguição ideológica, um setor que movimenta cerca de vinte bilhões de reais e gera milhares de empregos, como é o caso do audiovisual (NAKAMURA, 2019). Por essas razão, é possível que, se por um lado a precarização do trabalho artístico e o controle ideológico é funcional à lógica mercantil de acumulação capitalista em que a cultura está subordinada, pode ser que em algum momento o mercado entre em choque com as ações proibitivas do governo, já que as formas de censura implementadas não parecem lucrativas à esfera da “indústria cultural".

Sobre a postura governamental existente pós-golpe e aprofundada na gestão bolsonarista, tem-se que:

A Lei Rouanet, meu deus, quanta ignorância sobre a Lei Rouanet. E dizer que a gente fica, que os artistas mamam nas tetas do governo, pelo amor de Deus, onde? Todo mundo lutando pra sobreviver, um mínimo de um edital possibilite de financiamento, é constitucional que as pessoas tem direito à cultura, às manifestações artísticas, então nada mais justo do que o governo proporcionar isso às pessoas, à sociedade. Mas agora, desde Temer que a coisa piorou bastante e o Ministério da Cultura não existe mais, ele não existe mais e o entendimento do que é cultura, o entendimento da importância do artista na sociedade, do que é arte, completamente equivocado (AMELIE).

Bolsonaro na verdade não existe, ele pra mim é um fake feito tudo que está sendo divulgado em nome dele. Esse tipo de golpe que nosso país sofreu, esse tipo de golpe articulado e manipulado em cima de toda a América Latina, ocasionado pelos Estados Unidos, pelo capital americano, isso é uma coisa que é totalmente desumanizada, totalmente oposta à arte. Pra mim é uma coisa tão grotesca, que é totalmente contraditória à proposta artística. Tanto que nada que está ligado à literatura, à arte, nada disso interessa a ele. Não interessa pra ele cinema, não interessa pra ele a música, não interessa pra ele nada disso. A cultura é uma coisa que realmente sempre foi incompatível com esse tipo de governo. Eles não têm o menor respeito, eles não têm o menor interesse que as pessoas tenham acesso a nenhum desses bens. Acho que é tão nocivo ou talvez até mais do que na época dos militares, que perseguiam. Porque eles praticamente já estão se utilizando da censura, quando eles querem ter o controle sobre todos os projetos, todos os recursos, que eliminam um Ministério de Cultura, querem que tudo seja ali centralizado, na mão deles. Eles já estão dizendo que na verdade não tem interesse que tenha a liberdade de imprensa, nem de cultura e nem de nada (JOANA).

Eu comecei a fazer teatro em 96, no período do governo FHC, ou seja, não havia distribuição de renda, de política pública, para o Brasil. Se concentrava no eixo Rio- São Paulo. [...] Com o governo do PT, a gente começa a ver uma distribuição de renda, por exemplo, projeto dos Pontos de Cultura, que eu acho um projeto incrível, porque os Pontos já estavam lá, já existiam, e de repente aquilo é fomentado, um projeto tão simples. [...] A gente chega como num governo desse como o de Bolsonaro, que nos odeia, que por ele cultura era pra queimar na fogueira, que somos um bando de libertinos que não servem pra nada. E quem vai nos manter se não for o público, entende? (ARIEL).

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Se a realidade da cultura no Brasil caminhava para sua profunda deteriorização enquanto política pública, em meio ao aprofundamento da crise no mundo, com consequente recessão econômica e alta do custo de vida para a classe trabalhadora, vivencia-se, em 2020, no âmbito da saúde, a pandemia de Coronavírus, que incide de sobremaneira o setor cultural, após cancelamentos de contratos e fechamento dos espaços ocorrido por determinação governamental para evitar transmissão local do COVID-19, uma vez que essas atividades ocorrem por essência através de público.

Sendo um dos setores que primeiro encerra as atividades e o último que retorna em um cenário pandêmico, vem rebaixando todos os níveis de renda (sejam artistas menos ou mais conhecidos, com melhor ou pior realidade socioeconômica), pois é verdade que uma gama considerável dos/as trabalhadores/as da cultura não possui reservas financeiras e, portanto, depende que mercado e sobretudo Estado ofertem respostas efetivas para o atendimento das necessidades emergentes nesse novo contexto.

Segundo pesquisa da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), os prejuízos do setor cultural podem chegar no Brasil a 100 bilhões de reais com a pandemia, tendo em vista que 51% dos eventos foram paralisadas, cancelados ou adiados, impactando uma vasta cadeia de trabalhadores/as, principalmente aqueles/as autônomos e informais que não possuem uma renda fixa (BALBI, 2020).

A exemplo disso, uma pesquisa do grupo RESPIRACENA afirma que, no estado do Mato Grosso (MT), 56% dos/as artistas estão sem renda durante o período de quarentena (NINJA, 2020). Em São Paulo (SP), manifesto realizado por trabalhadores/as do Museu Afro Brasil denunciam a demissão de 23 dos 80 funcionários/as da instituição que foram demitidos/as após decreto estadual de abril/2020 que cortou cerca de 68 milhões dos recursos destinados às organizações sociais que gerenciam a cultura no estado, sob alegacão de crise decorrente da pandemia, sem alternativa aos/às trabalhadores/as demitidos/as (MICHEL, 2020).

Sem nenhuma movimentação do governo federal para pensar alternativas à paralisação no setor cultural, sendo realizada uma campanha nacional dos artistas com o mote “Cadê a Regina?”, em referência à secretária de cultura, que por sua vez, em entrevista à CNN, quando questionada sobre as dificuldades que a cultura vem enfrentando, responde que debater esse assunto é “desenterrar mortos" (UOL, 2020); momento em que, contraditoriamente, há um aumento considerável do consumo da arte pela população, como forma de vivenciar de maneira mais amena o processo desgastante de isolamento social a partir de seu efeito catártico, reforçando a importância fundamental da arte para a sociedade; como também na medida em

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que esses/as artistas são a todo momento chamados/as à realização de campanhas financeiras, a partir do uso de sua imagem, para socorro a setores que, como a cultura, têm sofrido economicamente com as medidas restritivas de saúde.

Mesmo assim, permanecem sem a valorização devida. Outro exemplo das dificuldades sentidas, reportagem sobre o assunto revela que a pandemia gerou o fechamento de 500 circos no país, deixando 10 mil artistas sem renda, além da falta de água e energia, alimentos e sob risco de expulsão dos espaços em que se encontram, pela ausência de pagamento do aluguel (PITOMBO, 2020).

Com o vácuo no setor executivo federal, a categoria permanece aguardando a tramitação dos projetos de lei apresentados ao legislativo federal, a exemplo do PL 1075/2020, que pretende garantir o pagamento de um salário mínimo a trabalhadores da cultura durante o período da pandemia; o PL 1089/2020, que também propõe o pagamento mensal de R$ 1.045,00 para trabalhadores/as da área enquanto durar o período de emergência em saúde, estabelecendo ainda o subsídio mensal de R$ 10 mil, pelo mesmo período, a espaços culturais, mais especificamente a Pontos de Cultura, teatros independentes, escolas de música, dança e artes, cineclubes, centros culturais em periferias e pequenos municípios, com atividades para saraus, hip hop, cultura popular e bibliotecas comunitárias, valores que devem ser retirados do Fundo Nacional de Cultura e da Secretaria Especial de Cultura, além de proibir o corte de água, luz ou serviços de telecomunicação desses espaços no período de pandemia; e o Projeto 1541/2020, que propõe suspender a cobrança de impostos federais para empresas da área das artes e da cultura, ou seja, “casas de espetáculo, cinemas, circos, museus, cinematecas e demais instituições museológicas e quaisquer outros estabelecimentos dedicados a apresentações artísticas e culturais”, além de empresas independentes produtoras e distribuidoras de audiovisual, que se soma àobrigatoriedade da União executar a integralidade dos recursos previstos na Lei Orçamentária Anual do exercício de 2020 para o Fundo Nacional de Cultura, ação que dificilmente ocorre no processo de gestão orçamentária da cultura.

Pela demora nas respostas, muitos/as artistas vêm se cadastrando no auxílio emergencial proposto pelo legislativo federal para a população autônoma do país, pessoas que trabalham informalmente, que estão registradas como Microempreendedor Individual (MEI) ou inscritas no Programa Bolsa Família (PBF) e que, terminou, pela votação, em três parcelas de R$ 600,00, podendo chegar a R$ 1800,00 dependendo da composição familiar, entretanto padecem pela falta de informação, demora e má organização do pagamento pelo governo federal, reforçando

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a máxima de Brecht151: “Há muitas maneiras de matar uma pessoa. Cravando um punhal,

tirando o pão, não tratando sua doença, condenando à miséria, fazendo trabalhar até arrebentar, impelindo ao suicídio, enviando para a guerra etc. Só a primeira é proibida por nosso Estado”. Ao passo de editais ou campanhas, ações particulares ou de entes privados, como o Itaú152, Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Devassa, Som Sem Plugs, Casa da Ribeira; de partidos e sindicatos, como ADURN-Sindicato e Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e vaquinhas online realizadas a partir de iniciativas individuais, mas que nem de longe substituem a responsabilidade do Estado brasileiro, permanecendo sem medidas contundentes de socorro à categoria, que poderiam ocorrer através do pagamento de cachês pendentes e/ou atrasados; implementação de editais com resultados já publicados; abertura de editais ou chamadas públicas para apresentações via internet, como fora proposto nos estados do Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte153; leis emergencias de socorro ao setor; dentre outros, deixando expostos/as à perda de renda e miserabilidade artistas, equipe técnica, prestadores/as de serviço e suas famílias.

Trazendo essa realidade para a cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte (RN), que se constitui como lócus da pesquisa de campo, é possível afirmar que o cenário de precarização, de desvalorização do trabalho de atrizes e atores, assim como de fraco investimento na cultura não difere de modo geral da realidade do país, porém assume importantes particularidades. Sobre isso, afirma-se em entrevista realizada para análise desse processo, comparando a realidade local ao restante do Brasil:

151Ver Manoel (2020).

152Ao passo que mantém exorbitante lucratividade em tempos de crise, o Itaú, centro bancário conhecido pelo uso dos recursos públicos, via financiamento indireto, para investimento cultural, apresenta nesse momento um edital duramente criticado por artistas, tendo em vista à hierarquização sobre valores pagos (10 mil a atores e atrizes, 5 mil à músicos/as, 3 mil à artistas visuais e 2 mil e 500 a poesia surda e literatura), somada às exigências referentes ao ineditismo, à temática, pouco espaço para apresentação, que assim como outros editais ou proposições parecem tratar a arte como “fast food", mero “divertimento” ou “passatempo", em que o/a artista deve “provar” sua relevância sob a lógica capitalista, não exergando o sujeito trabalhador que está por detrás da obra e todas as suas contradições ou dimensões, que quer dizer, sem sensibilidade para compreender que nesse momento exigir ineditismo é desconsiderar não só a falta de renda e perspectiva laboral, mas também o medo, insegurança e ansiedade de um contexto pandêmico que também recai sobre essas pessoas.

153Edital simplificado “Tô em casa e tô na rede" lançado pela Fundação José Augusto (FJA) para 105 iniciativas de profissionais na arte residentes no estado e que não possuam renda fixa ou vínculo empregatício (RIO GRANDE DO NORTE, 2020). Esses, receberão R$ 1.900,00 e conta com 600 inscritos, expressando primeiramente que não será capaz de abarcar todas as propostas. Por outro lado, a Prefeitura de Natal, além da oferta pontual de cestas básicas para alguns setores da cultura, lançou uma convocatória para que os/as artistas enviem materiais para o canal da Prefeitura no YouTube, sem para tanto ofertar nenhum tipo de pagamento financeiro, reforçando o entendimento de que esses/as profissionais não necessitam ter retorno pelas atividades realizadas, desprezo reforçado em um período tão alarmante quanto o dessa pandemia.

146 Se você chega em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo que existem canais de televisão, existem pessoas que ao contrário de mim, são empregadas há 30, 40 anos, com salário, com direitos trabalhistas e com aposentadoria. Esse não é o nosso caso aqui, pelo menos em Natal. Porque a gente não tem esses empregadores, então é uma realidade mesmo dos grandes centros, onde existe uma tabela lá, você: “Ah não, mas o mínimo nessa tabela é que o técnico tal ganhe tal”, eles chegaram a esse patamar, a gente não tem condições de trabalhar com esse tipo de tabela. Porque você não tem o dinheiro, não tem as empresas, você não tem essa realidade, então como é que você vai trabalhar com uma realidade de tabela se você não tem dinheiro pra nada? Assim, então é uma realidade muito nossa, apesar de que eu acredito que a nossa realidade é a grande realidade do Brasil. Eu acredito que Rio de Janeiro e São Paulo vivem uma outra realidade, que é diferente da realidade que o Brasil todo vive. Natal está muito mais próximo da realidade real do artista brasileiro (ARIEL).

Entretanto, ao passo que se considera algumas semelhanças entre os estados, bem como suas políticas e a forma de difusão da arte a cultura, faz-se necessário também considerar as particularidades sócio-históricas que expõem todas as diferenças e desigualdades regionais existentes.

O Nordeste, território propositadamente alardeado enquanto “espaço sociopolítico diferenciado e contrastante, carente, pesado, responsável pela existência de tantos problemas, misérias e conflitos” (ALBUQUERQUE JR, 2013, p. 13-15). Ou ainda, a serviço de uma forma de desenvolvimento desigual e combinado, publicizado assim como o “lugar do atraso, do rural e do passado persistente, valorizando em contrapartida o Sudeste e o Sul agilizados como espaços do progresso, da razão e do futuro” (ALBUQUERQUE JR, 2013, p. 13-15).

Tal pensamento, na verdade funcional à lógica de desenvolvimento econômico brasileiro, colocou a região Nordeste imersa em um sistema de desigualdade regional, em que as infraestruturas e redes informacionais realizam-se de modo descontínuo, “sobre um quadro socioespacial praticamente engessado” (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 272).

Assim, “amarga a herança de servir de extensão de terra para o cultivo da monocultura de exportação” (GALEANO, 2012, p. 63). Em que representou um dos principais centros econômicos do Brasil, já que “de suas terras brotou o negócio mais lucrativo da economia agrícola colonial da América Latina” (GALEANO, 2012, p. 63).

Nessa perspectiva de compreensão socioeconômica, política e ideológica desenvolvida, propõe-se compreender os direitos sociais de trabalho e cultura referenciando-se no movimento existente na capital potiguar, considerando também os elementos vinculados dialeticamente à formação sócio-histórica brasileira, quais sejam: o latifúndio, as relações de poder, a forte influência do mandonismo, coronelismo, compadrio e a ideologia do favor. Tal herança favorece o incentivo a uma cultura política que preza pelos interesses privados, “impeditivos da constituição de uma cidadania sólida e universal” (IAMAMOTO, 2008, p. 35), ao trazerem

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“embutidas as relações de subordinação, o arbítrio, os serviços pessoais [...]” (IAMAMOTO, 2008, p. 33).

Esse extenso território é detentor de formas históricas de resistência política e sociocultural, representando uma região que agrega significativa e inestimável produção, expressa nas mais diversas154 manifestações e linguagens artísticas e culturais, como expressou- se em entrevista:

Aí a gente pode fazer o paralelo, quando Euclides [da Cunha] diz que “O sertanejo é

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