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"Não já tem o figurino? O que você quer mais?": acumulação capitalista e precarização do trabalho de atrizes e atores no brasil contemporâneo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL DOUTORADO

BRUNA MASSUD DE LIMA

“NÃO JÁ TEM O FIGURINO? O QUE VOCÊ QUER MAIS?”: ACUMULAÇÃO CAPITALISTA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DE ATRIZES E ATORES NO

BRASIL CONTEMPORÂNEO

NATAL 2020

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BRUNA MASSUD DE LIMA

“NÃO JÁ TEM O FIGURINO? O QUE VOCÊ QUER MAIS?”: ACUMULAÇÃO CAPITALISTA E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DE ATRIZES E ATORES NO

BRASIL CONTEMPORÂNEO

Área de concentração: Sociabilidade, Serviço Social e Política Social

Tese de doutorado orientada pela Prof. Dra. Andréa Lima da Silva, para defesa pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Linha de pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social.

NATAL 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Lima, Bruna Massud de.

"Não já tem o figurino? O que você quer mais?": acumulação capitalista e precarização do trabalho de atrizes e atores no brasil contemporâneo / Bruna Massud de Lima. - 2020.

264f.: il.

Tese (Doutorado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2020. Orientadora: Profa. Dra. Andréa Lima da Silva.

1. Precarização do trabalho - Tese. 2. Trabalho artístico - Tese. 3. Estado - Tese. 4. Políticas Culturais - Tese. 5. Conservadorismo - Tese. I. Silva, Andréa Lima da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca CCSA CDU 316.334.22

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a quem se fez presente em seu desejo mais profundo, para que esse momento pudesse se concretizar, enxugando suor e lágrimas, mas também cantando e sorrindo junto. Agradeço ao que não posso ver, mas que sinto, me guia e me encoraja. Agradeço a quem dividiu essa jornada com entusiasmo e, consciente ou inconscientemente, construiu esse sonho comigo.

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“Existem muitas maneiras de não conseguir pagar o aluguel. A poesia é a mais eficaz delas.” (José Juva)

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RESUMO

A presente pesquisa de doutorado inscreve-se enquanto tese que propôs investigar em termos científicos, a partir da Teoria Social Crítica, os fundamentos presentes no capitalismo que determinam a constituição e o aprofundamento da precarização do trabalho de atrizes e atores brasileiros/as enquanto mecanismo de acumulação do capital, considerando seu cariz estrutural, como, também, os elementos que são reatualizados na contemporaneidade. Para tanto, se constitui enquanto pesquisa qualitativa que, através de análise documental e bibliográfica, unida à realização de entrevistas semiestruturadas, parte do pressuposto que o trabalho é categoria fundante do ser social, análise que dialoga com a gênese e as transformações societárias ocorridas sobretudo a partir da década de 1970 e, especificamente no Brasil, em meados da década de 1990, considerando nessas, os rebatimentos da crise capitalista e o contexto de reestruturação produtiva e perda de direitos, que implicam em mecanismos de (re)produção de uma força de trabalho essencialmente precarizada: a categoria profissional atrizes e atores brasileiros/as. Relevante, portanto, o desenvolvimento desse estudo diante da expansão do pauperismo, do desemprego e de formas aprofundadas de precarização e desregulamentação do trabalho no mundo e, no Brasil, objetos de intervenção e análise do Serviço Social, com importante recorte no pós-golpe jurídico-parlamentar e midiático ocorrido em 2016, dada a implementação de um ostensivo projeto de contrarreformas, que atacam, com destaque, os setores trabalhista e previdenciário, medida estratégica para a acumulação continuada do capital neoliberal. A pesquisa também analisou o recrudescimento do conservadorismo no Brasil que se evidenciou com a chegada do presidente Jair Bolsonaro na Presidência da República que coloca em ascensão um período de irracionalismo e do subjetivismo nas esferas econômica, social, política e cultural, como, igualmente, ocasionou uma (re)atualização da censura na arte e cultura com importantes rebatimentos para os sujeitos envolvidos na seara do trabalho artístico. A partir disso, ao recuperar e problematizar o processo de formação sócio-histórica específica e diferenciada do país, termina-se por analisar igualmente o percurso histórico da política cultural e, com isso, a análise do Estado enquanto elemento central nesse processo, no sentido da relação existente entre a precarização do trabalho dos/as atores e atrizes e a ação estatal na oferta de políticas públicas para a cultura, pensando ainda o atual contexto de retirada de suas funções, acirramento da questão social e aprofundamento da barbárie capitalista. Analisou-se por fim, em um sentido contra-hegemônico, a apreensão sobre as formas de resistência e organização política da categoria profissional artística no Brasil e sua relevância histórica, trazendo como referências, para pensar a atualidade, as experiências políticas de diversos movimentos artístico contra a ditadura civil-militar de 1964 no país. Palavras-chave: Precarização do trabalho; Trabalho artístico; Estado; Políticas Culturais; Conservadorismo.

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ABSTRACT

The present doctoral research subscribes as a thesis that has proposed to investigate in scientific terms, through Critical Social Theory, the fundamentals present in capitalism that determine the constitution and deepening of labor precarization for Brazilian actors and actresses as a mechanism of capital accumulation, considering its structural character, as well as the elements that are re-actualized in contemporaneity. To that end, it is constituted as qualitative research that, through documentary and bibliographical analysis, in addition to the application of semi-structured interviews, is based on the premise that labor is the founding category of the social self, an analysis that speaks to the genesis and societal transformations that took place starting in the 1970’s and, especially in Brazil, around the 1990’s, considering in them, the consequences of the capitalist crisis and the context of productive restructuring and loss of rights, that lead to mechanisms of (re)production of a workforce that is essentially made precarious: the category of Brazilian actors and actresses. It is relevant, therefore, the development of this study given the expansion of pauperism, unemployment, and of comprehensive forms of precarization and deregulation of labor in the world and, in Brazil, objects of Social Work intervention and analysis, with the important framework in the post legal-congressional and mediatic coup that took place in 2016, given the implementation of an ostensible counter-reform project, that attack, mainly, the labor and social security sectors, a strategic measure for the continued accumulation of neoliberal capital. The research also analyzed the upsurge of conservatism in Brazil that was made evident by the rise of president Jair Bolsonaro to the presidency which puts in ascension a period of irrationality and of subjectivism in the economic, social, political and cultural realms, as well as, caused a (re)actualization of censorship in the arts and culture with important consequences for the subjects involved in artistic work. Based on that, in retrieving and problematizing the process of specific and differentiated socio-historical formation of the country, one ends up equally analyzing the historical course of cultural policy and, with that, the analysis of the State as a core element in this process, in the sense of the existing relationship between labor precarization of actors/actresses and State action in providing cultural public policy, also considering the current context of the withdrawal of its duties, the intensification of the social issue and the furthering of capitalist barbarism. Lastly, it was assessed, in a counter-hegemonic manner, the apprehension over resistance forms and political organization of the artistic professional category in Brazil and its historical relevance, introducing as reference, in order to analyze the present, the political experiences of an array of artistic movements against the 1964 civil-military dictatorship in the country.

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RESUMEN

Esta investigación doctoral forma parte de la disertación que propongo investigar en términos científicos, desde la Teoría Social Crítica, las bases presentes en el capitalismo que determinan la constitución y profundización de la precariedad del trabajo de actrices y actores brasileños como mecanismo de acumulación de capital, considerando su naturaleza estructural, así como los elementos que se actualizan en la contemporaneidad. Para ello, propongo desarrollar una investigación cualitativa que, a través del análisis documental y bibliográfico, combinado con entrevistas semiestructuradas, asume que el trabajo es la categoría fundadora del ser social. Análisis que dialoga con la génesis y las transformaciones corporativas que ocurrieron principalmente a partir de la década de 1970 y, específicamente en Brasil, a mediados de la década de 1990. Considero las rebajas de la crisis capitalista y el contexto de reestructuración productiva y pérdida de derechos, que implican mecanismos de (re)producción de una fuerza laboral esencialmente precaria: la categoría profesional actrices y actores brasileños. Así, el desarrollo de este estudio es relevante en vista del contexto de expansión del pauperismo, el desempleo y las formas profundas de precariedad y desregulación del trabajo en el mundo y, en Brasil en particular— objetos de intervención y análisis del Servicio Social. En cuanto al contexto brasileño, este trabajo tiene una importante relación con el post-golpe jurídico, parlamentario y de los medios de comunicación ocurrido en 2016, dada la implementación de un ostentoso proyecto de contra-reformistas, que atacan con énfasis los sectores laborales y de seguridad social— medida estratégica para la continua acumulación de capital neoliberal. La investigación también analiza el resurgimiento del conservadurismo en Brasil que se pone de manifiesto con la llegada de Jair Bolsonaro a la Presidencia de la República, lo que incrementa un período de irracionalismo y subjetivismo en los ámbitos económico, social, político y cultural, ya que, también, provocó una (re)actualización de la censura en el arte y la cultura con importantes bajas para los temas involucrados en el trabajo artístico. A partir de esto, la investigación al analizar y cuestionar el proceso de formación sociohistórica específica del país termina por analizar también el curso histórico de la política cultural y, por lo tanto, del Estado como elemento central en este proceso. Cuestionamos también la relación entre la precariedad de trabajo de actores y actrices y la acción del Estado en la oferta de políticas públicas para la cultura, todavía pensando en el contexto actual de la retirada de sus funciones, lo que agrava la realidad social y profundizando la barbarie capitalista. Finalmente, en un sentido contrahegemónico, analizamos la sospecha sobre las formas de resistencia y organización política de la categoría profesional artística en Brasil y su relevancia histórica, trayendo como referencias, a pensar en la situación actual, las experiencias políticas de diversos movimientos artísticos contra la dictadura cívica-militar de 1964 en el país.

Palabras clave: Precariedad del trabajo; Trabajo artístico; Estado; Políticas culturales; Conservadurismo.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Trabalhadores/as da arte e precarização do trabalho...27 Figura 2 – Trabalhadores/as da arte, precarização e disputa ideológica...79 Figura 3 – Resistência dos/as trabalhadores/as da arte...175

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRAOSC Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura

AI 5 Ato Institucional n° 5

ANCINE Agência Nacional do Cinema

ATAC Articulação de Trabalhadores das Artes da Cena pela Democracia e Liberdade

BA Bahia

BB Banco do Brasil

BBC British Broadcasting Corporation

BH Belo Horizonte

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BPC Benefício de Prestação Continuada

CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CE Ceará

CEI Centro de Educação Integrada Mais

CEF Caixa Econômica Federal

CGU Controladoria Geral da União

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNC Centro Nacional de Cultura

CNN Cable News Network

CNRC Centro Nacional de Referência Cultural

CUT Central Única dos Trabalhadores

COEDUC Cooperativa Educacional do Rio Grande do Norte

CONDECINE Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional

CPC Centro Popular de Cultura

CTO Centro de Teatro do Oprimido

DEM Democratas

DIP Departamento de Imprensa e Propaganda

DOPS Departamento de Ordem Política e Social

DRT Delegacia Regional do Trabalho

EMBRAFILME Empresa Brasileira de Filmes EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo

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ESPM Escola Superior de Propaganda e Marketing

FIC Fundo de Incentivo à Cultura

FICA Festival Artes Cênicas Casa da Ribeira

FIRJAN Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro

FHC Fernando Henrique Cardoso

FJA Fundação José Augusto

FNC Fundo Nacional de Cultura

FUNARTE Fundação Nacional das Artes

FUNCARTE Fundação Cultural da Capitania das Artes

FUNJOPE Fundação Cultural de João Pessoa

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

INCE Instituto de Natureza e Cultura,

INL Instituto Nacional do Livro

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPTU Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano

IR Imposto de Renda

ISS Imposto sobre Serviço de qualquer natureza

LGBTQI+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexuais e outros

MAM Museu de Arte Moderna

MASP Museu de Arte de São Paulo

MBL Movimento Brasil Livre

MDB Movimento Democrático Brasileiro

MDS Ministério do Desenvolvimento Social

MEC Ministério de Educação

MEI Microempreendedor Individual

MINC Ministério da Cultura

MG Minas Gerais

MP Medida Provisória

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MPC Movimento Popular de Cultura

MS Ministério da Saúde

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

MT Mato Grosso

MTD Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos

MTST Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

OMC Organização Mundial do Comércio

ONU Organização das Nações Unidas

OS Organização Social

PAC Programa de Ação Cultural

PB Paraíba

PBF Programa Bolsa Família

PCB Partido Comunista Brasileiro

PE Pernambuco

PEC Proposta de Emenda à Constituição

PIB Produto Interno Bruto

PL Projeto de Lei

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNC Política Nacional de Cultura

POIESIS Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura

PRB Partido Republicano Brasileiro

PROJAC Projeto Jacarepaguá

PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSC Partido Social Cristão

PSL Partido Social Liberal

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

RJ Rio de Janeiro

RN Rio Grande do Norte

RS Rio Grande do Sul

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SBT Sistema Brasileiro de Televisão

SCDC Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural

SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SECOM Secretaria Especial de Comunicação

SECULT Secretaria Especial de Cultura

SECULT Secretaria Municipal de Cultura

SESC Serviço Social do Comércio

SIIC Sistema de Informações e Indicadores em Cultura

SNC Sistema Nacional de Cultura

STF Supremo Tribunal Federal

STN Secretaria do Tesouro Nacional

TBC Teatro Brasileiro de Comédia

TCU Tribunal de Contas da União

TECESOL Território de Educação, Cultura e Economia Solidária

TEN Teatro Experimental Negro

TPE Teatro Paulista do Estudante

TV Televisão

UFPEL Universidade Federal de Pelotas

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB Universidade de Brasília

UNE União Nacional dos Estudantes

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO E PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA

PESQUISA...16

2 O TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE: DAS NOVAS MORFOLOGIAS À PRECARIZAÇÃO DO/A TRABALHADOR/A ARTISTA...28

2.1 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA...28

2.2 A PROLETARIZAÇÃO DO/A TRABALHADOR/A E OS DESAFIOS PARA QUEM VIVE DA ARTE: OS FUNDAMENTOS DO TRABALHO DE ATRIZES E ATORES NO BRASIL...47

2.3 DA EXPROPRIAÇÃO MATERIAL À SUBJETIVIDADE DA CLASSE TRABALHADORA NA CONTEMPORANEIDADE…...66

3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA REGULAÇÃO DO TRABALHO DE ATRIZES E ATORES: FOMENTO ÀS POLÍTICAS SOCIOCULTURAIS E CONSERVADORISMO EM CENA...79

3.1 AS POLÍTICAS SOCIOCULTURAIS NO BRASIL: FOMENTO A UM TRABALHO PRECARIZADO...80

3.2 ESTADO BURGUÊS BRASILEIRO DO VERDE-AMARELISMO: A PRECARIZAÇÃO VIA CAÇA AOS ARTISTAS………...113

3.2.1 Preâmbulo………...113

3.2.2 A ideologia do medo e a precarização do trabalho pela via da “caça aos/às artistas": uma análise do governo Bolsonaro……...122

3.3 NEM SEMPRE O PALCO É ILUMINADO: AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DE ATRIZES E ATORES EM NATAL (RN)...139

4 O MOVIMENTO ARTÍSTICO-CULTURAL NO BRASIL: OCUPAR E RESISTIR “CONTRA A BARBÁRIE”...176

4.1 ANÁLISE HISTÓRICA DO MOVIMENTO ARTÍSTICO-CULTURAL NO BRASIL...177

4.1.1 A força do teatro político: arenas de resistência...191

4.2 FORMAS DE RESISTÊNCIA E ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA CLASSE ARTÍSTICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO E AS PARTICULARIDADES DA CIDADE DE NATAL (RN)...206

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...224

REFERÊNCIAS...234

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1. INTRODUÇÃO E PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA

“Caminhante, são teus passos o caminho e nada mais; Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar. Ao andar se faz caminho, e ao voltar a vista atrás se vê a senda que nunca se voltará a pisar. Caminhante, não há caminho, mas sulcos de espuma ao mar.”

(Antonio Machado)

A contemporaneidade contém uma dinâmica complexa de (re)produção das relações sociais. Inserida na contradição de classe expressa no pensamento crítico, essa realidade irá exigir uma apreensão que esteja pautada na análise de tendências relacionadas a uma perspectiva de totalidade.

O interesse do presente estudo parte do método materialista histórico-dialético e suas categorias constitutivas para compreender as formas reificadas que se diluem no cotidiano, no sentido de explicitar os fenômenos em sua complexidade e contradição, como produtos da práxis (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

É a partir dessa perspectiva teórico-metodológica que se busca analisar os elementos presentes no capitalismo contemporâneo que dialogam com a sua gênese e as transformações ocorridas no mundo, sobretudo a partir da década de 1970, e as particularidades do Brasil, refletidas a partir da década de 1990, considerando nessas os rebatimentos da crise1 capitalista e o contexto de perda dos direitos sociais.

Nesse movimento, pode-se afirmar que o processo da pilhagem dos direitos da classe trabalhadora brasileira determina mecanismos de (re)produção de uma força de trabalho cada vez mais precarizada, qual seja: atrizes e atores.

O objetivo desta pesquisa é, portanto, analisar a relação existente entre precarização do trabalho de atrizes e atores no Brasil e a reprodução ampliada do capital. Ou seja, pretende-se evidenciar os processos relacionados à condição determinada ao trabalho artístico de atrizes e atores, quer dizer, a sua inserção no processo de ampliação da acumulação capitalista enquanto força de trabalho precarizada que tem por matéria a mercadoria “arte”, por sua vez subsumida aos monopólios da indústria cultural.

1Na contemporaneidade, representa um processo cíclico, uma vez que são “no capitalismo, resultantes das próprias contradições do sistema. Elas não são meras falhas no funcionamento da acumulação capitalista”, mas, inerentemente constituintes deste modo de produção (CASTELO, 2010, p. 6).

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Desse modo, ao passo que se nega qualquer análise economicista, é possível relacionar a arte2 como um dos complexos sociais formados a partir do trabalho e da matéria diferenciada das trabalhadoras e dos trabalhadores da arte, que por sua vez também sofrem com variadas formas de determinação, principalmente na atualidade, em que se vivencia um contexto de crise e expansão da perspectiva da pós-modernidade e do conservadorismo.

Tomando como partida a filosofia pseudo-objetiva de Hegel, Marx distancia-se da noção de espírito universal, ao apresentar um método de análise que considera as condições materiais da sociedade como determinantes do pensamento e da consciência, e não o contrário. A partir disso, a estrutura de organização social está vinculada à esfera de produção, que por sua vez sustenta uma superestrutura em que estão as formas de pensar de determinada sociedade e suas instituições, normalizadas a partir de leis, bem como religião, ciência, filosofia e arte.

Outro teórico de destaque nessa discussão é Antonio Gramsci, que defende a superação da perspectiva que considera a superestrutura como mero reflexo secundário e mecanizado de uma base determinante, já que “a produção de idéias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens [...]” (MARX; ENGELS, 2001, p. 25-26).

Com esse entendimento acerca das objetivações do ser social, Marx compreende a arte “como um desdobramento do trabalho”, que não se separa deste, e que, ausente de hierarquias, as duas atividades, trabalho e arte, “inserem-se no processo das objetivações materiais e não materiais que permitam ao homem separar-se da natureza, transformá-la em seu objeto e moldá-la em conformidade com os seus interesses vitais” (FREDERICO, 2013, p. 43).

Marx conferiu portanto à atividade artística uma dimensão humana essencial, pondo fim à ambiguidade hegeliana que somente concedia liberdade de expressão à mulher/ao homem enquanto “executante dos desígnios do Espírito” (FREDERICO, 2013, p. 44). Retomando a posição feuerbachiana, Marx valorizou os sentidos como meio de afirmação do homem e da mulher e recusou a inferioridade destes perante qualquer atividade teórica (FREDERICO, 2013, p. 44).

A partir dessa compreensão, enquanto uma das formas de objetivação do ser social, a arte possibilita à mulher/ao homem “afirmar-se sobre o mundo exterior pela exteriorização de suas forças essenciais” (FREDERICO, 2013, p. 43). Detém, portanto, “uma relação

2A arte é “reconhecida, transmitida, apreendida, organizada, celebrada” enquanto fenômeno cultural (SEGNINI, 2007, p. 2). Disso compreende-se que a arte é parte da cultura, uma vez que “por sua natureza, seus problemas gerais se inserem no quadro dos problemas da cultura e no quadro das condições superestruturais” (IDEM).

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determinada entre a ideia e a matéria e exige um referencial teórico específico para ser analisada” (FREDERICO, 2013, p. 43):

A arte é entendida não só como um modo de conhecer o mundo exterior (como queria Hegel), mas também como um fazer, uma práxis que permite ao homem afirmar-se ontologicamente. Além do aspecto cognitivo, a arte é um meio de projeção dos anseios subjetivos que transcendem a realidade imediata (FREDERICO, 2013, p. 43-44).

Lukács3, por exemplo, refere-se ao papel que a estética cumpre na consciência do indivíduo quando diante de sua situação particular em que, embora não detenha sozinha os meios de intervenção diretos na prática cotidiana objetiva dos sujeitos, revela outras perspectivas de análise da realidade, possuindo, assim, um papel importante na disputa ideológica frente às formas de sociabilidade humana, inclusive quando vivenciada em sua possibilidade emancipatória4 (ALBINATI, 2014).

Por essa razão, e considerando as especificidades existentes no trabalho realizado pelo setor artístico-cultural, levanta-se na pesquisa a hipótese de que atrizes e atores no Brasil compõem parte dos/as trabalhadores/as inseridos/as no emprego informal e/ou precarizado, quando não a massa de desempregados/as5, significando assim parcela da superpopulação

relativa.

A trajetória que justifica a escolha desse objeto de estudo surge da aproximação com as lutas e mobilizações envoltas na pauta sobre direito à cidade. Se no período do mestrado isso resultara em uma pesquisa sobre a realidade da população em situação de rua no Brasil e em Natal (RN), com a defesa da dissertação “Por esse chão pra comer, por esse chão pra dormir:

3Frederico (2013, p. 132) apresenta um estudo que expõe a oposição feita de Lukács à Kant, quando aquele desenvolve uma visão ontológica da arte, que a nega enquanto “uma das faculdades apriorísticas do espírito humano” (FREDERICO, 2013, p. 116). O ápice do desenvolvimento ideológico, que influencia os indivíduos, convidando-os “a irem além de sua particularidade, a optarem ‘pelo ser-para-si do gênero humano’” (FREDERICO, 2013, p. 172).

4No que diz respeito à possível função artística em um processo revolucionário, os pensadores marxistas consideram que, não existiria, no patamar de transformação social engendrado pelo proletariado, uma arte própria da classe, senão dotada de elementos do universo burguês, a exemplo do ocorrido na Revolução Francesa, que herdou traços do momento histórico precedente, uma vez que a própria cultura burguesa teria começado antes da “tomada de poder” propriamente dita (TROTSKI, 2007). Nessa perspectiva, “uma nova classe não recomeça a criar toda a cultura desde o início, mas se apossa do passado, escolhe-o, retoca-o, o recompõe e continua a construir daí”. Por outro lado, “contribuir para uma sólida formação humanística e cultural deve ser claramente a intenção de uma política cultural comprometida com a perspectiva de construção de uma nova sociedade” (PIMENTEL; ROCHA, 2017, p. 117), uma vez que a “’reforma intelectual e moral’ surge como dimensão decisiva dentro do horizonte de transformação socialista e democrática”, e, portanto, “é uma bela e vigorosa exigência, crítica contundente e arma de combate aos (des)valores típicos da ordem burguesa, como o individualismo, a ganância, o consumismo, a competitividade exacerbada, o ceticismo e a aceitação passiva da desigualdade e da tirania que de forma brutal fabricam a desumanização da vida, como mecanismos subsidiários à exploração de classe” (PAIVA; ROCHA; CARRARO, 2010, p. 252).

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direito à cidade e população em situação de rua em Natal/RN”; em um segundo momento essa observação crítica revelou uma aproximação com a gama de sujeitos conhecidos na cidade de Natal que apresentam com tanta qualidade suas produções artísticas, mas padecem frente à ausência de formas de trabalho socialmente protegido para o setor ou ação pública na construção de políticas socioculturais. Tal realidade fez ascender na pesquisadora o interesse pelo tema, bem como a responsabilidade de dar voz a essa problemática que lateja nos espaços criativos de nosso país.

É reflexo então da interseção estabelecida com a questão do território e do direito à cidade, temática envolta do percurso de pesquisa realizado desde a graduação, redirecionada agora para a questão cultural, dada a aproximação com as lutas travadas historicamente na cidade e visualizadas em diversos movimentos políticos que pautam os direitos culturais e do trabalho artístico na cidade, a exemplo do “Circuito Cultural Baixo de Natal” (2010-2011); “Cultura não é vento” (2012); a incorporação do movimento artístico “Ocupa Minc RN” (2015-2016), e por fim o #NatalSalveOSandoval (2017)6.

Essas são algumas manifestações políticas que se propuseram a pensar a situação da categoria artística a nível local e nacional. Parte considerável dessas categorias é refém de precários vínculos de trabalho e da ausência de uma política sociocultural pública ampla capaz de responder às necessidades coletivas de garantia sobre o direito à cultura e ao trabalho protegido.

Nesse sentido, o objeto de análise, qual seja, a precarização do trabalho de atrizes e atores no Brasil contemporâneo, bem como de sua perspectiva teórico-metodológica, parte da avaliação de sua relevância no processo de formação acadêmico-profissional do curso de graduação e pós-graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tendo em vista que a profissão tem por matéria de intervenção as expressões da questão social, devendo, portanto, aprofundar-se em temáticas que versam sobre as demandas de trabalho e políticas sociais relacionadas.

Considera-se assim que tal análise, partindo da perspectiva analítica perseguida hegemonicamente pela profissão, detém arcabouço teórico-prático relevante de investigação no Serviço Social, necessitando, fundamentalmente, ser continuamente analisada, mediante o desafio de discutir a categoria trabalho no sentido de denunciar “todas as formas de exploração e opressão que empobrecem as potencialidades humano-genéricas” (CFESS, 2010, p. 2).

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Tal objeto de estudo situa-se, dessa maneira, entre as questões que interessam diretamente tal seara de conhecimento, estando esse inserido no campo das ciências humanas e sociais, tendo como referência de atuação os pressupostos do Projeto Ético-Político7, que prevê, dentre outros princípios fundamentais, o “reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais” (CFESS, 1993).

Dessa forma, a pesquisa aqui apresentada parte do pressuposto de que, como indica Segnini (2006, p. 321), “o trabalho do artista é frequentemente analisado privilegiando-se sua performance ou obra”, enquanto “as relações de trabalho e profissionais, implícitas nestes processos, são pouco analisadas e contextualizadas” (SEGNINI, 2006, p.321).

Sob esse entendimento, mesmo que se torne possível considerar que o pensamento romantizado sobre a condição de vida e trabalho dessa categoria profissional ainda persista em uma “glamorização” fantasiosa no universo das “celebridades”, a realidade se choca com as novas dinâmicas laborais, vinculadas principalmente à condição de crescente informalidade, escassez de recursos, perda de autonomia, baixo poder aquisitivo e acumulação de funções a que esse segmento está, juntamente com tantos outros, submetido.

Para tanto, é imprescindível considerar que questões nortearam a análise.

Essa fora substanciada principalmente pela assertiva de Marx (2004a, p. 25), quando afirma “o homem premido pelas necessidades grosseiras e esmagado pelas preocupações imediatas é incapaz de apreciar mesmo o mais belo dos espetáculos”. Como seria, portanto, produzir arte em contexto de extrema necessidade material? Ou fazê-la na condição de desemprego? Ou ainda, considerando como exemplo que, segundo pesquisa realizada pela FIRJAN (2019), a profissão de atriz e ator brasileiro/a aparece com o salário médio de R$ 20.634,00, esse dado realmente reflete a realidade da maioria desses/as profissionais no Brasil? Esse salário significa, necessariamemre, proteção social nas atividades realizadas? Por outro lado, qual o lugar da cultura e da arte no Brasil? De que maneira se desenvolve? Como as/os artistas resistem frente às ofensivas capitalistas na cultura?

O estudo evidencia, desse modo, a necessidade de análise da categoria trabalho, ao passo que se compreende sua centralidade no movimento de constituição da sociedade. Isso porque, como explicita Engels (1979, p. 215), o trabalho “é a condição fundamental de toda a

7O projeto profissional do Serviço Social foi constituído no contexto histórico entre a década de 1970 e 1980, inscrito pelo processo de efervescência que marcou o fim do regime autocrático no Brasil. Negando o lastro conservador presente na profissão, deu-se início a construção de um novo perfil profissional, que reconhece, dentre outras questões, a necessidade de construção de uma nova ordem social (CFESS, 1993).

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vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem”.

Tal assertiva indica que a humanidade só pôde ser concebida enquanto tal a partir do desenvolvimento da capacidade laborativa, sendo, dessa forma, categoria fundante do ser social.

Relevante, nessa medida, dada a tarefa de demonstrar a vitalidade da teoria social marxiana, especialmente com relação à questão do desemprego, precarização e desregulamentação do trabalho, ao observar sua relação direta com o processo de acumulação do capital, que se expressa na conformação de um perfil de trabalhadores/as em que se incidem características específicas da contemporaneidade, sobretudo na perspectiva de manutenção “do capitalismo através do aumento da exploração do trabalho” (MOTA, 2013, p. 19).

Isso porque a drástica redução do valor da força de trabalho, a partir do aumento do trabalho precário, desemprego e desigualdades sociais, constitui uma forma de ampliação da mais-valia, medida estratégica para a acumulação continuada do capital neoliberal, no qual “tudo o que importa é tornar a fome permanente na classe trabalhadora” (MARX, 1994, p. 750). Faz-se fundamental, sob essa perspectiva, compreender a situação contemporânea da classe trabalhadora, o que implica apreender, mantendo as bases analíticas marxistas, as novas facetas em que se encontra submetido esse conjunto de indivíduos, na medida de desenvolvimento de uma noção “mais ampla que o proletariado industrial produtivo do século passado, embora este ainda se constitua em seu núcleo fundamental” (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 343).

Defende-se a partir desse cenário a necessidade de realizar uma importante

crítica ontológica do capitalismo contemporâneo, com todas as suas manifestações: a reestruturação do capital, a financeirização, a precarização das condições de trabalho, a racionalização do trabalho vivo, etc., fenômenos da maior complexidade e que necessitam de um grau complexo de conhecimento teórico para o seu desvelamento (GUERRA, 2005, p. 12).

E, nisso, a presente pesquisa fundamentou-se em categorias próprias da crítica da economia política, indicando uma análise atualizada sobre as determinações que implicam, na dinâmica do capitalismo contemporâneo e no âmbito da (re)produção das relações sociais em que o setor artístico brasileiro se encontra inscrito, um processo de precarização latente da classe trabalhadora e do sequestro de seus direitos pelo capital.

Importante, igualmente, o desenvolvimento desse estudo diante da expansão do pauperismo, do desemprego e de formas aprofundadas de precarização e desregulamentação do

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trabalho, sobretudo no Brasil, dada a implementação, nesse país, de um ostensivo projeto de contrarreformas, que ataca os setores trabalhista e previdenciário, bem como o congelamento/a diminuição de investimentos sociais, em contraposição à prioridade dada sobre o pagamento dos juros da dívida pública.

Entende-se assim, que a precariedade na vida dos/as trabalhadores/as, considerando também esse setor centro da análise, “apresenta-se como indicador de pobreza” para o Estado e, portanto, passa a constituir-se enquanto um objeto para os programas públicos residuais, “sob a figura do pobre, e não a do trabalhador precarizado” (MOTA, 2013, p. 301-302).

Para tanto, analisa-se a precarização do trabalho artístico no modo de produção capitalista, a partir do processo histórico e sobre seus fundamentos. Considera-se também os elementos relativos à expropriação material e subjetiva vivenciada pela classe trabalhadora na contemporaneidade, no contexto da crise do capital e suas inflexões no âmbito do trabalho dos sujeitos da pesquisa.

Em uma conjuntura dialética, pode-se dizer ainda que essas condições de trabalho são ainda mais aprofundadas em um cenário de crise do capital e avanço do conservadorismo, irracionalismo e subjetivismo, observados no Brasil sobretudo a partir do golpe jurídico-parlamentar e midiático ocorrido em 20168, ação que consolidou o impeachment da Presidenta

Dilma Rousseff (PT) e acabou com9 a política de conciliação de classes dos governos petistas e a própria democracia que se pensava preservada, mas findou reduzida ao texto frio das leis em sua condição jurídico-formal; e da eleição do Presidente Jair Bolsonaro, atualmente sem partido, eleito em 2018 para o presente mandato.

Com isso, defende-se que o trabalho de atrizes e atores tende a se precarizar com maior incidência em um contexto de avanço do conservadorismo, uma vez que, enquanto trabalhador/a manual, o/a artista só tem a oferecer ao capital sua própria de trabalho, processo que termina por prejudicar o conteúdo da sua produção (VIANNA FILHO, 2016), ou também inviabilizá-la, dependendo do interesse ideo-político e econômico em torná-la pública, ou seja, tornar possível sua realização.

8Como indica V. Lima (2015, p. 94), formada majoritariamente por grupos empresariais ou políticos “amparados pela ausência de regulação da ‘propriedade cruzada”’, que passaram a controlar também as concessões do serviço público de rádio e televisão. Representa assim, a partir de um discurso pautado por suposta “neutralidade”, mais um mecanismo de controle e difusão do pensamento da classe dominante, realizada por meio de posições

consensualmente identificadas como direitistas (IDEM).

9Assim, como indica J. J. Souza (2016, p. 66) as perguntas tais como “a agenda da moralidade no Brasil foi construída paulatinamente para combater a agenda do combate à desigualdade? Por que tantos foram feitos de tolos por esse discurso fraudulento? Como perceber, enfim, que, entre nós, foi a luta de classes – e de modo consciente ou não – o motor mais importante para o golpe?”.

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Por essa razão, tendo em vista de se tratar de um trabalho ideológico, nos termos de Alves (2013a), o que significa afirmar, além da exploração da força de trabalho e da inserção em um circuito capitalista de mercadorização da política cultural, esses/as artistas sofrem com forte perseguição ideológica10, realidade que os/as expõe a menos possibilidades de contratação a depender do que a obra possa representar político-ideologicamente, sobretudo quando da implementação de uma ação obscurantista para o setor.

Desse modo, a análise do Estado significa um elemento fundamental para a pesquisa, em que se objetivou apreender a relação existente entre precarização do trabalho artístico e a ação estatal na oferta de políticas públicas para a cultura, atualmente subsumidas em uma realidade de recrudescimento da questão social e do conservadorismo; do aprofundamento da barbárie capitalista e da total retirada da figura estatal de suas funções.

Tal afirmativa considera então que “toda reflexão sobre política cultural se refere, em última instância, ao exercício do poder e à tomada de decisões do Estado ou dos agentes sociais” (BOLAN, 2006, p. 19). E nesse sentido, sobre os direitos culturais previstos na Constituição Federal de 1988, é notório observar que “os recursos previstos e os efetivamente destinados aos órgãos de cultura no Brasil, nas esferas federal, estadual e municipal, ficam muito aquém do necessário” (CUNHA FILHO, F., 2002, p. 39).

Compreender como se dá o movimento de reprodução ampliada do capital e sua relação com a esfera estatal, tendo em vista o estímulo de uma determinada política sociocultural pelo Estado faz-se necessário, sobretudo em um contexto de aprofundamento do neoliberalismo e de centralidade nas ações baseadas em incentivos fiscais, como a que se tem hegemonicamente hoje, o que provoca, por um lado, um paradigma de trabalho que se realiza a partir de formas precarizadas de labor e, por outro, a apropriação do fundo público pelo setor privado, em detrimento da garantia do direito à cultura.

Como também, em um sentido contra-hegemônico, é necessário desenvolver uma apreensão sobre as formas de resistência e organização política da categoria de trabalho artística no Brasil e sua relevância histórica, trazendo como referências, para pensar possibilidades, limites e desafios postos pela contemporaneidade, as experiências políticas e artísticas

10Evidentemente, o trabalho artístico tem direta relação com o conservadorismo e irracionalismo posto em sociedade e praticado pelo Estado através do direcionamento impresso através das políticas sociais. Sob esse entendimento, a disputa ideológica nessa seara é uma mediação necessária para a apreensão do processo de precarização das relações de trabalho vivenciado por atrizes e atores do Brasil contemporâneo, uma vez que, nesse campo, ver-se que a repressão seria uma das formas de precarização postas através de mecanismos de controle público ou privados a que esse conjunto de trabalhadores/as está subsumido, dada a dependência fundamental desses poderes para desenvolvimento de sua atividade.

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vivenciadas a partir da década de 1960 no país, marco indelével da trajetória brasileira nesses termos.

No que se refere aos procedimentos teórico-metodológicos, a pesquisa é fruto de uma análise qualitativa. Entrementes, a investigação/análise do tema em tela se deu a partir da Teoria Social Crítica.

Para tanto, foi realizado um resgate histórico desde as primeiras tentativas de formulação sobre a política cultural no Brasil, considerando como marco histórico importante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), momento em que ela ganha roupagem e desenvolvimento mais amplo; priorizando as desenvolvidas no pós-Constituição de 1988 e, nisso, a principal diretriz legal do setor, a Lei 8.313/91, ou Lei Rouanet, com destaque também para demais planos, programas, editais e indicadores de cultura, objetivando problematizar as parcerias realizadas entre Estado e entes privados por meio dos incentivos fiscais, considerando as contradições e desigualdades legitimadas nesse processo.

Tais parcerias fazem referência àquelas firmadas com empresas e bancos privados, a exemplo do Itaú; ou mesmo os públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF), exemplos de instituições financeiras que revertem em financiamento de atividades culturais a verba de seus respectivos centros bancários que deveria ser destinada ao pagamento de impostos e formação do fundo público.

Soma-se esse levantamento às contribuições na seara do pensamento crítico existente no conjunto de produções teóricas voltadas à temática em questão. Dentre elas, as realizadas por autores e autoras da tradição marxista, mesmo pontuando as possíveis divergências11 de análise existentes, mantendo os elementos de discussão firmados no método materialista histórico-dialético.

Pensadores como o próprio Karl Marx, mas também Friedrich Engels; Vladimir Lênin; Leon Trotski; Antonio Gramsci; György Lukács; Bertold Brecht; como também os brasileiros Iná Camargo; Augusto Boal; Sérgio Carvalho; Celso Frederico; Leandro Konder; Oduvaldo Vianna Filho, dentre outros/as, em que se torne possível identificar, por um lado, a centralidade do trabalho e seus rebatimentos na condição de vida da categoria artística brasileira; e, por

11A exemplo das divergências analíticas existentes entre Lukács e Brecht, pensadores comunistas que se destacam na relação estabelecida entre marxismo e estética, a partir de linhas originais de análise, mas que mantiveram grandes discordâncias teóricas, sobretudo no que se refere ao realismo totalizante defendido por Lukács, enquanto Brecht defendeu a possibilidade de experimentação mais aberta na arte (FREDERICO, 2013).

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outro, a relação existente entre esse trabalho e a reprodução do capital, considerando igualmente a questão ideológica inerente a esse processo.

A análise bibliográfica representa assim um mecanismo para apreensão do substrato teórico sobre importantes questões problematizadas, no sentido de contribuir no desvelamento do objeto escolhido.

A segunda etapa da pesquisa analisou empiricamente os elementos de discussão levantados e, pelo seu caráter qualitativo, realizou sete entrevistas semiestruturadas com atrizes e atores, buscando assim apreender, a partir da triangulação e representatividade dos dados levantados, os principais elementos de discussão sobre o tema.

Considera-se que o objeto de estudo parte da realidade posta no Brasil como um todo, entretanto, foi escolhido como lócus das entrevistas a cidade de Natal (RN). Faz-se necessário pontuar que, mediante o processo de precarização no qual estão inseridos tais artistas, qualquer outra cidade brasileira poderia ter sido escolhida. A opção pela capital potiguar se justifica, ao passo de se considerar os elementos de semelhança para com demais realidades do país, sobretudo apreender aqueles próprios da desigualdade regional que agrava ainda mais as condições de trabalho e de vida dos/as profissionais supracitados/as, e que são reforçados pelas legislações da área.

Ainda no que se refere às entrevistas, é importante ressaltar que, entre os/as entrevistados/as, foram considerados os determinantes inerentes à diversidade de gênero, sendo optado que 70% das entrevistas fossem realizadas com mulheres, podendo servir assim de interlocução para apreensão das dificuldades enfrentadas por esse grupo, geralmente preterido em níveis salariais e possibilidade de divulgação de seus trabalhos; sendo garantindo também a diversidade LGBTQI+ e de raça, pois é sabido que as dificuldades relativas à precarização do trabalho geram impacto de maneira diferenciada sobre os grupos mais discriminados no país.

Também tentou-se diversificar ao máximo as realidades, tanto no que se refere ao trabalho realizado (em TV, cinema ou teatro), quanto às condições de vida e vínculos laborativos, o que tornou possível a aproximação com as mais variadas experiências cotidianas e debates realizados atualmente por esses/as trabalhadores/as, em que também são trazidas para o campo de discussão e análise a inserção dos/as entrevistados/as na esfera política, através das formas de organização, mobilização e resistência realizadas pelo referido setor.

Por último, foram usados pseudônimos para identificação dos/as entrevistados/as, a fim de resguardar a privacidade desses sujeitos, tendo em vista que nos termos de autorização para realização das entrevistas havia a premissa de que todas as identidades seriam mantidas em sigilo. Para tanto, a escolha dos pseudônimos partiu dos/as próprios/as entrevistados/as, pela

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opção dada de escolherem no universo da arte um/a personagem que se identificam, sem ser algum/a que já tenha sido interpretado por eles/as ou obrigação de vinculação direta do gênero. As escolhas foram: 1. Carlitos, do filme “Tempos Modernos” de Charlie Chaplin; 2. Joana, da peça “A gota d’água” de Chico Buarque e Paulo Pontes; 3. Amélie, do filme “O fabuloso destino de Amélie Poulain” de Jean-Pierre Jeunet; 4. Ariel, da peça “A Tempestade” de William Shakespeare; 5. Diadorim, do livro “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa; 6. Gilda, do filme homônimo de Charles Vidor; e 7. Mercedes, que não é um personagem em si, mas significa, para a pessoa entrevistada, “personagem feminina forte que vejo em alguma obra e que não tem nome”.

A partir dessas questões apresentadas, espera-se que a análise proposta possa cumprir a função social e acadêmica a que se pretende, considerando nesse processo o papel fundamental das universidades públicas, especialmente no contexto atual, marcado por sucessivos ataques ao conhecimento científico e à educação pública superior.

Tal espaço formativo é de profunda importância e se soma assim como possibilidade para a “discussão, análise, elaboração e avaliação das políticas culturais” (FERREIRA, J., 2015, p. 12). E desse modo, garante não apenas a aproximação com a realidade, mas a construção de contribuições significativas que acrescentem elementos à problemática apresentada, bem como ao debate profissional da atualidade, em uma perspectiva de reafirmação da direção ético-política e social do Serviço Social, fundada na defesa intransigente dos direitos sociais e na construção de uma nova ordem societal.

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27 Figura 1 - Trabalhadoras/es da arte e precarização do trabalho

Fonte: Laerte Coutinho (2018).12

12COUTINHO, L. Charge de Larte Coutinho, 2016. Disponível em: https://www.instagram.com/p/BhbmJrkndkl/. Acesso em: 20 abr. 2018.

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2. O TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE: DAS NOVAS MORFOLOGIAS À PRECARIZAÇÃO DO/A TRABALHADOR/A ARTISTA

“Que amanhã não seja outro nome de hoje… Disseram para a gente "já pra rua", e aqui estamos. Apague a televisão e ligue a rua. Chamam de crise, mas é roubo. Não falta dinheiro: sobra ladrões. O mercado governa. Eu não votei nele. Eles decidem pela gente, sem a gente. Aluga-se escravo econômico. Estou procurando meus direitos. Alguém viu por aí? Se não deixam a gente sonhar, não vamos deixá-los dormir”

(Eduardo Galeano)

Ao compreender a partir da teoria marxista que a categoria trabalho é central na vida social, esta pesquisa parte da análise sobre sua morfologia no modo de produção vigente, ao passo do aprofundamento das formas de precarização laborativa. Essa, estrutural para a existência desse modelo sociometabólico de reprodução, vai, na vida de artistas, enquanto trabalhadores/as que vendem sua força de trabalho, acarretar importantes determinantes e, ao mesmo tempo, particularidades. Por fim, de maneira complementar, apresenta-se análise sobre a categoria expropriação e os seus rebatimentos para a subjetividade da classe trabalhadora.

2.1 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Sendo identificado por Hobsbawm em “A Era dos Extremos” (1995) como o "breve século XX”, o período que compreende a Primeira Guerra Mundial de 1914 e o fim da Era Soviética (com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS a partir de 1991) marcou a sociabilidade do mundo do trabalho e espraiou um novo modo de ser e de viver próprio da ordem capitalista. Sobre esse tempo histórico, Netto (2012), citando Hobsbawm, afirma que: “a revolução cultural de fins do século XX pode assim ser mais bem entendida como o triunfo do indivíduo sobre a sociedade” (p. 421).

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels (2008) já indicavam que a classe burguesa não poderia existir “sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, por tanto as relações de produção, e, por conseguinte, todas as relações sociais” (p. 13). É a partir do final do século XX que o mundo vivencia transformações que têm como principal

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objetivo garantir a reconfiguração do capitalismo, isto é, a restauração do poder de classe13, e

surgem como resposta à crise de superacumulação iniciada mais precisamente entre 1960 e 1970, pondo em xeque os chamados “anos dourados” do capitalismo.

Em um cenário histórico como o atual, “todas as indicações mais sólidas apontam que estamos experimentando, nesse momento, uma crise que é de natureza sistêmica” (NETTO, 2012, p. 416).

Também na introdução do livro “A crise estrutural do capital” de István Mészáros (2011), Antunes (p. 10) afirma que o filósofo húngaro há tempos já alertava que “a queda da taxa de lucro e o início da monumental reestruturação produtiva do capital datado de 1973 já eram expressões sintomáticas da mudança substantiva que se desenhava” no modo de produção capitalista. Nisso, o sistema do capital adentrava em uma fase de crise estrutural, que se mostrara “duradoura, sistêmica e estrutural”.

Já na década de 1960, foram apresentados elementos de recessividade, controlados pela perda de sincronia do ciclo industrial nos principais países imperialistas.

Todavia, a partir de meados da década seguinte, entre 1974 e 1975, as contradições agudizaram-se frente às transformações desencadeadas no período anterior e a recessão generalizada passou a expressar o “esgotamento da onda longa expansiva, tal como Mandel previa em “’O capitalismo tardio’” (BEHRING, 2002, p. 144)14.

Nessa medida, o sistema do capital, enquanto modo de controle reprodutivo societário, nos termos de Mészáros (2007), deve, a qualquer custo, seguir sua lógica, que corresponde ao atendimento das determinações estruturais desse que, como paradigma de controle sociometabólico, se caracteriza pela sua destrutividade autovantajosa (MÉSZÁROS, 2007).

Se no período anterior a esfera econômica vivenciava, dentro do ciclo capitalista, uma onda longa expansiva, caracterizada, dentre outros elementos, pelo elevado índice nas taxas de lucro, essa é substituída por uma onda longa recessiva, cenário em que se desencadeiam as crises.

Desse modo, as concessões realizadas no pacto social do Estado keynesiano, ou de Bem Estar-Social, vivenciadas nos países centrais e caracterizadas pela alta nos níveis de emprego, relativa qualidade de vida para a classe trabalhadora, ocorrida por meio de ganhos salariais e promoção de políticas sociais amplas, dão lugar à necessidade de o capital recorrer a um

13Ver Harvey (2008).

14Embora essas características não conduzam “o capitalismo ao seu fim”, que quer dizer que “sem a intervenção de massas de milhões de homens e mulheres organizados e dirigidos para a sua destruição, do capitalismo, mesmo em crise, deixado a si mesmo só resulta... mais capitalismo” (NETTO, 2012, p. 415).

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conjunto articulado de respostas capazes de retomar os patamares de lucratividade anteriormente alcançados, mas que agora se encontravam em forte queda.

Tais respostas podem ser compreendidas em quatro principais processos: a reestruturação produtiva (com a incorporação do toyotismo); a financeirização do capital; o surgimento do pensamento ideo-cultural da pós-modernidade; e o paradigma econômico-político neoliberal. Nesse sentido:

Uma das metas políticas aventadas pelos intelectuais orgânicos das classes dominantes, como bem destacou Atílio Boron, era tornar os regimes democrático-liberais imunes (ou pelo menos não muito suscetíveis) às “exigências populares”. Livrá-los dos “‘excessos’ democráticos, paralisantes da alegada vitalidade do mercado”, apareceria no receituário dos ideólogos neoliberais como uma condição política necessária à recuperação das economias capitalistas em crise, em especial as europeias politicamente alicerçadas no chamado “bem-estar social” (Alemanha, França, Inglaterra, Itália etc.) (DEMIER, 2012, p. 5).

A crise do capital, portanto, traz como marca a implementação de um modelo pautado na internacionalização e financeirização do sistema produtivo, com sobreposição de um estilo especulativo predatório e autodestrutivo, que acarreta como desdobramentos a prioridade do mercado frente ao público, a degradação e exploração do trabalho e o incentivo à individualização. Altera, assim, as formas pelas quais os países atendem, de um lado, à expansão e acumulação do capital e, de outro, às demandas populacionais crescentes.

Esse processo já é evidenciado no “Manifesto do Partido Comunista”, quando Marx e Engels afirmam que a “burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população” e, ainda, que essa aglomerou “as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos” (2008, p. 16). Nesse patamar, a necessidade constante do capital expandir seus mercados para venda de produtos irá exigir também uma expansão espacial por todo o globo:

As três características do capital-imperialismo que assinalamos anteriormente – o predomínio do capital monetário, expressando a dominação da pura propriedade capitalista e seu impulso avassaladoramente expropriador – resultaram em modificações profundas do conjunto da vida social, que atravessam o universo das empresas, o mundo do trabalho, a forma da organização política, a dinâmica da produção científica, a cultura; enfim, o conjunto da sociabilidade. No entanto, aprofundam um traço intrínseco, permanente e devastador do capital, desde seus primórdios: sua necessidade imperativa de reprodução ampliada, sua expansão em todas as dimensões da vida social (FONTES, 2010, p. 146).

Como já indicava Lênin, a expansão monopolista provoca a fusão entre capital industrial e bancário, originária do capital financeiro. Essa fase, que se desdobra a partir da década de

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1940 e especialmente após a Segunda Guerra Mundial, será denominada de imperialismo, que sinteticamente tem por características fundamentais, além dessa já citada, a alta concentração da produção e do capital na forma de monopólios, que se soma à tendência de uma profunda devastação social e ambiental, tidas como meios de obtenção de superlucros (IAMAMOTO, 2008; FONTES, 2010).

É também nesse contexto que o caráter alienado do capital alcança seu nível mais elevado, como expressa Iamamoto (2008), na forma de capital que rende juros, na medida em que esse aparece “como fonte independente de criação de valor à margem do processo de produção, apagando o seu cariz antagônico frente ao trabalho” (IAMAMOTO, 2008, p. 15), o que Marx denomina de capital fetiche15: quando o capital “enquanto coisa autocriadora de juro”

assume sua face de maior coisificação, ou seja, do dinheiro com ele mesmo (IAMAMOTO, 2008, p. 15).

Soma-se a isso o fato de que, é na transferência para a seara mercadológica, de ações estritamente regulamentadas/administradas pelo Estado, “que o movimento de mundialização do capital encontra suas maiores oportunidades de investir” (CHESNAIS, 1996, p. 186).

A esfera estatal reafirma-se assim como fundamental no desenvolvimento de estratégias para garantia da acumulação capitalista, na medida em que é o principal responsável na condução desse processo. Por conseguinte, sua “satanização” ocorre na perspectiva de desenvolver uma cultura política anti-Estado, sendo ele culpabilizado pelos insucessos do capitalismo, justificando assim a erosão das regulações públicas, que tem por principal objetivo a liquidação dos direitos sociais, promovida através da realocação para a sociedade civil e, sobretudo, para o mercado, de suas responsabilidades.

Ou seja, no cenário observado, passa a ser característica constitutiva desse movimento a diminuição do Estado em suas funções coesivas e em suas dimensões democráticas, precisamente aquelas que respondem ao atendimento das demandas coletivas, já que o neoliberalismo proclama o advento de um “Estado mínimo para o social e máximo para o

capital”16, avançando na perspectiva de reduzir e privatizar os serviços públicos, em um

processo de contrarreformas e corte dos gastos.

Como consequência dessa nova estrutura de produção, na esfera do trabalho, a acumulação flexível passa a exigir um tipo de trabalhador/a dotado/a de um perfil diferenciado

15Ou o que Harvey (2018) convenciona chamar de “loucura da razão econômica”, dada a contradição existente no processo no qual o dinheiro se torna ele mesmo a mercadoria e “cujo valor de uso e é fato de poder ser emprestada a outros em quantidades infinitas para produzir mais-valor”, sendo seu valor de troca os próprios juros.

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quando comparado àquele/a do período taylorista e fordista. Assim, a crise vai demandar a necessidade de se instituir uma lógica em que tanto mão-de-obra quanto as mercadorias produzidas também se tornarão “flexíveis”, paradigma que altera significativamente a natureza do processo produtivo. Como afirma F. Oliveira (2003):

Cria-se uma espécie de “trabalho abstrato virtual”. As formas “exóticas” desse trabalho abstrato virtual estão ali onde o trabalho aparece como diversão, entretenimento, comunidade entre trabalhadores e consumidores: nos shoppings centers. Mas é na informação que reside o trabalho abstrato virtual. O trabalho mais pesado, mais primitivo, é também lugar do trabalho abstrato virtual. Sua forma, uma fantasmagoria, um não-lugar, um não-tempo, que é igual a tempo total. Pense-se em alguém em sua casa, acessando sua conta bancária pelo seu computador, fazendo o trabalho que antes cabia a um bancário: de que trabalho se trata? (p. 17).

Nessa esfera, é característica importante da crise capitalista a implantação do toyotismo, modelo desenvolvido no Japão como tentativa17 de resposta a esse momento histórico. As

profundas transformações societárias passam a ser impulsionadas por modernizações técnico-científicas com base na informática e caracterizadas por avanços na microeletrônica e comunicação, que possibilitam ao capital produzir mais com menos força de trabalho, sobrepondo o trabalho morto ao trabalho vivo em um grau muito mais elevado do que o vivenciado até o momento.

Harvey (2008, p. 168) traz elementos da experiência vivida na América Latina como forma de se apreender as consequências devastadoras da crise estrutural do capitalismo contemporâneo para a classe trabalhadora: a economia informal disparou em todo o mundo – estima-se que tenha passado de 29% nos anos 1980 para 44% da população economicamente ativa da América Latina na década de 1990 –, e quase todos os indicadores globais sobre qualidade de vida e trabalho mostram grandes perdas e não ganhos em bem-estar a partir dos anos 1960.

Um aspecto importante que contribui para acentuar a precarização do trabalho é a questão da informalidade, que é mais uma característica da morfologia do trabalho na contemporaneidade que amplia o trabalho invisibilizado, na medida em que proporciona o

17Como afirma Antunes (1999, p. 36): “Embora a crise estrutural do capital tivesse determinações mais profundas, a resposta capitalista a essa crise procurou enfrentá-la tão-somente na sua superfície, na sua dimensão fenomênica, isto é, reestruturá-la sem transformar os pilares essenciais do modo de produção capitalista. Trata-se, então, para as forças da Ordem, de reestruturar o padrão produtivo estruturado sobre o binômio taylorismo e fordismo, procurando, desse modo, repor os patamares de acumulação existentes no período anterior, especialmente no pós-45, [...] atendo-se à esfera fenomênica, à sua manifestação mais visível, tratava-se, para o capital, de reorganizar o ciclo reprodutivo preservando seus fundamentos essenciais. Foi exatamente nesse contexto que se iniciou uma mutação no interior do padrão de acumulação (e não no modo de produção), visando alternativas que conferissem maior dinamismo ao processo produtivo, que então dava claros sinais de esgotamento. Gestou-se a transição do padrão taylorista e fordista anterior para as novas formas de acumulação flexibilizada”.

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aumento de novos meios geradores de valor através de formas de intensificação da força de trabalho (ANTUNES, 2018).

Tais formas estão presentes sobretudo na ampliação do trabalho ocorrida por meio de contratos temporários, ausentes de estabilidade e registro em carteira; ou ainda aquele que ocorre fora do espaço das empresas, por meio de atividades instáveis ou temporárias submetidas à ameaça do desemprego (ANTUNES, 2018). Nesse sentido, o modo de ser da informalidade

está presente na figura dos trabalhadores informais tradicionais, “inseridos nas atividades que requerem baixa capitalização, buscando obter uma renda para consumo individual e familiar. Nessa atividade, vivem de sua força de trabalho, podendo se utilizar do auxílio de trabalho familiar ou de ajudantes temporários”. Nesse universo encontramos os trabalhadores menos “instáveis”, que possuem um mínimo de conhecimento profissional e os meios de trabalho e, na grande maioria dos casos, desenvolvem suas atividades no setor de prestação de serviços, de que são exemplos costureiras, pedreiros, jardineiros, vendedores ambulantes de artigos de consumo mais imediato (como alimentos, vestuário, calçados e de consumo pessoal), camelôs, empregados domésticos, sapateiros e oficinas de reparos. Há também os informais mais instáveis, recrutados de forma temporária e frequentemente remunerados por peça ou por serviço prestado. Eles realizam trabalhos eventuais e contingenciais, pautados pela força física e pela baixa qualificação, como carregadores, carroceiros, trabalhadores de rua e em outros serviços em geral. Esses trabalhadores mais instáveis podem, inclusive, ser subempregados pelos trabalhadores informais mais estáveis. [...] Há casos que combinam o trabalho regular com o ocasional, praticando os chamados bicos. Nesses casos, obtém-se um baixo rendimento com essas atividades”, como os vendedores de diversos produtos (de limpeza, cosméticos, roupas), digitadores, quem faz salgados, faxina e artesanato nas horas de folga. Nesse escopo de atividades informais tradicionais, encontram-se as pequenas oficinas de reparação e consertos, estruturadas e mantidas pela clientela do bairro ou por relações pessoais (ANTUNES, 2018, p. 80).

Explicita-se uma forma de inserção extremamente precária, além de ter como retorno rendas baixas e ausência de garantia de acesso a direitos trabalhistas. Por outro lado, representa relevante papel na realização do mais-valor. Isso porque, uma vez partícipe da divisão social do trabalho, esse conjunto de trabalhadores/as inseridos/as no universo da informalidade contribui para a efetivação da circulação e consumo de mercadorias (ANTUNES, 2018).

É preciso reforçar, nesse sentido, que a desvalorização da força de trabalho sempre foi a resposta instintiva dos capitalistas à queda da taxa de lucro (HARVEY, 2009). Isso significa dizer que a precarização do trabalho representa “traço estrutural”18 do capitalismo, sendo suas

tendências transformadas em formas de expressão ao longo da história, a depender da correlação de forças instituída e do patamar de desenvolvimento do modo de produção capitalista.

18Ver Alves (2013a).

Referências

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