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As Praças do Norte: implicações e consequências de um confronto

No documento D. Afonso de Noronha, Vice-Rei da Índia (páginas 90-93)

DO VICE-REINADO DA ÍNDIA (1550-1554)

III.2. As Praças do Norte: implicações e consequências de um confronto

Face aos apontamentos que o rei lhe dera, D. Afonso concebia a política para as Praças do Norte506 como interdependente da política anteriormente

descrita. Em particular na segunda fase do seu vice-reinado, ou seja, nos anos de 1553-1554, esta interdepedência é claramente assumida. Todavia, as informações sobre esta região no período afonsino, não são abundantes, em especial, para os anos de 1553-54507. Já foi mencionado que, chegado a

Cochim, D. Afonso enviara uma extensa carta ao monarca na qual apontava a necessidade de fortificar todas as fortalezas da Índia. Se tal seria o caso de Goa, por maioria de razão o seria nos casos de Baçaim e Diu. Quanto a Baçaim508, o vice-rei informara-se que Francisco Barreto, capitão da forta-

leza local desde 1549, estava a preparar reforços a enviar para Pêro Lopes de Sousa, capitão de Diu, devido às ameaças do sultão do Guzerate, Mahmud III, e do senhor de Damão. Prevendo que não iria invernar em 1551 no Norte, o Noronha prometeu lá deslocar-se em 1552509. Deverá ter sido ainda no seio

da agitação do ano de 1551 que D. Afonso poderá ter colocado em prática o início da fortificação de Goa510, bem como ordenado a extinção da tana-

daria de Baçaim511. Esta, terá prosseguido nos anos seguintes em face das

guerras do sultanato de Bijapur contra o de Ahmadnagar, e o império hindu de Vijayanagar, as quais D. Afonso seguiu com atenção512. Regressado ao

506 Para o enquadramento da presença portuguesa nas praças do Norte, veja-se: “O Estado

da Índia e a Província do Norte. Actas do VII Seminário Internacional de História Indo-Portu- guesa” in Mare Liberum, n.º 9, 1995 e o mapa 1.

507 Tirando a carta de D. Jorge de Meneses, “O Baroche”, adiante referida, não existem

mais fontes a não ser as crónicas.

508 Sobre a presença em Baçaim: TEIXEIRA, André, “Os primórdios da presença portu-

guesa em Baçaim – 1534-1554” in op. cit., edição de Roberto Carneiro e Artur Teodoro de Matos, pp. 337-365.

509 Cf. Carta de D. Afonso de Noronha a D. João III, Cochim 16.I.1551 – ANTT, CC

II-242-44, fl. 9v.

510 Em Goa, D. Afonso mandou erigir a fortaleza dos Reis Magos, provavelmente devido

às guerras intestinas entre os sultanatos da península indostânica. As obras deverão ter-se iniciado em 1551, pois em 1552, D. João III notificava a Câmara de Goa de tal (cf. APO, fascí- culo 1, doc. 18). Para o enquadramento destas obras veja-se: RODRIGUES, Vítor, Da Goa de Albu- querque à Goa Seiscentista: Aspectos da Organização Militar da Capital do “Estado da Índia”, Lisboa, Ministério da Ciência e Tecnologia e IICT, separata n.º 242, 2001.

511 Em Janeiro de 1552, Botelho anotou que D. Afonso já extinguira a tanadaria mas não

ido lá. Cf. Carta de Simão Botelho a D. João III,Cochim, 30.I.1552 – PUB. Textos do Estado…, p. 63.

512 A guerra decorreu entre 1550 e 1553 (cf. MAJUMDAR, R. C., The History and Culture

of the Indian People, vol. VII, Bharatiya Vidya Bhavan, Bombaim, 1994, p. 420) e parece ter ditado um relativo enfraquecimento do sultanato de Bijapur (cf. The Cambridge History of Islam, edição de P. M. Holt, Ann K. S. Lambton e Bernard Lewis, volume 2A, Cambridge, Cambridge University Press, 1970, p. 65) visível com a entronização do príncipe Meale por D. Pedro Masca- renhas, em 1555. Já em Janeiro de 1552, o conselho de capitães decidira que D. Afonso devia partir para Goa devido à guerra de Bijapur e Vijayanagar (cf. Treslado do assento que se fez entre D. Afonso de Noronha e o bispo de Goa sobre os fidalgos nomeados para o pagamento da pimenta, Cochim, 4.I.1552 – ANTT, CC I-87-50, fl. 2).

Malabar, em Novembro de 1551, o vice-rei terá certamente ouvido do sobri- nho D. Antão, uma descrição da situação das Praças do Norte visto este, no seu de regresso de Ormuz, ter aportado pelo menos em Baçaim e Chaul513.

Foi, assim, no contexto do cerco de Ormuz que D. Afonso se deslocou ao Norte, ali permanecendo de Novembro de 1552 a Fevereiro de 1553. Sobre a sua acção em Diu nada conhecemos, excepto que nela proveu D. Diogo de Almeida, da respectiva capitania em sucessão de Pêro Lopes de Sousa que havia falecido, e Francisco de Sá de Meneses para a capitania de Baçaim, em sucessão de Francisco Barreto514. Porém, em virtude de acontecimentos

posteriores e das ordens que trazia, é possível admitir que tenha acelerado as obras de fortificação de Baçaim e procedido a certos reparos que julgava necessários em Diu. Se tivermos em conta que João de Lisboa, o capitão de Mascate aprisionado por Piri Reis em 1552, remetera ao monarca uma carta dando conta que o sultão Mahmud III enviara uma embaixada a Istambul, propondo uma coligação para de novo cercar Diu, mas desta feita com a participação do Samorim515, compreende-se a estadia de D. Afonso no Norte

durante três meses. Segundo a carta, o sultão otomano havia rejeitado a proposta pois pretenderia falar directamente com Mahmud III, obrigando este a deslocar-se até Istambul. Tratava-se de um pedido assaz difícil de concretizar, dada a situação política em que se encontrava o sultanato. O sultão ainda ameaçou os Turcos de não os abastecer mais de especiarias, não obtendo qualquer resultado.

O facto de, já em 1552, Mahmud III procurar de novo cercar Diu demonstra como a vitória de D. João de Castro, em Diu, em 1546, fora incom- pleta, pois se os Portugueses haviam triunfado em terra, o mesmo não suce- dera no mar com o fracasso de Adém. E enquanto tal não sucedesse, existiria sempre o perigo de uma armada de socorro turca vir a colocar os Portu- gueses em apuros, como sucedera em 1538. É precisamente neste ponto que a política afonsina face ao Norte se liga mais directamente com o com- bate aos Turcos. Já vimos aliás que a aposta de D. Afonso nesse combate se reforçou na segunda fase do seu governo, o mesmo sucedendo com a sua política face às Praças do Norte.

Quando se encontrava em Cananor, em Dezembro de 1553, por expressa ordem régia, o vice-rei foi obrigado a afastar D. Diogo de Almeida da capi- tania de Diu, nela provendo D. Diogo de Noronha, “O Corcôs”516. Como

513 Ali passou em inícios de Outubro de 1551, indo para Goa. Cf. COUTO, Dejanirah,

“Un Coup.”, p. 64.

514 Cf. Ásia, VI, x, 6.

515 A carta está datada de Julho de 1551, mas pelo contexto deve ser de finais de 1552 pois

João de Lisboa pede perdão ao rei da sua rendição de Mascate, ocorrida em Agosto de 1552, narrando ainda factos decorridos em 1552. Cf. Carta de João de Lisboa a D. João III, Alexandria 30.VIII.1551 – ANTT, CC I-86-120, fls. 3-3v.

516 D. Diogo de Almeida havia sido provido por seis anos da capitania de Diu (cf. ANTT,

CDJ, liv. 62, fl. 139; Almerim, 1.II.1551), mas foi deposto pelo rei pela sua alegada ambição excessiva, em caso polémico. D. Diogo de Noronha foi então nomeado para lhe suceder durante

este se encontrava em Ormuz e só regressaria em Abril de 1554, D. Jorge de Meneses, “O Baroche” ofereceu-se para desapossar Almeida e governar Diu até à chegada do Noronha. Na única carta que conhecemos dos capi- tães da Índia para os anos de 1553-1554, Meneses afirmava que a cidade estava calma, apesar das turbulências em que já então o sultanato guzerate se encontrava517. A agitação no sultanato devia-se à morte de Mahmud III,

bem descrita por Couto518, e às disputas cortesãs em torno da sucessão, que

na prática significaram a quase independência dos diversos senhores locais em relação ao poder central519. Foi exactamente nesse contexto que D. Diogo

de Almeida atacou, em Novembro de 1553, a fortaleza dos mouros em Diu, devido às provocações de Cide Elal, capitão do senhor de Diu, Abiscão Abexim, aos Portugueses520. As provocações eram tanto mais graves quanto

tinham ocorrido após confirmação de pazes pelo regente guzerate.

Ao confirmar a nomeação de D. Diogo de Noronha na capitania de Diu, em Fevereiro de 1554, D. Afonso não só se apressou a enviar 300 homens para reforçar a guarnição da praça, como, e mais importante, deu ordens explícitas a D. Diogo para tomar a fortaleza dos mouros e, em seguida, abrir negociações com o regente guzerate. Esta ordem, a qual uma vez mais era feita em cumprimento de ordens do monarca, data de Fevereiro-Março de 1554, justamente o período em que D. Afonso enviou o filho e Bernardim de Sousa para o Golfo Pérsico com as ordens de bloqueio. Por outras pala- vras, no momento em que D. Afonso previa a batalha naval que se desejava decisiva com os Otomanos, apostava na consolidação da presença portu- guesa em Diu. Esta aposta foi bem sucedida, sobretudo se considerarmos que D. Diogo de Noronha foi o capitão de Diu que colocou a cidade inteira- mente sob jurisdição do Estado da Índia, através de uma série de manobras político-militares para o efeito necessárias. A primeira delas deu-se logo que “O Corcôs” chegou a Diu, em Abril de 1554, expulsando Cide Elal da fortaleza islâmica521. Fernão de Castanhoso, homem da confiança de D. Diogo, faleceu

em combate e a cidade chegou a estar cercada temporariamente pelas forças de Abiscão Abexim, embora as negociações com o regente guzerate tenham evitado o pior para os Portugueses522.

3 anos (cf. ANTT, CDJ, liv. 68, fl. 45-45v; Xabregas, 15.III.1552/RCI, vol. I, p. 107) mas devido a algumas imprudências militares em Diu, acabaria, tal como Almeida, por ser afastado das vias de sucessão (cf. Ásia, VI, x, 14 e 19).

517 Cf. Carta de D. Jorge de Meneses, “O Baroche” a D. João III, Diu 20.XII.1553 – ANTT,

CC I, 91-64.

518 Cf. Ásia, VI, x, 16.

519 Assim o afirma Couto e confirma SUBRAHMANYAM, Sanjay, “The Trading world of the

western Indian Ocean, 1546-1565: A political interpretation” in op. cit., edição de Artur Teodoro de Matos e Luís Filipe Thomaz, p. 216.

520 Cf. Ásia, VI, x, 16. 521 Cf. Ásia, VI, x, 19. 522 Cf. Ibidem.

Foi, pois, a uma Diu inteiramente portuguesa que aportou a armada de Seydi Ali Reis, em Setembro de 1554, esperando uma boa recepção, que não teve. O relato de Reis para esta fase reconhece uma vez mais os intuitos guzerates de cercar Diu, narrando a ansiedade com que se esperavam os reforços turcos. No entanto, não só os reforços não eram os esperados, como foram mal recebidos, ilustrando bem como o poder dos Rumes na corte guzerate era capaz de criar antagonismos a qualquer intervenção turca no sultanato523, facto este repetente do que já sucedera em 1538 e 1546524. Disto

são elucidativas as manobras para o assassinato de Seydi Ali Reis, ocorridas já em Novembro de 1554, e por ele descritas525. Os restantes acontecimentos

relativos à consolidação de Diu e uma maior atenção do Estado da Índia às Praças do Norte, inserem-se nos governos de D. Pedro Mascarenhas e, particularmente nos de Francisco Barreto e de D. Constantino de Bragança. Todavia, importará manter presente que se iniciaram ainda em tempos de D. Afonso de Noronha.

No documento D. Afonso de Noronha, Vice-Rei da Índia (páginas 90-93)