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3. Os meios contenciosos perante o Tribunal de Justiça da União Europeia

3.1. As principais vias contenciosas 1 O recurso de anulação

Para questionarem judicialmente a legalidade de um ato adotado pelas instituições, órgãos e organismos da União, os particulares podem, na essência, reagir por ação ou por exceção, conforme o comportamento daqueles se traduza, respetivamente, numa ação ou numa omissão do dever de agir.

Quando pretendam deduzir oposição contra atos europeus que sejam alegadamente violadores do seu respetivo direito, os recorrentes podem fazê-lo diretamente nos Tribunais da União, lançando mão, neste caso, ao recurso de anulação ínsito no artigo 263.º do TFUE, do qual constam as respetivas condições de admissibilidade – maxime exigidas para os casos em que o recorrente particular não seja o destinatário formal do ato que pretende atacar.

Por lhe serem inteiramente dedicadas as Partes II e III da presente dissertação, cumpre-nos que, neste momento, lhe teçamos apenas esta breve referência, a fim de facilitar (e de adequar) o seu enquadramento face às restantes vias contenciosas principais previstas no contencioso da União para os recorrentes particulares. A ele retornaremos, então, mais adiante.

3.1.2. O recurso por omissão

Situação diversa será aquela em que os recorrentes particulares ou os recorrentes privilegiados (os Estados Membros e demais instituições, incluindo o Tribunal de Contas) – cujas condições de admissibilidade são, porém, distintas – pretendam reagir não contra a ação, mas contra a abstenção

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Cfr. MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Introdução ao Contencioso da União Europeia, 2ª edição, Almedina, 2017, pp. 135 e 136. A autora esclarece, a propósito, que os meios contenciosos através dos quais o TJUE exerce a sua competência se distinguem em razão do seu objeto e da sua finalidade, ao contrário do que sucede na generalidade dos sistemas de justiça internacional, universal ou regional (de âmbito genérico ou especializado em razão da matéria), que não fazem esta distinção.

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A expressão é de CARLOS CARRANHO PROENÇA, Tutela Jurisdicional Efetiva no Direito da União Europeia –Dimensões Teoréticas e Práticas, cit., p. 438.

ilegal de agir que é imputável a uma instituição, órgão ou organismo da União. Para estes casos, a via processual adequada será a do recurso (ou processo) por omissão, uma vez que o ato não foi adotado – se tivesse sido, o recurso de anulação seria uma possibilidade.

Entre o recurso de anulação e o recurso por omissão há, portanto, uma “interação virtuosa” ou, se preferirmos, uma “relação de afinidade processual”101

: enquanto um exerce um controlo por ação, o outro fá-lo por omissão, o que os torna, nas palavras do próprio Tribunal de Justiça, “a expressão de uma e mesma via de direito”102

.

Regulado nos termos dos artigos 265.º e 266.º do TFUE, o instituto do recurso por omissão está então especialmente destinado a sancionar a passividade, a inação e a inércia ilegais da instituição que, estando obrigada a atuar nos termos dos Tratados, não o fez, incorrendo por isso mesmo na sua violação. Não será, porém, este o caso da instituição que não estava obrigada a atuar, mas apenas habilitada103

para tal; o mesmo valendo para os casos em que a instituição não tenha competência para praticar o ato requerido. Sem prejuízo das condições de admissibilidade – que diferem para os recorrentes privilegiados e para os particulares –, em causa poderá estar qualquer ato da União independentemente da sua natureza ou forma, desde que se verifique a condição de obrigatoriedade da sua adoção e a sua respetiva omissão.

São dois os momentos em que esta via se desdobra. Numa primeira fase – pré-contenciosa ou administrativa –, o interessado deverá interpelar formalmente a instituição (mais concretamente, e a saber, o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão ou o Banco Central Europeu), o órgão ou o organismo infrator com vista à reparação da ilegalidade, devendo fazê-lo dentro de um “prazo razoável”104

. O desfecho da situação será determinado pela reação a este convite a agir: se no prazo de dois meses (contados da interpelação) a instituição em causa tomar uma posição relativamente ao pedido105

, o objeto do recurso desaparece, a ação termina por inutilidade superveniente da lide e o recurso é, portanto, evitado; não o fazendo, colocar-se-á numa situação de omissão de pronúncia. Desta feita, começa a correr um novo prazo que dois meses de que o interessado disporá

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As duas expressões pertencem a MARIA LUÍSA DUARTE, Direito do Contencioso da Legalidade, AAFDL Editora, 2017, p. 204.

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Cfr. Acórdão (TJCE) Chevalley/Comissão, de 18 de novembro de 1970, proc. 15/70, considerando 6. Este aresto não se encontra disponível em língua portuguesa; no entanto, a expressão surge traduzida, tal como a reproduzimos (entre outros), no Acórdão (ex-TPI) Air One SpA/Comissão, de 10 de maio de 2006, proc. T-395/04, considerando 25.

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Cfr. Acórdão (TJCE) Chevalley/Comissão, cit., considerandos 8 a 14.

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Ainda que os Tratados nada digam a respeito do prazo de que o interessado disporá para formular este convite, por razões de segurança jurídica e de continuidade o TJUE tem dado algumas indicações, tendo considerado, no Acórdão (TJCE) Países Baixos/Comissão, de 6 de julho de 1971, proc. 59/70, considerando 22, que o lapso de 18 meses não é um “prazo razoável”.

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Quanto às formalidades a observar, a jurisprudência tem reiterado que o pedido quer-se suficientemente explícito e preciso, com o intuito de permitir à instituição um conhecimento concreto do conteúdo da decisão que lhe é solicitada, podendo ainda mencionar-se expressamente, por prudência (e de forma a que a instituição requerida tome consciência da importância da sua reação e se sinta compelida a atuar), a intenção de agir judicialmente em caso de silêncio – neste sentido, cfr. os Acórdãos (TJCE) Usinor/Comissão, de 10 de junho de 1986, processos apensos C-81/85 e C-119/85, considerando 15; e (ex-TPI) TF1/Comissão, de 3 de junho de 1999, proc. T-17/96, considerando 41.

para, se assim entender, a perseguir judicialmente (artigo 265.º, 2.º parágrafo, TFUE). Com a instauração da ação por omissão, cujo objeto será idêntico ao do convite para agir, abre-se então a porta à segunda fase – judicial ou contenciosa –, a correr termos no TJUE.

O convite a agir é, no caso dos recorrentes particulares, uma condição prévia da admissibilidade do recurso. Nos termos do artigo 265.º, 3.º parágrafo, esta via está-lhes apenas reservada nos casos em que a instituição esteja legalmente obrigada a tomar uma decisão (exceto recomendações ou pareceres), que não tomou, da qual o requerente seria o potencial destinatário ou pela qual seria direta e individualmente afetado. Se o dever de ação continuar a ser violado, o recorrente pode considerar a hipótese de avançar com uma ação de indemnização.

3.1.3. A exceção de ilegalidade106

O artigo 277.º do TFUE contempla, através da figura da exceção de ilegalidade, a possibilidade de qualquer parte poder recorrer aos meios previstos no 2.º parágrafo do artigo 263.º do TFUE para arguir, perante o TJUE107

, a inaplicabilidade (e não a invalidade) de atos de alcance geral108 (regulamentos ou atos equiparáveis) da autoria das instituições, órgãos ou organismos da União. Se julgada procedente, a entidade que emanou o ato julgado inaplicável deverá proceder à sua revogação, em conformidade com os princípios da segurança jurídica e da igualdade. Porém, como essa declaração de inaplicabilidade não produz efeitos erga omnes, mas apenas inter partes, o ato conservará, quanto aos demais (isto é, à exceção das partes que figuram no processo em causa), a sua vigência e validade no seio da ordem jurídica europeia apesar do vício de ilegalidade de que padece, pelo que só será desaplicado no caso sub judice (já que o juiz da União carece de poderes para o anular).

A exceção de ilegalidade constitui, assim, um outro meio processual para efeitos de controlo da ilegalidade das normas e dos atos jurídicos da União, encontrando-se “subjacente ao princípio de que

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A expressão “exceção de ilegalidade” utilizada para designar este meio processual não resulta diretamente dos Tratados (há até quem prefira chamar- lhe “controlo incidental” ou “exceção de inaplicabilidade”), mas tem sido a mais frequentemente utilizada por se considerar ser a designação que mais intimamente se aproximar da sua natureza. JOÃO MOTA DE CAMPOS (et al.)explica, a propósito, que “na verdade, a «inaplicabilidade» de um ato da UE decorrerá da sua ilegalidade pertinentemente invocada; o «controlo incidental» ocorre precisamente porque tal ilegalidade foi arguida; e esta arguição reveste o caráter de uma exceção porque a questão da ilegalidade é sempre suscitada (pelo demandante ou pelo demandado) contra o ato com base no qual se pretende impor-lhe uma obrigação ou recusar-lhe o direito alegado – e, portanto, a título de defesa por exceção contra um ato ilegal” – cfr. JOÃO MOTA DE CAMPOS, ANTÓNIO PINTO PEREIRA, JOÃO LUIZ MOTA DE CAMPOS, O Direito Processual da União Europeia – Contencioso Comunitário, cit., p. 813.

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No caso dos atos nacionais de execução, o incidente de ilegalidade é suscetível de ser invocado junto dos tribunais nacionais, o que pode demandar um reenvio prejudicial (artigo 267.º, TFUE) – cfr. JÓNATAS MACHADO, Direito da União Europeia, 3ª edição, Gestlegal, 2018, pp. 698 a 701.

108

Até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a invocação da exceção de ilegalidade estava limitada aos regulamentos. No entanto, o TJ já se havia manifestado no sentido de que “[o] âmbito de aplicação do [atual artigo 277.º do TFUE] deve (...) alargar-se aos atos das instituições que, embora não revestindo a forma de regulamento, produzem todavia efeitos análogos e que, por esse motivo, não podiam ser atacados por outros sujeitos jurídicos que não as instituições e os Estados-membros no âmbito do [atual artigo 263.º, TFUE]. Esta interpretação ampla (...) decorre da necessidade de garantir um controlo de legalidade em benefício das pessoas excluídas pelo [4.º parágrafo do artigo 263.º] da possibilidade de recurso direto contra os atos de alcance geral, quando sejam afetadas por decisões de aplicação que lhes digam direta e individualmente respeito” – cfr. Acórdão (TJ) Simmenthal/Comissão, de 6 de março de 1979, proc. 92/78, considerandos 40 e 41.

toda a pessoa deve poder defender-se de um ato normativo que sirva de base a uma decisão que lhe seja dirigida”109

. No entanto, e ainda que frequentemente apontada como uma “garantia adicional de defesa” conferida aos particulares110

atendendo à sua ilegitimidade para efeitos de impugnação de atos normativos, só funciona se for invocada por via de exceção111

, já que não consubstancia um direito de ação autónomo. Logo, só se lhes poderá lançar mão a título incidental e no âmbito de um processo/ação principal que decorra nos tribunais da União e do qual o excipiente faça parte, em conjugação com outros instrumentos do contencioso europeu em sentido estrito – o que ocorre, geral e paradigmaticamente, no contexto do recurso de anulação112

. Ademais, não poderá ser suscitada à toa para atacar qualquer ato de alcance geral, já que este “deve ser aplicável, direta ou indiretamente, ao caso que é objeto de recurso e (...) deve existir um nexo jurídico direto entre a decisão individual impugnada e o ato geral em questão”113

.

Para os particulares, este instituto é visto como “complementar”115

ao do recurso de anulação na medida em que, não estando sujeito a prazo, pode ser invocado mesmo nos casos em que a ação de anulação já não possa ser julgada admissível por ter expirado o prazo útil para a sua instauração116

. No entanto, alerta-se para o facto de o lapso temporal decorrido entre a entrada em vigor do ato de alcance geral atacado e a aprovação do ato recorrido ser suscetível de prejudicar a prova do vínculo direto entre o ato de alcance geral e o ato de alcance individual objeto da ação principal117

. De todo o modo – e apesar de, recorde-se, a sua natureza jurídico-processual impedir que seja exercida na ausência de um direito de ação a título principal ou quando a ação principal seja julgada improcedente –, tem-se reconhecido que a exceção de legalidade vem, em certa medida, cobrir (ou, pelo menos, atenuar) as limitações dos particulares no âmbito dos recursos de anulação contra atos de alcance geral (ou de cariz normativo), pelo que assume, por isto mesmo, uma “extrema (ainda que limitada) importância”118

.

109

Cfr. JÓNATAS MACHADO, Direito da União Europeia, cit., p. 608.

110

Expressão de JOÃO MOTA DE CAMPOS, ANTÓNIO PINTO PEREIRA, JOÃO LUIZ MOTA DE CAMPOS, O Direito Processual da União Europeia – Contencioso Comunitário, cit., p. 816. Em sentido idêntico, cfr. MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, Direito da União – História, Direito, Cidadania, Mercado Interno e Concorrência, cit., p. 451.

111

Cfr. Acórdão (TJCE) Albini/Conselho e Comissão, de 16 de julho de 1981, proc. 33/80, considerando 17.

112

Cfr. JOÃO MOTA DE CAMPOS, ANTÓNIO PINTO PEREIRA, JOÃO LUIZ MOTA DE CAMPOS, O Direito Processual da União Europeia – Contencioso Comunitário, cit., p. 837. Não obstante a “relação privilegiada” que apresenta com o recurso de anulação, o incidente da exceção de ilegalidade pode ser também levantado no quadro de uma ação por incumprimento, de uma ação de indemnização ou de uma ação por omissão – cfr. CARLOS CARRANHO PROENÇA, A Tutela Jurisdicional Efetiva no Direito da União Europeia – Dimensões Teoréticas e Práticas, cit., p. 503.

113

Cfr. Acórdãos (TG) BCE/Maria Concetta Cerafogli, de 27 de outubro de 2016, proc. T-787/14 P, considerando 44; KF/CSUE, de 25 de outubro de 2018, proc. T-286/15, considerando 156.

115

Cfr. MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, Direito da União – História, Direito, Cidadania, Mercado Interno e Concorrência, cit., p. 452.

116

Já os recorrentes privilegiados (máxime, Estados-Membros) podem, a todo o tempo – e mesmo que não tenham impugnado atempadamente o ato de alcance geral ao abrigo do recurso de anulação – exercer a exceção de ilegalidade.

117

Cfr. MARIA LUÍSA DUARTE, Direito do Contencioso da União Europeia, cit., p. 223.

118

3.2. Assegurando a interpretação uniforme do direito da União Europeia e a

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