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Da não inclusão dos “atos regulamentares” na nova tipologia dos atos jurídicos da União Europeia: breve abordagem geral

CAPÍTULO IV – O ACESSO CONDICIONADO DOS RECORRENTES PARTICULARES AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

4. Considerações sobre a doutrina definida no acórdão Plaumann Ainda que por muitos tida como extremamente cerceadora

1.1. Da não inclusão dos “atos regulamentares” na nova tipologia dos atos jurídicos da União Europeia: breve abordagem geral

Dotada de uma ordem jurídica e de um direito (juridicamente vinculativo) próprios, a União Europeia distingue como suas principais fontes o direito originário (ou primário) e o direito derivado (ou secundário): enquanto o primeiro encontra expressão nos Tratados constitutivos, o segundo compõe-se dos atos adotados pelas instituições e, bem assim, por certos órgãos ou organismos da União. Da

399

Cfr. ROBERTO MASTROIANNI, ANDREA PEZZA, “Striking the Right Balance: Limits on the Right to Bring an Action under Article 263(4) of the Treaty on the Functioning of the European Union”, in American University International Law Review, Vol. 30, Issue 4, 2015, p. 750.

400

Cfr. MARIA JOSÉ RANGEL MESQUITA, Introdução ao Contencioso da União Europeia, cit., pp. 17 a 20.

401

Cfr. FRANCISCO PAES MARQUES, “O acesso dos particulares ao recurso de anulação após o Tratado de Lisboa: remendos a um fato fora de moda”, cit., p. 99; MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Introdução ao Contencioso da União Europeia, cit., p. 99.

estrutura tripartida de Maastricht à unificação dos instrumentos jurídicos da União Europeia operada pela reforma de Lisboa na sequência da supressão dos antigos segundo e terceiro pilares intergovernamentais, respetivamente correspondentes à política externa e segurança comum e à cooperação policial e judiciária em matéria penal, resultou que o direito derivado da União passou a constituir-se, tal como elenca o atual artigo 288.º do TFUE, de regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres. Deixados para trás ficaram, assim, por razões de simplificação e para fortalecer a legitimidade democrática e de eficiência, os quinze instrumentos jurídicos apontados pelo Relatório Final do Grupo de Trabalho IX da Convenção Europeia402

, agora uniformizados e reconduzidos apenas aos cinco enumerados. Mas por nem sempre partilharem da mesma natureza e alcance jurídico, estes atos de direito derivado podem, grosso modo, ser legislativos ou não legislativos; gerais ou individuais; internos ou externos; juridicamente vinculativos ou não juridicamente vinculativos403

. Outro dos reflexos do Tratado de Lisboa sobre a estrutura da ordem jurídica europeia deriva, precisamente, da hierarquização dos atos de direito derivado da União que passou a distinguir formalmente entre atos legislativos e atos não legislativos. Sucede, porém, que a aferição da natureza legislativa ou não legislativa não radica no simples facto de, materialmente, estar em causa um ato adotado sob a forma de um regulamento, de uma diretiva ou de uma decisão – na verdade, no sistema de fontes europeu qualquer um destes atos pode ter uma ou outra natureza. O traço distintivo repousa, pois, e sobretudo, na análise do processo de formação do ato, isto é, em determinar se ele foi adotado via processo legislativo ou não. Posto isto, serão classificados de atos legislativos os atos normativos que tenham sido aprovados por processo legislativo (ordinário ou especial406

), aos quais, subordinados a um regime de perfeição jurídica autónomo407

, que é sua condição de validade, se soma a respetiva assinatura pelo legislador e, ainda, a publicação no Jornal Oficial da União Europeia (artigo 297.º, n.º 1, TFUE); todos os outros atos – isto é, os que sejam adotados através dos demais processos de produção de atos jurídicos – serão classificados de atos não legislativos. Trazendo clareza e simplicidade408

à tipologia de atos jurídicos que se encontram ao dispor das instituições da União, a introdução desta

402

Cfr. Relatório Final do Grupo de Trabalho sobre a Simplificação dos Procedimentos Legislativos e dos Instrumentos (Grupo IX), de 29 de novembro de 2008 (13.12) – CONV 424/02, p. 3. disponível em: http://european-convention.europa.eu/pdf/reg/pt/02/cv00/cv00424.pt02.pdf.

403

Cfr. MIGUEL GORJÃO HENRIQUES, Direito da União – História, Direito, Cidadania, Mercado Interno e Concorrência, cit., p. 293.

406

O processo legislativo distingue-se, pela primeira vez desde o Tratado de Lisboa, conforme seja ordinário (artigo 294.º, TFUE) ou especial (artigo 289.º, nº 2, TFUE): no primeiro caso, os atos (regulamentos, diretivas, decisões) são conjuntamente adotados pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, mediante proposta da Comissão – é o correspondente ao antigo processo de codecisão; já no segundo caso, e mediante previsão específica nos Tratados, os atos serão individualmente adotados pelo Parlamento Europeu ou pelo Conselho, embora contando com a participação, consoante o caso (isto é, conforme quem aprove o ato), um do outro.

407

Cfr. MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, em comentário ao artigo 289.º do TFUE, in Manuel Lopes Porto, Gonçalo Anastácio (coord.), Tratado de Lisboa – Anotado e Comentado, cit., p 1035.

408

Cfr. ANA MARIA GUERRA MARTINS, Manual de Direito da União Europeia, cit., p. 438; MIGUEL GORJÃO-HENRIQUES, Direito da União – História, Direito, Cidadania, Mercado Interno e Concorrência, cit., p. 294.

diferenciação, pese embora assente num critério puramente formal, constitui, nas palavras de ALESSANDRA SILVEIRA, “algo inédito até então, pois na União Europeia não existe propriamente separação de poderes, mas equilíbrio de poderes, na medida em que 1) as funções são exercidas de forma distinta daquela que se observa nos Estados-Membros e 2) as decisões resultam tendencialmente do controlo recíproco e do ajuste de posições em busca de consenso”409

.

Para além desta “organização dos atos jurídicos da União em dois patamares normativos distintos”, outra das novidades trazidas pelo Tratado de Lisboa consta dos artigos 290.º e 291.º do TFUE. O artigo 290.º, n.º 1 respeita, em concreto, aos atos delegados, e dá-nos conta da faculdade que assiste ao legislador (em geral, o Conselho e/ou o Parlamento Europeu) de delegar na Comissão o poder de adotar atos não legislativos de alcance geral que visem completar ou alterar411

certos elementos não essenciais do ato legislativo412

. Ao fazê-lo, “o legislador pode concentrar-se nas questões e escolhas políticas fundamentais e entregar o tratamento de outras questões não essenciais, que eventualmente necessitem de uma expertise científica ou económica, a um outro nível, que no entanto será sempre supranacional e terá em conta o interesse [da União]”413

. Por seu turno, o artigo 291.º, n.º 1 fala-nos dos atos que visam executar os atos juridicamente vinculativos (regulamentos, diretivas e decisões), designados atos de execução, sendo que por estarem em primeira linha a cargo dos Estados-Membros, as instituições só poderão executar diretamente os atos da União desde que tal seja necessário em nome da uniformidade na aplicação e, bem assim, mediante uma atribuição expressa pelos Estados- Membros à Comissão ou, excecionalmente (nomeadamente no plano da execução da política externa e de segurança comum)414

, ao Conselho415 .

O problema foi que, com esta revisão, o legislador de Lisboa limitou-se a reproduzir a terminologia aposta no artigo III-365.º, n.º 4, do falecido Tratado Constitucional (TECE)417

sem levar em conta o

409

Cfr. ALESSANDRA SILVEIRA, Princípios de Direito da União Europeia, cit., p. 243. Com efeito – e diferentemente do que sucede nas ordens jurídicas internas dos Estados-Membros –, os atos jurídicos adotados no contexto da UE não se distinguem com base no seu autor: são as várias instituições que, isolada ou conjuntamente, desempenham a função legislativa, de acordo com o procedimento decisório que o Tratado estipule para cada caso.

411

As expressões “completar” e “alterar” podem significar, de acordo com o esclarecimento prestado pela Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, respetivamente: o acréscimo de “novas normas não essenciais que alteram o quadro do ato legislativo, deixando uma margem de apreciação à Comissão; e uma alteração formal do ato de base, “afetando o texto de um ou mais artigos do dispositivo, ou o texto de um anexo que juridicamente faça parte integrante do instrumento legislativo” – cfr. COM(2009)673 final, p. 4.

412

Isto é, tanto dos atos típicos – regulamentos, diretivas e decisões – quanto de alguns atos atípicos.

413

Cfr. MÁRCIO PAULO TENREIRO; MIGUEL FRANÇA, em comentário ao artigo 290.º do TFUE, in Manuel Lopes Porto, Gonçalo Anastácio (coord.), Tratado de Lisboa – Anotado e Comentado, cit., pp. 1039 e 1040.

414

Tal sucede, mais concretamente, nos casos plasmados nos artigos 24.º e 26.º do TUE-Lisboa.

415

No exercício das suas competências de execução, a Comissão está, porém, sujeita aos mecanismos de controlo definidos pelo Regulamento (UE) n.º 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2011 – “Regulamento Comitologia” –, que prevê o procedimento consultivo (regra geral) e o procedimento de exame.

417

Referimo-nos, mais concretamente, ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (TECE). Acordado no Conselho Europeu de Bruxelas de junho de 2004 e assinado em Roma a 29 de outubro assinado em Roma a 29 de outubro de 2004 desse mesmo ano pelos 25 Estados-Membros e pelos três candidatos à adesão, afirmava-se inspirado “na vontade dos cidadãos e dos Estados da Europa” e visava revolucionar o enquadramento jurídico e político da integração europeia. Nunca chegou, porém, a entrar em vigor, tendo sido abandonado por falta de ratificação pelos Estados-Membros.

abandono, na reforma concretizada pelo Tratado de Lisboa, da tipologia de atos estabelecida nos artigos I-33.º e seguintes daquele Tratado418

. Por conseguinte, entre os atos jurídicos de direito derivado da União tipificados na aludida disposição legal – e que, recordando, nos fala de regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres – não encontramos qualquer correspondência à nova categoria de atos introduzida pelo Tratado de Lisboa e a que alude o último segmento do 4.º parágrafo do artigo 263.º do TFUE.

Foi assim que, da tentativa de fechar o “buraco” evidenciado ao nível da proteção jurídica, um outro se abriu e, com ele, uma nova problemática emergiu: afinal, o que se deve entender por “atos regulamentares” e o que significa “que [estes] não necessitam de medidas de execução”?

2. O alcance da expressão “ato regulamentar” na aceção do artigo 263.º do TFUE

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