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AS RAZÕES PARA NÃO ELABORAR UMA REVISÃO DA LITERATURA

No documento Download/Open (páginas 36-39)

Inicialmente, devemos assinalar que nesta pesquisa realizamos uma aplicação exploratória do método da Teoria Fundamentada nos Dados6 – Grounded Theory7 (CHARMAZ, 2009; GLASER; STRAUSS, 1967; STRAUSS; CORBIN, 2008).

5 A Política Acadêmica da Unimep corresponde atualmente ao seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI),

embora quando foi elaborada ainda não houvesse essa exigência do PPI.

6 No clássico original de Glaser e Strauss (1967), a denominação dessa metodologia é Grounded Theory. A

tradução do termo inglês grounded para a língua portuguesa é “fundamentada”, como reconhecem alguns autores; de fato não é a melhor tradução, embora esta tenha sido a que se consagrou. A tradutora de Tarozzi (2011, p. 13), em nota de rodapé sobre isso, reconhece que “assim como no francês, em português o melhor adjetivo para a tradução de grounded parece ser “enraizada”. Alguns autores ainda traduzem grounded por “emergente”. No Brasil a maioria dos textos opta por veicular o nome como “teoria fundamentada nos dados” ou “fundamentada em dados”, apesar de não ocorrer no nome original a palavra “dados”.

7 Nesta tese vamos seguir a tendência mais recente, que é a de manter a referência ao uso da denominação no

original, em inglês, por toda a riqueza epistemológica, conceitual e semântica que encerra Grounded Theory, conforme já referido na nota anterior, e que não é apanhado pela tradução da língua portuguesa.

Mais adiante, há uma descrição detalhada do método. Para o momento, nos interessa apenas registrar essa opção pelo método e, com isso, justificar também o fato de não realizarmos antecipadamente uma revisão da literatura a respeito do tema.

Dentre as recomendações para aplicação do método da Grounded Theory, conforme definiram Glaser e Strauss (1967), está a indicação desse procedimento, como reconhece Tarozzi (2011, p.106), “qualificador e controvertido”. Os teóricos do método indicam o adiamento da revisão bibliográfica, revisão da literatura ou elaboração do estado da arte, para ser realizado depois do desenvolvimento preliminar de uma análise independente dos dados, isenta de qualquer influência das ideias já existentes na literatura, se isso for ainda necessário. Glaser recomendou enfaticamente como “um forte imperativo da GT o de não conduzir uma revisão da literatura referida a uma certa área substantiva e a áreas afins quando a pesquisa deve ainda ser realizada” (GLASER, 1998, p. 67).

A esse respeito, Charmaz considera que:

Embora os acadêmicos possam vestir o manto da objetividade, pesquisar e escrever são atividades inerentemente ideológicas. A revisão da literatura e os esquemas teóricos são terrenos ideológicos nos quais você declara, situa, avalia e defende a sua postura. [...] os autores clássicos da teoria fundamentada [...] defendem o adiamento da revisão bibliográfica até que a análise esteja concluída. Eles não querem que você veja os seus dados pela lente das ideias anteriores, o que é geralmente conhecido como “teoria recebida” (CHARMAZ, 2009, p. 220, 222).

Ao se referir ao uso da literatura, Strauss e Corbin também recomendaram que “não há necessidade de rever toda a literatura da área antecipadamente, como é frequentemente feito por analistas que usam outras técnicas de pesquisa” (STRAUSS; CORBIN, 2008, p. 58). Entretanto, reconhecem que “o pesquisador traz para a investigação um conhecimento considerável da literatura profissional ou disciplinar” (STRAUSS; CORBIN, 2008, p. 58) e, portanto, não há aqui a intenção de uma total isenção de influências no momento em que ele parte para a análise dos seus dados de investigação. O ponto de equilíbrio é saber como administrar esses conhecimentos prévios e o próprio material disponível da literatura “para aumentar, e não restringir, o desenvolvimento da teoria” (STRAUSS; CORBIN, 2008, p. 58). Como resume Dey (1993):

[...] há uma diferença entre uma mente aberta e uma cabeça vazia. Para analisar os dados precisamos usar o conhecimento acumulado e não dispensá-lo. A questão não é se pretendemos utilizar o conhecimento existente, mas como. Nosso problema é encontrar um foco sem nos comprometer prematuramente com uma perspectiva particular, fechando assim as opções para nossa análise. O perigo não reside em termos premissas, mas em não sermos consciente delas; na análise qualitativa

devemos tentar suspender crenças em convicções familiares e examinar evidências de uma maneira nova e crítica (DEY, 1993, p. 65-66, tradução nossa)8.

Dessa forma, na prática da Grounded Theory, é necessário manter esses cuidados metodológicos, embora possa parecer estranho à maioria das pesquisas empírico- bibliográficas, que partem sempre de uma intensa revisão da literatura a fim de construir suas perguntas e hipóteses, posteriormente incursionando no estudo empírico de campo.

Na Grounded Theory os procedimentos partem da identificação de uma área de interesse de investigação pelo pesquisador e da consequente escolha do tema, delimitando-o de acordo com a capacidade de execução da pesquisa (evidentemente tomando os cuidados necessários para não simplificar e parcializar a questão). A própria consideração sobre o problema, a elaboração de pergunta, ou perguntas, assim como a formulação de hipóteses no início da pesquisa, são pontos controversos na Grouded Theory. Para o momento, basta então registrar, em síntese, que antes mesmo de uma revisão da literatura, a Grounded Theory preconiza que, tomadas aquelas providências iniciais quanto à área e ao tema de pesquisa, deve-se partir de imediato para a observação do campo, a fim de identificar, recolher e iniciar a codificação e análise dos dados mediante o emprego do método da comparação constante.

Na Grounded Theory a revisão de literatura é então realizada numa etapa mais avançada, próxima ao final da pesquisa, depois de percorrido o caminho da codificação e análise dos dados. O adiamento da revisão da literatura no processo de pesquisa é, portanto, para a Grounded Theory, um procedimento auxiliar na elaboração do relatório final, representando assim uma “ulterior fonte de dados para prosseguir no trabalho de constante comparação” (TAROZZI, 2011, p.107).

Tarozzi (2011) também acrescenta que:

A necessidade de manter nitidamente distintos o plano empírico do qual fazer emergir a teoria enraizada nos dados daquele teórico-especulativo e, portanto, não analisar a priori a literatura científica, é um elemento estritamente ligado à possibilidade efetiva de fazer emergir categorias interpretativas fundadas nos dados. Portanto, trata-se de uma indicação metodológica intimamente ligada ao processo da GT e não, como já foi suspeitado, a uma forma ingênua de autarquia científica ou de sectarismo metodológico antiacadêmico [...] que, de fato, terminaria por desacreditar muito a função e a importância da literatura científica, privilegiando aquilo que emerge do campo, de modo quase exclusivo (TAROZZI, 2011, p. 107).

Assim como a ideia de neutralidade da ciência é ilusória, seria também ingênuo tentar fazer crer que o pesquisador se aproxima do seu objeto com uma posição absolutamente

8 “[...] there is a difference between an open mind and empty head. To analyse data, we need to use accumulated

knowledge, not dispense with it. The issue is not whether to use existing knowledge, but how. Our problem is to find a focus, without committing ourselves prematurely to a particular perspective and so foreclosing options for our analysis. The danger lies not in having assumptions but in not being aware of them; in qualitative analysis we should try to suspend beliefs in familiar convictions and examine evidence in a new and critical way.”

neutra e isenta, como tabula rasa. Conforme já mencionamos, Strauss e Corbin (2008, p. 58) reconhecem que o pesquisador traz consigo um conhecimento prévio considerável, desde seu contato com a literatura da área até a vivência com seus objetos de pesquisa. No próprio fato da escolha de um objeto de pesquisa há uma ação intencional e ideológica, que está carregada de desejos e interesses. Seria então falso supor que nossa escolha não se faz num contexto de relação prévia com o objeto e reconhecimento do campo de estudos que o contextualiza. Dessa maneira, não seria honesto dizer que não temos um acervo prévio de conhecimentos, fruto de leituras anteriores a respeito do nosso objeto, ou que não haja uma motivação pessoal do pesquisador, um leitmotiv que lhe nutre a apetência para abordar tal objeto de investigação. Acreditamos que a honestidade científica está na capacidade do pesquisador enfrentar o medo de questionar os fundamentos e a totalidade e ter disposição para estar aberto ao todo em relação ao seu objeto. Essa abertura ao todo deve levá-lo rumo ao desconhecido, sem receio de encontrar respostas que poderão até surpreendê-lo, ou que poderão desmistificar crenças prévias, ou ainda, que poderão comprovar ou negar suas premissas, hipóteses prévias e dar margem à formulação de novas hipóteses.

Nesse sentido, não desconhecendo a recomendação metodológica da Grounded Theory acerca da revisão da literatura, optamos por elaborar esse inventário da produção acadêmica a respeito da Unimep, recolhendo trabalhos que estudam no todo ou em parte o seu desenvolvimento e aspectos específicos de sua historiografia. Não temos com isso pretensão maior, nesse momento, senão apenas a de inventariar a literatura disponível, sem tecer maiores debates, antecipadamente, com essa literatura, ou buscar subsídios para a formulação de hipóteses a serem testadas. Ou seja, nosso objetivo aqui é tão somente reconhecer que o campo não é desprovido de pesquisas anteriores em várias frentes. Eventualmente nossa pesquisa e os resultados que por ela alcançarmos – mediante a teoria substantiva emergente, explicativo-compreensiva do fenômeno em estudo – poderá estabelecer diálogos com os estudos pré-existentes.

No documento Download/Open (páginas 36-39)