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AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO À

Inexiste consenso entre os doutrinadores brasileiros sobre qual a teoria adotada pela Constituição Federal de 1988, pois, enquanto Alberto Xavier (2007) e Mirtô Fraga (2001) defendem ter o texto constitucional adotado a teoria monista, é a teoria dualista defendida, por exemplo, por Nádia de Araújo (2008) e Almícar de Castro (2008). E ainda existe quem entenda não ter na Constituição Federal de 1988 qualquer orientação acerca de uma direção, seja esta monista ou dualista, como Mariângela Ariosi (2000), apesar da mesma advogar a favor da teoria monista internacionalista.

O presente trabalho visa demonstrar que, ao tratar da relação existente entre o direito interno e o direito internacional, adota a Constituição Federal de 1988 a teoria monista; pois em vários artigos refere-se ao tratado e à lei federal, assim para a Constituição Federal de 1988 tratado não é lei. Transcrever-se-ão abaixo alguns dos artigos que corroboram com o aqui exposto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[...]

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

[...]

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

[...]

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional,

observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da

reciprocidade.

Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.(ANGHER, 2010, p. 23, 28, 52, 70, grifo nosso).

É evidente que o texto constitucional brasileiro determina que os tratados sejam aplicados na ordem interna como tratados e não como leis internas, tanto que

em seu art. 178 (ANGHER, 2010, p. 70) determina que a lei federal observe os tratados existentes; bem como declara, em seu o art. 102 (ANGHER, 2010, p. 53), que o STF pode declarar um tratado inconstitucional, ou seja, explicitamente a Constituição Federal de 1988 determina que os tribunais apliquem o tratado como tratado e não como lei.

Este também é o entedimento de Fraga, para quem

Ao aplicar a norma convencional, o Poder Judiciário aplica o próprio tratado (Direito Internacional) e não o direito nacional (o produzido, apenas, pelos órgãos internos) em que supostamente se tenha transformado por via do decreto de promulgação. (2001, p. 127).

Ademais, tratado e lei são normas diferentes, pois têm processos de elaboração diversos e, para a conclusão do primeiro, é indispensável a vontade concordante de, pelo menos, um outro sujeito internacional com capacidade para celebrar o pacto, enquanto a lei em sentido estrito – ato normativo elaborado pelo Poder Legislativo, com a sanção do Executivo - emana de fonte interna, dos Poderes Legislativos e Executivo (FRAGA, 2001).

E como já dito, a promulgação não transforma o tratado em lei interna (DALLARI, 2003; FRAGA, 2001; XAVIER, 2007), pois, ¨pela promulgação, o Chefe do Poder Executivo apenas declara, atesta, solenemente, que foram cumpridas as formalidades exigidas para que o ato normativo se completasse¨ (FRAGA, 2001, p. 64), ou seja, a promulgação somente vai atestar que o tratado internacional percorreu todas as fases previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro, para a sua conclusão, e preencheu as formalidades exigidas para a sua feitura.

A promulgação, por decreto do Presidente, visa atestar que a ordem jurídica foi inovada, e que o tratado deverá ser cumprido. Assim, a promulgação incide sobre um ato perfeito e acabado, e por tal motivo não gera a transformação do tratado em lei interna, conforme defendem os dualistas.

Reitera-se que, diversamente do defendido por Rezek (1984) e Celso de Mello (2004), é o decreto presidencial de promulgação requisito exigido pelo art. 48, IV da Constituição Federal de 1988 (ANGHER, 2010, p. 49), pois é através do decreto executivo que é “incorporado o ato internacional à legislação interna” (MEDEIROS, 1995, p. 470). A publicação do decreto de promulgação é também exigência constitucional, posto que é “o art. 37 da Constituição, peremptório ao assinalar a imperatividade do princípio da publicidade para os atos da administração pública” (DALLARI, 2003, p. 99-100). Deste modo, a publicação do decreto

presidencial de promulgação do tratado é o meio hábil para assinalar a vigência do tratado internacional na ordem jurídica brasileira (DALLARI, 2003; XAVIER, 2007).

Deste modo, “uma vez em vigor no território nacional, o tratado incorpora-se automaticamente ao direito brasileiro, sem a necessidade de edição de lei interna que lhe reproduza o conteúdo” (DALLARI, 2003, p. 87).

O tratado, também, se diferencia da lei interna, quanto à sua forma de extinção, pois, se tratado fosse lei interna, não poderia o Executivo revogá-lo por meio da denúncia (MELLO, 2004). Ademais, a lei pode ser vetada pelo Executivo, podendo, porém, o Legislativo derrubar tal veto; já um tratado aprovado pelo Congresso poderá não ser ratificado pelo Executivo, e nada poderá fazer o Poder Legislativo (MELLO, 2004).

O parágrafo 3° do art. 5° do texto constitucional (ANGHER, 2010, p. 28), ao declarar que os tratados de direitos humanos aprovados observando as regras ali previstas serão equivalentes a emenda constitucional, reforça a ideia de que o tratado e a norma interna são coisas desiguais.

Desta forma, os argumentos apresentados nesta seção demonstram cabalmente que tratado e lei interna são coisas distintas, e que o tratado vigora no direito pátrio como tratado, eis que não há a necessidade de sua transformação em uma lei interna para poder ser aplicado, de onde se conclui ter a Constituição Federal de 1988 adotado a teoria monista, vigorando, no direito brasileiro, os tratados e as leis internas.

Diante do fato de ter a Constituição Federal de 1988 adotado a teoria monista, e consequentemente existir a possibilidade de conflito entre o direito interno e o direito internacional, se analisará, no próximo capítulo, o texto constitucional, buscando determinar as posições hierárquicas que um tratado pode possuir dentro do ordenamento jurídico pátrio.

2 A HIERARQUIA DOS TRATADOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No primeiro capítulo desta dissertação restou demonstrado que a Constituição Federal de 1988 adota a teoria monista, desta forma, se admite a possibilidade de conflito entre o tratado e a lei interna (XAVIER, 2007).

E por não haver no direito internacional positivo, norma assecuratória do primado do direito das gentes sobre o direito nacional do Estado, é forçoso admitir que as posições hierárquicas dos tratados no ordenamento jurídico de um Estado é decidida pelo próprio Estado, assim deve-se procurar, nas normas internas, qual a hierarquia do tratado dentro do seu ordenamento jurídico (REZEK, 2008).

Neste contexto, os textos constitucionais nos quais há disposição sobre as relações entre o direito interno e o direito internacional podem ser, segundo Mirtô Fraga, divididos em quatro grupos distintos

No primeiro, estão aqueles que estabelecem a adoção global da regra do Direito Internacional pelo direito interno, sem contudo, instituir a primazia de uma sobre a outra. O segundo grupo, aceitando a cláusula da adoção global, dá supremacia ao Direito Internacional. No terceiro, estão os que acatam o sistema da incorporação obrigatória, mas não automática. Finalmente, no quarto grupo, compreendem-se aqueles, cuja Constituição, submetendo o Estado ao Direito Internacional, não trata, porém, da integração deste no direito interno. (FRAGA, 2001, p.15).

São exemplos de Constituições que se enquadram no primeiro grupo, ou seja, que estabelecem a adoção global da Regra do Direito Internacional pelo direito interno, sem estabelecer, porém, primazia de qualquer deles a da Argentina de 1853 (art.31); a da Alemanha de 1919 (art. 4°); a da Áustria de 1920 (art. II, 5.3); a da Coréia do Sul de 1948 (art. 7°) (FRAGA, 2001).

Já as Cartas da Itália de 1948 (art. 10); da Holanda (art. 66), da Espanha de 1931 (art. 65) se enquadram no segundo grupo, pois, aceitando a cláusula de adoção global, determinam a supremacia do Direito Internacional (FRAGA, 2001). No quarto grupo encontram-se as Constituições da Inglaterra, de Israel, que não são escritas; da Suíça, de 1874, e da França, de 1875 (FRAGA, 2001).

Desta forma, tendo em vista que, no ápice do ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se a Constituição Federal de 1988, analisar-se-á neste capítulo qual a posição do texto constitucional com relação a esta matéria.

2.1 A POSIÇÃO DOS TRATADOS DIANTE DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA