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A hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico interno

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu em Direito

Trabalho de Conclusão de Curso

A HIERARQUIA DOS TRATADOS NO

ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO

Autora: Germana Assunção Trindade

Orientador: Doutor Manoel Moacir Costa Macêdo

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GERMANA ASSUNÇÃO TRINDADE

A HIERARQUIA DOS TRATADOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Internacional Econômico da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Internacional Econômico.

Orientador: Prof. Dr. Manoel Moacir Costa Macêdo

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Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

T833h Trindade, Germana Assunção.

A hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico interno. / Germana Assunção Trindade – 2011.

94f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011. Orientação: Manoel Moacir Costa Macêdo

1. Tratados. 2. Monismo. 3. Dualismo. 4. Direitos Humanos. I. Macêdo, Manoel Moacir Costa, orient.. II. Título.

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AGRADECIMENTO

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RESUMO

Referência: TRINDADE, Germana Assunção. A hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico interno. 2011. 94 folhas. Dissertação em Direito Internacional Econômico e Tributário - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011.

Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de demonstrar que, ao tratar da relação existente entre o direito interno e o direito internacional, a Constituição Federal de 1988 adota a teoria monista, tem, ainda, o objetivo de apontar quais as posições hierárquicas dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno. Faz a Constituição Federal de 1988 distinção entre o tratado e a lei interna, não transformando a promulgação, que é uma exigência constitucional, o tratado em lei interna, o que permite a conclusão de que o texto constitucional adotou a teoria monista. Com relação aos direitos humanos, salvo no caso de conflito entre um tratado de direitos humanos e uma norma constitucional proibitiva, o princípio pro homine, previsto no art. 4°, II do texto constitucional, gerou a necessidade de se

aplicar o método de solução de conflitos de normas do diálogo das fontes, por possibilitar, no caso concreto, a utilização da norma que mais proteja a pessoa humana, ao invés de se ter de forma fixa o predomínio da norma internacional sobre a norma interna ou vice-versa. Isso resulta numa pirâmide hierárquica normativa, no tocante aos direitos humanos, flexível e não rígida. A Constituição Federal de 1988 determina expressamente a supremacia da Constituição em detrimento do pactasuntservanda, se encontrando os tratados internacionais

subordinados ao texto constitucional, com exceção dos de direitos humanos, que podem ser equivalentes hierarquicamente às normas constitucionais. As disposições constitucionais implicitamente permitem a conclusão de que os tratados se encontram hierarquicamente subordinados às leis complementares e acima das leis ordinárias. Entretanto, divergindo da doutrina pátria e do próprio texto constitucional, entende o Supremo Tribunal Federal que, com exceção dos tratados de direitos humanos que podem ter status supralegal ou possuírem a

mesma posição hierárquica das normas constitucionais, desde que aprovados nos moldes do exigido pelo § 3° do art. 5° do texto constitucional, os demais tratados são hierarquicamente equiparados às leis ordinárias.

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ABSTRACT

Reference: TRINDADE, Germana Assunção. The hierarchy of treaties in domestic law. 2011. 94 pages. Dissertation (Master of Law) – Catholic University of Brasilia, 2011.

This study was conducted in order to demonstrate that, when addressing the relationship between domestic law and international law, the Constitution of 1988 adopts the monist theory, it has also the objective of identifying the hierarchy positions of the international treaties in the domestic law. The Federal Constitution of 1988 makes distinction between the treaty and domestic law, not making the promulgation, which is a constitutional requirement, the treaty in domestic law, which allows the conclusion that the constitution adopted the monist theory. Regarding human rights, except in the case of a conflict between human rights treaty and a constitutional provision forbidding, the pro homine principle, laid down in art. 4,

II of the Constitution, made it necessary to apply the method of conflict resolution rules of the sources of the dialogue, it allow, in a case, the use of more rules that protects the human person, instead of having fixed a form of the dominance of the international standard on the international standard or vice versa. This results in a hierarchical pyramid rules, with regard to human rights, flexible and not rigid. The Federal Constitution of 1988 expressly states the supremacy of the Constitution to the detriment of pacta sunt servanda, lying international

treaties subject to the constitutional text, with the exception of human rights, which may be equivalent to the constitutional hierarchy rules. The constitutional provisions implicitly allow the conclusion that treaties are hierarchically subordinate to the complementary laws and above ordinary laws. However, unlike the doctrine of their own country and the constitution text, the Supreme Court understands that, except for the human rights treaties that may have supra-legal status or have the same rank of constitutional norms, with the approval in the manner required by the § 3 of art. 5 of the Constitution, other treaties are hierarchically equivalent to the ordinary laws.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade Art. - Artigo

CF/46 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1946 CF/67 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CTN – Código Tributário Nacional

DF – Distrito Federal DI – Direito Internacional EC – Emenda Constitucional HC – Habeas Corpus

LICC - Lei de Introdução ao Código Civil MG – Minas Gerais

Min. – Ministro

NOI – Nova Ordem Internacional

OIT – Organização Internacional do Trabalho PU - Peru

RE – Recurso Extraordinário RS – Rio Grande do Sul

STF – Supremo Tribunal Federal TO - Tocantins

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO ... 14

1.1 AS CORRENTES TEÓRICAS CLÁSSICAS ... 14

1.1.1 A teoria dualista e o não reconhecimento do conflito entre os tratados e as leis .... 15

1.1.2 A teoria monista e um novo problema: a hierarquia entre os tratados e as leis ... 18

1.2 OS TRATADOS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO PRO HOMINE PARA ALÉM DO DEBATE MONISMO-DUASLISMO: O MÉTODO DO DIÁLOGO DAS FONTES ... 21

1.3 A PRÁTICA BRASILEIRA NO PROCESSO DE CELEBRAÇÃO DE TRATADOS ... 27

1.4 AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 333

2 A HIERARQUIA DOS TRATADOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 36

2.1 A POSIÇÃO DOS TRATADOS DIANTE DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL ... 37

2.2 A POSIÇÃO DOS TRATADOS DIANTE DA MATÉRIA RESERVADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 À LEI COMPLEMENTAR ... 41

2.3 O PRIMADO DO TRATADO EM FACE DA LEI ORDINÁRIA ... 44

2.4 O CASO ESPECIAL DOS TRATADOS SOBRE OS DIREITOS HUMANOS ... 49

2.4.1 O diálogo das fontes nos conflitos normativos envolvendo tratados de direitos humanos ... 51

2.4.2 Os tratados de direitos humanos e as normas constitucionais proibitivas ... 53

2.5 O CASO ESPECIAL DOS TRATADOS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA ... 59

3 A ANÁLISE DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O CONFLITO ENTRE AS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL E AS DE DIREITO INTERNO ... 64

3.1 A REGRA GERAL FIXADA NA ADI-MC 1480-3/DF ... 65

3.1.1 Matéria reservada à lei complementar ... 66

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INTRODUÇÃO

Recentemente, mais precisamente no dia 03.12.2008, o pleno do Supremo Tribunal Federal, em uma decisão emblemática, julgou conjuntamente o HC 87.585/TO (BRASIL, 2008a), o RE 349.703/RS (BRASIL, 2008b), o RE 466.343/SP (BRASIL, 2008c), que discutiam ser ou não possível a prisão do depositário infiel, permitida pelo inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (ANGHER, 2010, p.27), e vedada pelo § 7º do art. 7º do Pacto São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, e promulgado pelo Decreto nº 678/92 (MAZZUOLI, 2008b).

Essa foi a primeira vez que o pleno do Supremo Tribunal Federal se manifestou sobre o conflito entre um tratado de direitos humanos e a Constituição Brasileira de 1988, após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004 (BRASIL, 1988), que acrescentou o § 3º ao art. 5º ao texto constitucional, que determina que somente os tratados de direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos, serão equivalentes às emendas constitucionais (ANGHER, 2010, p. 28).

A Emenda Constitucional nº 45/2004 (BRASIL, 1988) veio para tentar resolver a celeuma causada pelo § 2º do art. 5º da Constituição Federal de 1988, que declara que os direitos e garantias expressos no texto constitucional não excluem os provenientes dos tratados internacionais de direitos humanos em que a República Federativa do Brasil seja parte (ANGHER, 2010, p.28). Contudo, a referida emenda constitucional não obteve sucesso nesta empreitada.

O julgamento do conflito entre a norma constitucional e o tratado internacional de direitos humanos resultou em uma mudança no posicionamento do pleno do Supremo Tribunal Federal que passou a não mais entender como possível a prisão do depositário infiel.

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sobre a posição hierárquica do Pacto de São José da Costa Rica, dentro do ordenamento jurídico do Estado brasileiro.

O Ministro Celso de Mello, em seu voto no HC 87.585/TO, apesar de declarar ter sido o Pacto São José da Costa Rica incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro como norma materialmente constitucional, concluiu que tal tratado internacional de direitos humanos não conflita com o texto constitucional; pois, em seu entendimento, a Constituição Federal de 1988 não obriga a prisão do depositário infiel, e sim, somente contempla a possibilidade do legislador comum instituí-la (BRASIL, 2008a).

No voto-vista do Ministro Menezes Direito no HC 87.585/TO (BRASIL, 2008a), este defende não possuir o Pacto São José da Costa Rica natureza constitucional, e sim especial, pois, por ser um tratado de direitos humanos, possui o Pacto São José da Costa Rica hierarquia diferenciada, vez que oriundo de um plano que está além, pela própria natureza do seu conteúdo substantivo, da hierarquização legislativa doméstica.

No HC 87.585/TO, a supralegalidade dos tratados de direitos humanos, salvo os incorporados nos molde do § 3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 que possuem hierarquia de norma constitucional, foi defendida pelos Ministros Gilmar Mendes e Carlos de Britto; que entendem que equiparar tais tratados à legislação ordinária seria subestimar o valor especial dos tratados de direitos humanos, no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana, estando assim os tratados internacionais de direitos humanos hierarquicamente subordinados somente as normas constitucionais (BRASIL, 2008a).

O Ministro Cezar Peluso, por sua vez, no HC 87.585/TO, esboçou o entendimento de que todos os tratados de direitos humanos possuem hierarquia de norma constitucional, sendo os aprovados pelo Congresso Nacional na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 material e formalmente constitucionais, e os demais somente materialmente constitucionais, em razão do § 2º do artigo constitucional em comento (BRASIL, 2008a).

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Qual será dentre as teorias clássicas que tentam exprimir a relação entre o direito internacional e o direito interno aquela adotada pela Constituição Federal de 1988: a teoria monista ou a dualista? Quais as posições hierárquicas dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro de acordo com a Constituição Federal de 1988?

A presente dissertação buscará responder os problemas de pesquisa acima, tendo como objetivos: a) demonstrar que, ao tratar da relação existente entre o direito interno e o direito internacional, a Constituição Federal de 1988 adota a teoria monista; b) determinar as posições hierárquicas que os tratados internacionais podem ocupar na pirâmide normativa brasileira.

O vocábulo tratado será utilizado no presente trabalho como está definido na alínea a, do § 1º do art. 2º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de

1969, na qual tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, qualquer que seja sua denominação específica (MAZZUOLI, 2008b); com exceção dos tratados em forma simplificada, que, por não necessitarem ser submetidos ao Poder Legislativo (MEDEIROS, 1995), não serão objeto do presente estudo.

Esta dissertação foi desenvolvida por intermédio de uma pesquisa bibliográfica exploratória, que, por abranger a leitura, a análise e a interpretação das obras consultadas, mostrou-se essencial para se conhecer diferentes contribuições científicas disponíveis sobre o tema. Foram consultadas obras de autores de expressão no Brasil, como Antônio de Paulo Cachapuz de Medeiros (1995), Alberto Xavier (2007), Celso de A. Mello (2004), José Francisco Resek (1984, 2008), Valério de Oliveira Mazzuoli (2004, 2008a, 2010); bem como de autores de obras que tratam especificamente do tema, como Mariângela Ariosi (2000), Pedro Dallari (2003).

Foi realizada, também, uma pesquisa documental que propiciou a análise das decisões do pleno do Supremo Tribunal Federal, que versam sobre o tema, proferidas após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.

Este trabalho foi desenvolvido em três capítulos. O primeiro responderá qual a teoria adotada pela Constituição Federal de 1988, se a monista ou a dualista, bem como apontará se com relação aos tratados internacionais de direitos humanos, tornou-se superada a dicotomia monista-dualista pela aplicação nos direitos humanos do princípio internacional pro homine e do método diálogo das fontes.

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celebração de tratado, com o objetivo de determinar entre as teorias monista e dualista, qual a teoria acolhida pela Constituição Federal de 1988.

No segundo capítulo serão determinadas as posições hierárquicas que os tratados podem ocupar no ordenamento jurídico brasileiro, em razão do disposto no texto da Constituição Federal de 1988.

Em uma subseção do segundo capítulo, se fixará a hierarquia dos tratados em geral e, em uma subseção específica, se analisará o grau hierárquico dos tratados de direitos humanos, em razão das peculiaridades referentes às posições hierárquicas dos mesmos, decorrentes dos §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (ANGHER, 2010, p. 28), bem como da aplicação do princípio internacional pro homine.

Também será examinada, em uma subseção própria do segundo capítulo, a possibilidade de estarem as leis complementares subordinadas aos tratados sobre matérias tributárias, em razão do exposto no art. 98 do Código Tributário Nacional (ANGHER, 2010, p. 600); bem como a possibilidade de possuírem os tratados internacionais sobre matérias tributárias posições hierárquicas diversas na pirâmide normativa hierárquica brasileira pelo fato de ser um lei e ou um tratado-contrato.

No terceiro e último capítulo, se analisarão as decisões emanadas do pleno do Supremo Tribunal Federal sobre o tema desta dissertação, objetivando revelar quais as posições hierárquicas que os tratados internacionais ocupam, na visão deste tribunal superior, que tem a competência, como guardião da Constituição Federal de 1988, de decidir em definitivo os conflitos entre os tratados internacionais e os dispositivos constitucionais.

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1 AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO

Antes de abordar o tema da hierarquia entre tratados e leis, faz-se necessário contextualizar o problema no âmbito do debate doutrinário sobre as relações entre o direito internacional e o direito interno. Isso se torna relevante porque, para a teoria dualista, as duas ordens normativas são distintas, impedindo, portanto a relação e o conflito entre um tratado, norma internacional, e uma lei, norma interna; apenas para a teoria monista é que o referido problema tem relevância, podendo ser resolvido, a princípio, com a prevalência dos tratados ou com a prevalência das leis (MAZZUOLI, 2010). A complexidade dos problemas contemporâneos, entretanto, trará, também, teorias e soluções mais complexas, considerando fatores novos como o moderno constitucionalismo e a proteção internacional dos direitos humanos (MAZZUOLI, 2010).

1.1 AS CORRENTES TEÓRICAS CLÁSSICAS

O problema das relações entre o direito internacional e o direito interno somente foi estudado, sistematicamente, no final do século XIX (FRAGA, 2001), por Heinrich Triepel, na obra Volkerrecht und Landesrecht, que expôs a teoria dualista,

defendendo serem o direito interno e o direito internacional duas ordens jurídicas independentes, sem qualquer área em comum (MELLO, 2004).

Em contrapartida, como consequência das críticas à teoria dualista, nasceu a teoria monista, liderada por Hans Kelsen, que sustenta, de modo geral, a existência de uma única ordem jurídica, à qual pertencem o direito interno e o direito internacional (MAZZUOLI, 2004; MELLO, 2004).

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Constituição Federal de 1988, e, consequentemente, fixar as posições hierárquicas dos tratados segundo o texto constitucional.

1.1.1 A teoria dualista e o não reconhecimento do conflito entre os tratados e as leis

A teoria dualista foi apresentada na obra Volkerrecht und Landesrecht, de

Carl Heinrich Triepel, em 1899, na Alemanha; porém, foi Alfred Verdross, em 1914, quem primeiramente utilizou o termo dualismo, tendo esta designação sido aceita por Triepel em 1923 (MELLO, 2004). Mais tarde, porém, Verdross reconheceu a deficiência do termo, uma vez que não existe apenas um direito interno, sendo, portanto, mais correto denominá-la de pluralista (MELLO, 2004).

Para Triepel, os sistemas jurídicos interno e internacional apresentam conteúdos e fontes diferentes, pois, enquanto o direito interno rege as relações entre pessoas e entre o Estado e seus indivíduos, o direito internacional rege as relações entre Estados (ARIOSI, 2000)1, ou entre estes e as Organizações Internacionais (MAZZUOLI, 2004). E, enquanto a fonte do direito interno é a vontade de um Estado, o direito internacional tem como fonte a vontade coletiva de dois ou mais Estados, que podem manifestar suas vontades expressamente nos tratados e tacitamente no costume internacional (MELLO, 2004).

Outra diferença entre as duas ordens jurídicas apontada por Triepel refere-se à estrutura das mesmas, pois, enquanto a interna está baseada em um sistema de subordinação - já que as regras internas são emanadas de um Estado, estando seus dependentes subordinados ao poder Estatal - a internacional se baseia na coordenação, já que não há subordinação entre Estados, em razão da igualdade formal entre estes (MAZZUOLI, 2004).

1 Registre-se que, quando foi feita a tese por Triepel somente os Estados eram considerados como

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Assim, em razão das diferenças apontadas, Triepel defende que uma norma internacional, para ser aplicada no âmbito interno do Estado, deverá ser transformada, primeiramente, em norma interna (ARIOSI, 2000; MELLO, 2004), ou seja, no ordenamento interno do Estado não será aplicado o tratado, e sim uma lei interna emanada do Poder Legislativo daquele Estado, que incorporará os preceitos constantes no instrumento do tratado ao ordenamento jurídico do Estado pactuante.

Corroboram com o exposto as lições de Anthony Aust, para quem

Under the dualist approach, the constitution of the state accords no special status to treaties; the rights and obligations created by them have no effect in domestic law unless legislation is in force to give effect to them.

[…]

With dualism the provisions of a treaty which have been incorporated into domestic law have the status only of domestic law, and can be amended or repealed by later legislation. (AUST, 2000, p. 150-151)2.

A concepção dualista de que o direito internacional e o direito interno são ordens jurídicas distintas e independentes tem origem no entendimento de que os tratados internacionais representam somente compromissos exteriores do Estado, sem que isso possa influir no ordenamento interno desse Estado (MAZZUOLI, 2004). Para os dualistas, o Estado partícipe de um tratado apenas obriga-se moralmente a incorporar os preceitos do tratado no seu ordenamento doméstico, porém, se não o fizer, será responsabilizado no plano internacional (MAZZUOLI, 2004)

Dionisio Anzilotti, partindo das lições de Triepel, defende um dualismo moderado, ao qual, em alguns casos, o direito internacional poderá ser aplicado sem a devida transformação (ARIOSI, 2004), desde que se entenda que a recepção da norma internacional: a) transforma o valor da norma que se faz jurídica na ordem interna; b) modifica os destinatários das normas, que deixam de serem os Estados para serem os indivíduos; e c) transforma o conteúdo da norma, dando-lhe eficácia nacional (MAZZUOLI, 2004).

O dualismo é fruto de um Direito Internacional Público em que predominam os tratados que regulam interesses recíprocos dos Estados, posto que no início do século XX, ainda estavam começando a surgir os tratados normativos, que visam

2 Para a teoria dualista, a Constituição do Estado contratante não atribui nenhuma posição especial

aos tratados; os direitos e obrigações criados por eles não causam nenhum efeito na legislação interna do Estado a menos que se faça uma lei interna com esta finalidade.

[...]

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estabelecer regras destinadas a regular as condutas das pessoas jurídicas privadas e dos indivíduos. São, neste sentido, as lições de Dallari (2003), para quem é

O dualismo reflexo de um Direito Internacional Público no qual predominavam normas de natureza eminentemente contratual, fixadoras de regras políticas de convivência entre Estados soberanos – como, por exemplo, aquelas voltadas ao estabelecimento de acordos de delimitação de fronteiras e de alianças militares ofensivas e defensivas. Ainda eram incipientes, nesses primórdios do século XX, os tratados de natureza marcadamente normativa, que depois passaram a prosperar, voltados à adoção de regras jurídicas uniformizadoras de padrões de conduta a serem observados pelos indivíduos e pessoas jurídicas de direito privado subordinados à soberania dos respectivos Estados contratantes no plano internacional. (2003, p. 9).

Da análise da teoria dualista, conclui-se que para esta o direto interno e o direito internacional são sistemas jurídicos distintos pois: a) emanam de fontes distintas, b) possuem destinatários diferentes, e c) e contêm campos de eficácia que não coincidem. Assim, é impossível a existência de conflito entre norma de direito interno e norma de direito internacional e, consequentemente, não há hierarquia entre o tratado e a norma interna. Desta forma, o único conflito que pode existir é entre uma norma internacional, após ter sido transformada em direito interno, com outra norma interna; e neste caso haverá duas normas internas conflitantes (MAZZUOLI, 2004; MELLO, 2004).

O dualismo permite que o Estado possa estar submetido a duas ordens jurídicas com comandos normativos contraditórios, pois, mesmo que conflitantes, as normas interna e internacional são válidas e eficazes, aquela no ordenamento interno do Estado e esta no plano internacional (MAZZUOLI, 2002).

Em oposição ao dualismo, surgiu a teoria monista, que defende a existência de uma única ordem jurídica, da qual fazem parte o direito internacional e o direito interno, que podem sem conflitantes, “e sendo assim, haveria uma norma hierarquicamente superior” (ARIOSI, 2000, p.61). É o que será analisado na próxima seção deste trabalho.

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1.1.2 A teoria monista e um novo problema: a hierarquia entre os tratados e as leis

A existência de duas ordens jurídicas distintas, válidas e eficazes, que possibilitam a existência de conflitos entre o direito interno e o internacional, para Hans Kelsen, é uma tese insustentável, pois, se as normas interna e internacional possuem vigência simultânea, não pode haver conflito entre elas, já que ambas se apoiam na vontade de um mesmo Estado, gerador de uma unidade jurídica (MAZZUOLI, 2004).

Ademais, se não possuem os indivíduos personalidade jurídica no plano internacional, posto não possuírem capacidade para agir internacionalmente, ou seja, não detêm os indivíduos capacidade para firmar tratados internacionais, é certo que os pactos internacionais cada vez mais possuem regras jurídicas de direito privado tendentes a uniformizar as condutas das pessoas jurídicas e indivíduos subordinados aos Estados contratantes (DALLARI, 2003; FRAGA, 2001).

A essência da teoria monista está no fato de que o tratado, uma vez concluído de acordo com a Constituição, passa a fazer parte do ordenamento jurídico que rege o Estado, podendo ser aplicado, sem necessidade da feitura de uma norma interna (AUST, 2000), ou seja, para os defensores da teoria monista o tratado sempre vigorará como tratado, não sendo necessária a sua transformação em direito interno, para ter eficácia no âmbito interno do Estado. Admite, assim, a teoria monista a possibilidade de conflito entre o tratado e a norma interna, e sendo assim haveria uma norma hierarquicamente superior (ARIOSI, 2000).

A teoria monista divide-se em duas vertentes: monismo internacionalista, que defende a primazia do direito internacional; e monismo nacionalista, que advoga a primazia do direito interno (MELLO, 2004).

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tem as suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, não estando, em consequência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. Assim sendo, o próprio fundamento do DI é a autolimitação do Estado [...]. (MELLO, 2004, p. 123, grifo nosso).

De acordo com o monismo com primazia do direito interno, não se reconhece

status supralegal à norma de direito internacional, ou seja, o tratado tem paridade

hierárquica com a lei interna, a qual poderá suspender a eficácia daquele; pois fundamenta-se na soberania absoluta do Estado.

Desta forma, o monismo com primado do direito interno conduz à negação do direito internacional, se identificando assim com o dualismo; pois, em razão da soberania do Estado, este poderá retirar a eficácia de um tratado em vigor, através da simples feitura de uma lei ordinária posterior (MELLO, 2004).

Corrobora o aduzido os ensinamentos de Xavier, para quem

O monismo com primado do direito interno conduz à negação pura e simples do direito internacional – assim se identificando com os dualistas -, pois parte, tal como estes, de uma idéia de recepção individual ou transformação material, para justificar o caráter paritário de ambos. O monismo de direito interno é, assim, uma manifestação do voluntarismo uni-estadual (de ZORN, WENZEL e JELLINEK, e da doutrina soviética). (XAVIER, 2007, p. 115).

A principal crítica a esta teoria consiste no fato de que esta nega a existência do próprio direito internacional como um direito autônomo e independente, eis que, para os monistas nacionalistas, o direito internacional é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional (MELLO, 2004). “Os monistas defensores da primazia do direito interno cultuam a Constituição” (ROSA, 2007, p.54-55), já que não há nenhuma norma hierarquicamente superior a esta, e é no texto constitucional que se deve encontrar o valor a ser atribuído às normas internacionais. O monismo nacionalista prima pela soberania absoluta e ilimitada do Estado e pela descentralização da sociedade internacional (ROSA, 2007).

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da pirâmide, a norma costumeira pacta sunt servanda do Direito Internacional

(MELLO, 2004).

Para o monismo, com primazia do direito internacional, o fundamento de validade da norma internacional está no princípio pacta sunt servanda, que

representa o dever do Estado em cumprir suas obrigações. Assim, para os defensores desta corrente

causa estranheza a própria discussão do problema da superioridade hierárquica das fontes internacionais de produção do direito, tendo em vista o princípio do direito consuetudinário pacta sunt servanda que tem como corolário a regra consagrada no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, segundo a qual nenhum Estado pode invocar as suas normas internas para se eximir ao cumprimento das suas obrigações internacionais. Princípio esse que, aliás, corresponde a uma regra de senso comum, pois de pouco ou nada valeria a celebração de um tratado se as suas disposições pudessem ser legitimamente modificadas ou revogadas por ação direta e unilateral de um dos Estados contratantes, sem obediência aos mecanismos próprios de denúncia ou renegociação previstos no Direito Internacional Público. (XAVIER, 2007, p. 109-110).

Conclui-se, então, advogar a teoria monista que o direito interno e o direito internacional fazem parte de uma única ordem jurídica, já que ambos se apóiam na vontade de um mesmo Estado (MAZZUOLI, 2004), assim, uma vez concluído o tratado, este passa a fazer parte do ordenamento jurídico que rege o Estado, sem necessidade de sua transformação em norma interna (AUST, 2000). Desta forma podem ser as normas interna e internacional conflitantes e, consequentemente, haverá uma norma hierarquicamente superior (ARIOSI, 2000). E é, no tocante à hierarquia da norma internacional em face da norma interna, que se divide a teoria monista em duas correntes: o monismo internacionalista, que defende a primazia do direito internacional; e o monismo nacionalista, que advoga a primazia do direito interno (MELLO, 2004).

Por outro lado, uma parte inovadora da doutrina, composta de nomes, como Valério Mazzuoli (2008a) e Luiz Flávio Gomes (2008), defende que, no tocante ao tema dos direitos humanos, as controvérsias existentes no ordenamento jurídico devem ser resolvidas colocando o homem em primeiro plano, visto que os direitos humanos, no mundo após a Segunda Guerra, passaram a se constituir em uma meta da sociedade internacional (MAZZUOLI, 2008a).

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a criação de direitos para o indivíduo (CRUZ, 2010), demonstram que, em algumas situações, as tradicionais perspectivas monista e dualista são insuficientes para solucionar o conflito entre normas internacionais e nacionais, pois, mais do que se saber se as ordens interna e internacional constituem ordens autônomas, ou se a norma internacional prevalece sobre o direito doméstico, o que deve ser buscado é a aplicação da norma mais favorável à dignidade do indivíduo, no caso concreto (CRUZ, 2010).

Dito isto, se examinará, a seguir, o princípio pro homine, como fundamento

para a aplicação da norma de direitos humanos mais benéfica ao indivíduo; bem como demonstrar-se-á ser o método diálogo das fontes uma ferramenta para se chegar a norma mais favorável à dignidade humana. Da mesma forma, analisar-se-á se realmente, no tocante aos direitos humanos, resta superada a dicotomia monista-dualista.

1.2 OS TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO PRO HOMINE

PARA ALÉM DO DEBATE MONISMO-DUALISMO: O MÉTODO DO DIÁLOGO DAS FONTES

Os horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial fizeram com que o mundo se voltasse para o desenvolvimento de um direito internacional dos direitos humanos visando à formação de um sistema de proteção internacional que pudesse impedir a ocorrência de novas violações aos direitos fundamentais do homem (CRUZ, 2010).

Como consequência, o princípio da dignidade da pessoa humana passa a ser positivado nas Constituições, após ter sido consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (CRUZ, 2010).

Na busca de garantir a proteção dos direitos humanos, encontra-se o princípio

pro homine, pois, se o fim maior do direito é o ser humano, deve-se aplicar o direito

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Em razão do princípio pro homine, “no plano material não há que se falar (ou

melhor: é irrelevante se falar) em hierarquia entre normas de Direitos Humanos” (GOMES, 2008, p.52), pois sempre deverá ser aplicado no caso concreto a norma que mais amplia o gozo de um direito, ou de uma liberdade, ou de uma garantia. Consequentemente, “materialmente falando, portanto, não é o status ou posição

hierárquica da norma que vale, e, sim, o seu conteúdo (porque sempre irá preponderar a que mais assegura o direito)” (GOMES, 2008, p. 52).

Desta forma, as normas que versam sobre direitos humanos, seja constitucional, seja internacional, ou infraconstitucional coexistem, lado a lado, e se comunicam uma com as outras, cabendo ao intérprete e aplicador do Direito eleger a que mais amplitude e eficácia conferem ao direito no caso concreto (GOMES, 2008).

Por isso, não é o caso de se falar em revogação de uma norma por outra, já que todas as normas de direitos humanos são vigentes, e é diante do caso concreto que deverá se aplicar o princípio pro homine buscando, ou seja, se aplicar a lei mais

favorável à pessoa humana (Gomes, 2008; MAZZUOLI, 2008a).

É cediço que as fontes do direito interno e do direito internacional são distintas, pois enquanto a norma interna decorre da vontade de um único Estado; o tratado internacional é gerado pela vontade de dois ou mais Estados, ou melhor, pela vontade de dois ou mais sujeitos internacionais com capacidade de contratar.

Em razão das normas que versam sobre direitos humanos coexistirem lado a lado, e se comunicarem uma com as outras, defendem Valério Mazzuoli (2008a) e Luís Flávio Gomes (2008) a aplicação do método diálogo das fontes “sempre que uma fonte jurídica esteja em conflito com outra fonte do direito, não importando a

hierarquia entre essas mesmas fontes” (MAZZUOLI, 2008a, p. 162, grifo do autor), como forma de se chegar a norma que mais assegure direitos ao indivíduo, no caso concreto, eis que tal método permite, inclusive, a aplicação conjunta da norma interna e internacional conflitantes.

A expressão diálogo das fontes foi criada por Erik Jayme, já sendo a técnica do diálogo das fontes aplicada a outros campos do Direito, como o Direito do Trabalho e o Direito do Consumidor (MAZZUOLI, 2008a).

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aplicada. Desta forma, deixa-se de ter uma única solução para todos os conflitos que envolvam as mesmas normas, para se permitir uma possibilidade plúrima de soluções, eis que não ficará o juiz restrito à aplicação de uma norma ou outra, pois, através do método diálogo das fontes, superar-se-á a exclusão de uma norma pela outra, simplesmente, permitindo que elas coexistam e convivam em harmonia e com coerência (MAZZUOLI, 2008a).

Após ter sido visto que o diálogo das fontes constitui um método de solução de conflitos que permite ao aplicador do direito utilizar a norma que dá ao princípio da dignidade humana maior consecução, se estudará os tipos de diálogos entre a norma interna e a internacional, que podem ser realizados através do método diálogo das fontes.

Segundo Mazzuoli, os diálogos entre as normas interna e internacional podem ser horizontais e verticais.

Os primeiros podem ser (a) sistemático de complementaridade e (b) de

integração. Os segundos podem ser (a) de inserção e de transigência. Os

diálogos horizontais ocorrem quando: a) a norma de direito constitucional é

mera repetição de um direito que já vem expresso em tratado internacional (diálogo sistemático de complementaridade), caso em que o valor extrínseco da norma convencional será o de ‘norma materialmente constitucional’, possuindo o poder de revogar todas as disposições internas em contrário; b) a norma internacional vem suprir lacunas existentes tanto na Constituição como em leis infraconstitucionais (diálogo de integração). Por sua vez, os diálogos verticais irão ocorrer quando: a) a norma internacional dispõe sobre direito não expressamente consagrado na Constituição, o que irá gerar sua inclusão no rol dos direitos constitucionalmente garantidos (diálogo de inserção); ou b) a norma internacional entra em choque frontal com uma disposição constitucional do direito interno, consagrando direito que vem disciplinado de modo diverso pela Constituição. (MAZZUOLI, 2008a, p. 250, grifo do autor).

Os diálogos horizontais não visam solucionar conflito agressivo de normas, e dividem-se em duas espécies, quais sejam: diálogo sistemático de complementaridade, e diálogo de integração.

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No diálogo de integração se buscará suprir a falta de norma jurídica interna a regular à proteção de um direito garantido por norma internacional, no caso concreto, “de modo a preencher eventuais vazios presentes no ordenamento interno, capazes de impedir ou dificultar aos indivíduos o acesso a uma proteção de direitos eficaz” (MAZZUOLI, 2008a, p. 180), e neste sentido dispõe o art. 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que estabelece que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (ANGHER, 2010, p. 147).

Um exemplo da aplicação do diálogo de integração está no julgamento do HC n° 70.389-5/SP pelo pleno do Supremo Tribunal Federal – STF, quando se definiu o significado de tortura para efeito da aplicação do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n° 8.069/90, que previa, antes de ser revogado pela Lei n° 9.455/97, que era crime submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura; através das convenções internacionais subscritas pelo Brasil, em especial a Convenção de Nova York sobre os Direitos da Criança de 1990, a Convenção contra a Tortura adotada pela Assembleia Geral da ONU de 1984, a Convenção Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena em 1985, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 (MAZZUOLI, 2008a).

Nos diálogos verticaisexistem conflitos agressivos entre o direito internacional e o direito interno, pois se tem o predomínio, no caso concreto, de um direito sobre o outro; sendo espécies de diálogos verticais o diálogo de inserção e o diálogo de transigência.

Defende Mazzuoli (2008a) que, através do diálogo de inserção, ter-se-á a inclusão de todos os direitos humanos previstos em tratados no rol dos direitos constitucionais garantidos, no entanto, este entendimento não pode ser mantido, após o acréscimo do § 3° ao art. 5° da Constituição Federal de 1988, pois, se entender que todas as normas de direitos humanos constantes nos tratados ratificados pelo Brasil sejam automaticamente incluídas no rol dos direitos constitucionalmente assegurados, torna sem qualquer efeito o parágrafo em comento (MELLO, 2004).

Assim, só é possível a aplicação do diálogo da inserção aos tratados de direitos humanos que possuam status de norma constitucional, quais sejam: a) os

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promulgação da Constituição de 1988, por terem índole constitucional, porque foram formalmente recebidos nessa condição em face do § 2° do art. 5° do texto constitucional (LAFER, 2005); b) os celebrados após a entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 45/2004 (BRASIL, 1988), e que foram aprovados nos molde do estabelecido pelo § 3° do art. 5° da Constituição Federal de 1988 (LAFER, 2005); e c) os incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 45/2004, por serem materialmente constitucionais, em razão do exposto no § 2° do art. 5° do texto constitucional (LAFER, 2005).

O diálogo de transigência deverá ser aplicado “quando o tratado de direitos humanos consagra determinado direito cuja execução é proibida pelo ordenamento interno” (MAZZUOLI, 2008a). No entanto, de acordo com a Constituição Federal de 1988, não é possível a aplicação do diálogo de transigência, quando a norma proibitiva é constitucional, e não ter sido o tratado de direitos humanos aprovado nos moldes estabelecidos no § 3° do art. 5° da Constituição Federal de 1988 (ANGHER, 2010, p. 28); pois em razão do princípio da supremacia da Constituição, “as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas, se se conformarem com as normas da Constituição Federal” (SILVA, 2009, p. 46). Assim, somente será possível o diálogo de transigência quando o tratado de direitos humanos tiver hierarquia de norma constitucional.

Com relação aos tratados de direitos humanos, em regra, estes não terão posição fixa na pirâmide normativa brasileira, pois, em razão do princípio internacional pro homine, deverá ser sempre aplicado no caso concreto a norma que

melhor assegure direitos ao indivíduo. E com esse objetivo serão realizados diálogos horizontais ou verticais entre a norma internacional e a norma interna.

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Não se pode falar na superação total em razão do princípio internacional pro homine das teorias monista e dualista, pois é necessário se saber a teoria adotada

pelo Estado, para poder se determinar as posições hierárquicas dos tratados de direitos humanos, no caso destes conflitarem com uma norma constitucional proibitiva.

Como se pode observar na seção 1.1, existem duas teorias clássicas que tratam da relação entre o direito interno e o direito internacional, a monista e a dualista, e dependendo da teoria adotada pela Constituição do Estado, poder-se-á falar ou não em conflito entre a norma interna e a norma internacional, eis que só haverá conflitos entre tais normas se o Estado adotar a teoria monista, quando então também haverá uma hierarquia entre a norma interna e a internacional, com a supremacia de uma norma sobre a outra (MAZZUOLI, 2004).

Quando, porém, se tratar de direitos humanos, haverá a superação, em regra, das teorias monista e dualista, pois, salvo no caso da norma interna proibitiva ser constitucional, deverá sempre se aplicar a regra que mais proteja o indivíduo, no caso concreto, em razão do princípio internacional pro homine. Neste intuito, deve se

aplicar o método diálogo das fontes, que possibilitará a aplicação conjunta das normas interna e internacional, ou permitirá a utilização tanto da norma interna como da norma internacional, eis que ambas serão consideradas válidas, não se tendo, assim, de forma fixa, a prevalência de uma norma sobre a outra.

É necessário se conhecer as teorias clássicas e o princípio pro homine, para

se determinar as posições hierárquicas que o tratado pode ocupar no ordenamento jurídico brasileiro. Porém - com exceção dos casos de direitos humanos em que é possível a aplicação da norma mais favorável ao indivíduo, e que impossibilita se fixar de forma rígida a posição hierárquica do tratado internacional no ordenamento jurídico brasileiro – sem o estudo da prática brasileira no processo de celebração de um tratado, não há como se aferir a hierarquia do tratado na pirâmide hierárquica normativa pátria.

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1.3 A PRÁTICA BRASILEIRA NO PROCESSO DE CELEBRAÇÃO DE TRATADOS

Reitera-se que o presente trabalho se limita a analisar os tratados concluídos com a observância das formalidades tradicionais, ou seja, não tratará dos acordos, em forma simplificada, ou acordos executivos, que são aqueles que não necessitam ser submetidos ao Poder Legislativo para a sua aprovação (MEDEIROS, 1995).

A Constituição Federal de 1988 prevê a possibilidade de ser firmado um acordo executivo sempre que este não acarrete encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Resek (1984, 2008a) leciona existirem duas hipóteses que permitem aos dispositivos constitucionais a feitura de acordos executivos, quais sejam: a) o acordo executivo como subproduto de tratado vigente, que somente visa especificar, detalhar, suplementar e interpretar as cláusulas de um tratado já vigente; e b) como expressão da diplomacia ordinária, pois, tendo em vista determinar o inciso VII do art. 84 da Constituição Federal de 1988 ser da competência privativa do Presidente da República “manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos” (ANGHER, 2010, p. 49), incumbe-lhe, por exemplo, estabelecer e romper relações diplomáticas; e decidir sobre a atuação dos nossos representantes nas organizações internacionais.

Corrobora com o acima exposto Cachapuz de Medeiros (1995), que leciona serem possíveis acordos em forma simplificada: quando se destinem a executar, interpretar ou prorrogar tratados preexistentes devidamente aprovados pelo Legislativo; e quando forem estritamente inerentes à rotina diplomática ordinária e puderem ser desconstituídos mediante comunicação à outra parte, sem necessidade de denúncia.

O processo solene e completo de celebração de tratados internacionais

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(mensagem ao Congresso – autorização parlamentar – adesão – promulgação). (MEDEIROS, 1995, p. 457-458).

No Estado Brasileiro, os tratados solenes até a sua conclusão devem passar por fases distintas: a) a das negociações onde os Estados e os demais sujeitos com capacidade para concluir tratados entabulam conversações visando à feitura da minuta do instrumento internacional a ser assinada pelas partes celebrantes, assim, findas as negociações, existe um projeto de tratado; b) a da assinatura, que não tem o condão de vincular juridicamente o Estado, sendo somente uma mera autenticação do texto convencional que põe fim às negociações; c) a da aprovação parlamentar, pois, em razão do disposto no art. 49, I da Constituição Federal de 1988, é da competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (ANGHER,2010, p. 43); d) a da ratificação ou a da adesão, no caso do tratado já existir, que são atos de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, segundo o art. 84, VII da Constituição Federal de 1988 (ANGHER, 2010, p. 49), por isso podem ser delegados, e que criam “um vínculo jurídico válido a obrigar o Estado no cenário internacional” (MAZZUOLI, 2004, p. 75); e e) a da promulgação, que, no Brasil, é feita por decreto do Presidente da República, e que tem como efeitos: tornar o tratado executório no plano interno, e constatar a regularidade do processo legislativo (MELLO, 2004).

Caso deseje o Brasil aderir a um tratado já existente, não haverá a fase das negociações e nem a da assinatura (MELLO, 2004).

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O Ministro das Relações Exteriores, assim como o Presidente da República, também é considerado plenipotenciário, ou seja, prescinde da apresentação de carta de plenos poderes, para negociar as cláusulas de um tratado; também goza dessa prerrogativa o chefe da missão diplomática, isto é, o embaixador ou encarregado de negócios, porém somente para a negociação de tratados bilaterais entre o Estado acreditante, que, no caso é o Brasil, e o Estado acreditado, que será o que recebeu a missão diplomática brasileira (REZEK, 1984, 2008).

Ao requerer a autorização parlamentar para ratificar ou aderir a um tratado, o Presidente da República enviará Mensagem ao Congresso Nacional acompanhada do texto do tratado e de Exposição de Motivos, que contém as razões que levaram à assinatura do tratado internacional, seguidas de análise do conteúdo do mesmo (MEDEIROS, 1995).

Na fase da aprovação parlamentar, o texto do instrumento internacional é submetido às duas Casas do Congresso, devendo ser aprovado em cada uma das Casas, por maioria relativa, ou seja, deve ser aprovado pela maioria dos parlamentares presentes na sessão legislativa no dia da votação, pois, em razão de inexistir “regra expressa e específica destinada à apreciação de tratados, aplicam-se à matéria as disposições do art. 47 da Constituição” (DALLARI, 2003, p. 90). Após ser aprovado o texto, será expedido o decreto legislativo autorizando o Chefe do Poder Executivo a ratificar o tratado, não havendo a participação do Presidente da República na feitura de tal decreto, eis que é o decreto legislativo a espécie normativa que regula matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional.

Corrobora com o exposto sobre o decreto legislativo Alexandre de Morais, para quem o

Decreto legislativo é a espécie normativa destinada a veicular as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, previstas, basicamente, no art. 49 da Constituição Federal.

[...]

Não haverá participação do Presidente da República no processo legislativo de elaboração de decretos legislativos, e consequentemente, inexistirá veto ou sanção, por tratar-se de matérias de competência do Poder Legislativo. (MORAIS, 2008, p.690).

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discricionariedade do Presidente da República, segundo Cachapuz de Medeiros, se justifica em razão de que “passado algum tempo da assinatura do acordo internacional, podem ter mudado as circunstâncias políticas, e a nova conjuntura não recomendar mais o engajamento do Estado (1995, p. 469).

A não ratificação do acordo internacional pelo Estado não gerará qualquer ilícito internacional para tal Estado, bem como não há norma costumeira assinalando um prazo máximo para a ratificação, podendo, porém, o texto do próprio tratado estipular prazo para a ratificação do pacto pelo Estado (REZEK, 1984). Mas, após ratificado, o tratado se torna obrigatório para o Estado, pois “a ratificação é ato privativo do Presidente da República, pelo qual este confirma às outras partes, em caráter definitivo, a disposição do Estado de cumprir um tratado” (MEDEIROS, 1995, p. 468).

Neste sentido são os ensinamentos de Aust, para quem

Signature of a treaty imposes no obligation to ratify although, as already mentioned, a state should refrain from signature if it has little intention of ratifying.

[...]

It is not usual to set a deadline for raticication, and some multilateral treaties are ratified (or acceded to) many decades later.

[...]

An instrument of ratification has to be signed on behalf of the state. The international practice is for this to be done as for full power, that is, by the head of state, head of government or foreign minister (‘the Big Three’), depending on the constitution and practice of each state. (AUST, 2000, p. 83, 85)3.

No plano internacional, um tratado entra em vigor no instante em que os Estados signatários se comunicam reciprocamente sobre a existência dos instrumentos de ratificação, podendo a notificação ocorrer com a troca ou depósito dos instrumentos de ratificação (MEDEIROS, 1995). Contudo, mesmo antes da troca, depósito ou notificação dos instrumentos de ratificação ou de aceitação, o

3 A assinatura de um tratado não impõe a obrigação de ratificação do mesmo, embora, como já

mencionado, o Estado deva abster-se de assinar o tratado, se ele tem pouca intenção de ratificá-lo. [...]

Não é usual se determinar um prazo para a ratificação, e alguns tratados multilaterais são ratificados (ou aceitos formalmente) muitas décadas depois.

[...]

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tratado já pode ser aplicado provisoriamente até a sua entrada em vigor, se as partes assim convierem (MELLO, 2004, p. 233).

Assim como uma lei já existe, desde a sua sanção ou veto rejeitado, o tratado internacional já existe, desde a sua ratificação pelo Poder Executivo (MAZZUOLI, 2004). A promulgação não faz o tratado, mas os efeitos deste somente se produzem depois da publicação daquela (SILVA, 2009). O ato de promulgação tem, desta forma, como conteúdo, a presunção de que o tratado promulgado é válido, executório e potencialmente obrigatório (MORAIS, 2008).

Entretanto, somente com a promulgação publicada, o tratado se torna eficaz, ou seja, capaz de produzir efeitos (SILVA, 2009). A publicação é condição para o tratado entrar em vigor no Estado e tornar-se eficaz, pois constitui instrumento pelo qual se transmite a promulgação aos destinatários do tratado (SILVA, 2009).

Assim, o tratado é obrigatório, em virtude da ratificação; executório, em face da promulgação; e aplicável, em consequência da publicação do decreto de promulgação (FRAGA, 2001).

Celso de Mello (2004) entende que a promulgação não tem qualquer fundamento constitucional, sendo uma prática que remonta a nossa independência; leciona, porém, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que “perfeito o ato normativo, qualquer que seja ele, antes que se torne eficaz, há de ser promulgado e publicado” (1995, p. 176). Desse modo, o parágrafo 7° do artigo 66 da Constituição Federal de 1988 refere-se à lei em sentido amplo, ou seja, a todo e qualquer ato normativo, se devendo aplicar ao tratado a obrigatoriedade da promulgação (FRAGA, 2001; FERREIRA FILHO, 1995).

A obrigatoriedade da promulgação e publicação do tratado - por meio de decreto do Presidente da República, que é instrumento próprio segundo o art. 84, IV da Constituição Federal de 1988 (ANGHER, 2010, p. 49) para a exteriorização dos atos privativos do Chefe do Poder Executivo – também, decorre do art. 37 do texto constitucional que prevê ser o princípio da publicidade indispensável aos atos administrativos (DALLARI, 2003).

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de decurso do prazo previamente assinalado, a ser contado a partir do momento em que esse patamar obrigatório é alcançado (DALLARI, 2003). Mas, o tratado só produzirá efeitos jurídicos no território brasileiro, após ser promulgado e publicado através de decreto presidencial (FRAGA, 2001), pois é na data da publicação do decreto presidencial de promulgação do tratado que, em regra, iniciará a sua vigência, salvo se outra foi a data assinalada no decreto (DALLARI, 2003).

O estudo das correntes doutrinárias que tratam sobre a relação do direito interno com o direito internacional realizado na seção 1.1 da presente dissertação tornou possível se reconhecer as características das teorias monista e dualista, bem como as consequências geradas pela adoção de uma ou outra corrente por um Estado.

Na presente seção do trabalho, por sua vez, foi examinado o procedimento de incorporação de um tratado ao direito brasileiro; tendo sido analisadas as fases percorridas por um tratado, que tenha como Estado pactuante o Brasil, até a sua conclusão; e demonstrado em que consiste cada fase, bem como o que ocorre em cada uma das fases percorridas pelo pacto internacional.

Restou demonstrado ser necessário, no Estado brasileiro, a participação dos poderes Legislativo e Executivo na feitura de um tratado, pois, apesar de ser competência privativa do Presidente da República firmar tratados internacionais, estes só podem ser ratificados após autorizados pelo Congresso Nacional.

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1.4 AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Inexiste consenso entre os doutrinadores brasileiros sobre qual a teoria adotada pela Constituição Federal de 1988, pois, enquanto Alberto Xavier (2007) e Mirtô Fraga (2001) defendem ter o texto constitucional adotado a teoria monista, é a teoria dualista defendida, por exemplo, por Nádia de Araújo (2008) e Almícar de Castro (2008). E ainda existe quem entenda não ter na Constituição Federal de 1988 qualquer orientação acerca de uma direção, seja esta monista ou dualista, como Mariângela Ariosi (2000), apesar da mesma advogar a favor da teoria monista internacionalista.

O presente trabalho visa demonstrar que, ao tratar da relação existente entre o direito interno e o direito internacional, adota a Constituição Federal de 1988 a teoria monista; pois em vários artigos refere-se ao tratado e à lei federal, assim para a Constituição Federal de 1988 tratado não é lei. Transcrever-se-ão abaixo alguns dos artigos que corroboram com o aqui exposto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[...]

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

[...]

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; [...]

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional,

observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.(ANGHER, 2010, p. 23, 28, 52, 70, grifo nosso).

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em seu art. 178 (ANGHER, 2010, p. 70) determina que a lei federal observe os tratados existentes; bem como declara, em seu o art. 102 (ANGHER, 2010, p. 53), que o STF pode declarar um tratado inconstitucional, ou seja, explicitamente a Constituição Federal de 1988 determina que os tribunais apliquem o tratado como tratado e não como lei.

Este também é o entedimento de Fraga, para quem

Ao aplicar a norma convencional, o Poder Judiciário aplica o próprio tratado (Direito Internacional) e não o direito nacional (o produzido, apenas, pelos órgãos internos) em que supostamente se tenha transformado por via do decreto de promulgação. (2001, p. 127).

Ademais, tratado e lei são normas diferentes, pois têm processos de elaboração diversos e, para a conclusão do primeiro, é indispensável a vontade concordante de, pelo menos, um outro sujeito internacional com capacidade para celebrar o pacto, enquanto a lei em sentido estrito – ato normativo elaborado pelo Poder Legislativo, com a sanção do Executivo - emana de fonte interna, dos Poderes Legislativos e Executivo (FRAGA, 2001).

E como já dito, a promulgação não transforma o tratado em lei interna (DALLARI, 2003; FRAGA, 2001; XAVIER, 2007), pois, ¨pela promulgação, o Chefe do Poder Executivo apenas declara, atesta, solenemente, que foram cumpridas as formalidades exigidas para que o ato normativo se completasse¨ (FRAGA, 2001, p. 64), ou seja, a promulgação somente vai atestar que o tratado internacional percorreu todas as fases previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro, para a sua conclusão, e preencheu as formalidades exigidas para a sua feitura.

A promulgação, por decreto do Presidente, visa atestar que a ordem jurídica foi inovada, e que o tratado deverá ser cumprido. Assim, a promulgação incide sobre um ato perfeito e acabado, e por tal motivo não gera a transformação do tratado em lei interna, conforme defendem os dualistas.

Reitera-se que, diversamente do defendido por Rezek (1984) e Celso de Mello (2004), é o decreto presidencial de promulgação requisito exigido pelo art. 48, IV da Constituição Federal de 1988 (ANGHER, 2010, p. 49), pois é através do decreto executivo que é “incorporado o ato internacional à legislação interna” (MEDEIROS, 1995, p. 470). A publicação do decreto de promulgação é também exigência constitucional, posto que é “o art. 37 da Constituição, peremptório ao assinalar a imperatividade do princípio da publicidade para os atos da administração

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presidencial de promulgação do tratado é o meio hábil para assinalar a vigência do tratado internacional na ordem jurídica brasileira (DALLARI, 2003; XAVIER, 2007).

Deste modo, “uma vez em vigor no território nacional, o tratado incorpora-se automaticamente ao direito brasileiro, sem a necessidade de edição de lei interna que lhe reproduza o conteúdo” (DALLARI, 2003, p. 87).

O tratado, também, se diferencia da lei interna, quanto à sua forma de extinção, pois, se tratado fosse lei interna, não poderia o Executivo revogá-lo por meio da denúncia (MELLO, 2004). Ademais, a lei pode ser vetada pelo Executivo, podendo, porém, o Legislativo derrubar tal veto; já um tratado aprovado pelo Congresso poderá não ser ratificado pelo Executivo, e nada poderá fazer o Poder Legislativo (MELLO, 2004).

O parágrafo 3° do art. 5° do texto constitucional (ANGHER, 2010, p. 28), ao declarar que os tratados de direitos humanos aprovados observando as regras ali previstas serão equivalentes a emenda constitucional, reforça a ideia de que o tratado e a norma interna são coisas desiguais.

Desta forma, os argumentos apresentados nesta seção demonstram cabalmente que tratado e lei interna são coisas distintas, e que o tratado vigora no direito pátrio como tratado, eis que não há a necessidade de sua transformação em uma lei interna para poder ser aplicado, de onde se conclui ter a Constituição Federal de 1988 adotado a teoria monista, vigorando, no direito brasileiro, os tratados e as leis internas.

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2 A HIERARQUIA DOS TRATADOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No primeiro capítulo desta dissertação restou demonstrado que a Constituição Federal de 1988 adota a teoria monista, desta forma, se admite a possibilidade de conflito entre o tratado e a lei interna (XAVIER, 2007).

E por não haver no direito internacional positivo, norma assecuratória do primado do direito das gentes sobre o direito nacional do Estado, é forçoso admitir que as posições hierárquicas dos tratados no ordenamento jurídico de um Estado é decidida pelo próprio Estado, assim deve-se procurar, nas normas internas, qual a hierarquia do tratado dentro do seu ordenamento jurídico (REZEK, 2008).

Neste contexto, os textos constitucionais nos quais há disposição sobre as relações entre o direito interno e o direito internacional podem ser, segundo Mirtô Fraga, divididos em quatro grupos distintos

No primeiro, estão aqueles que estabelecem a adoção global da regra do Direito Internacional pelo direito interno, sem contudo, instituir a primazia de uma sobre a outra. O segundo grupo, aceitando a cláusula da adoção global, dá supremacia ao Direito Internacional. No terceiro, estão os que acatam o sistema da incorporação obrigatória, mas não automática. Finalmente, no quarto grupo, compreendem-se aqueles, cuja Constituição, submetendo o Estado ao Direito Internacional, não trata, porém, da integração deste no direito interno. (FRAGA, 2001, p.15).

São exemplos de Constituições que se enquadram no primeiro grupo, ou seja, que estabelecem a adoção global da Regra do Direito Internacional pelo direito interno, sem estabelecer, porém, primazia de qualquer deles a da Argentina de 1853 (art.31); a da Alemanha de 1919 (art. 4°); a da Áustria de 1920 (art. II, 5.3); a da Coréia do Sul de 1948 (art. 7°) (FRAGA, 2001).

Já as Cartas da Itália de 1948 (art. 10); da Holanda (art. 66), da Espanha de 1931 (art. 65) se enquadram no segundo grupo, pois, aceitando a cláusula de adoção global, determinam a supremacia do Direito Internacional (FRAGA, 2001). No quarto grupo encontram-se as Constituições da Inglaterra, de Israel, que não são escritas; da Suíça, de 1874, e da França, de 1875 (FRAGA, 2001).

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2.1 A POSIÇÃO DOS TRATADOS DIANTE DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA CONSTITUCIONAL

O princípio da supremacia da Constituição afirma ser esta a fonte inicial de todos os direitos, deveres e garantias, tendo, por atribuição precípua, servir como fundamento de validade de todas as demais normas que compõem o ordenamento jurídico de um Estado (SANTOS, 2008).

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu corpo normativo, mais precisamente em seu art. 102 (ANGHER, 2010, p. 53), o instituto do controle de constitucionalidade, que visa garantir a efetiva adequação das normas inferiores ao texto constitucional, retirando a aplicabilidade das normas infraconstitucionais que sejam contrárias aos princípios e regras nela inseridos, ou seja, serve o controle de constitucionalidade para defender a supremacia constitucional contra as inconstitucionalidades (SILVA, 2009).

Na alínea “b” do inciso III do art. 102 da Constituição Federal de 1988, (ANGHER, 2010, p. 53) consta, expressamente, se encontrar o tratado internacional passível de ser objeto de controle de constitucionalidade perante o STF.

Desta forma, a Constituição Federal de 1988 optou pelo primado da Constituição em detrimento do pacta sunt servanda, que tem como corolário a regra

contida no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (XAVIER, 2007), que determina que “um Estado-parte de um tratado não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado” (MAZZUOLI, 2008b, p. 465); eis que prevê a possibilidade do tratado internacional ser objeto do controle de constitucionalidade, o que demonstra serem, em regra, os tratados internacionais hierarquicamente subordinados à Constituição Federal de 1988.

Neste sentido, é o voto-vista do Ministro Celso de Mello lavrado no HC 87.585/TO, no qual este declara ter

porirrecusável, de outro lado, asupremacia da Constituição sobre todos

os tratados internacionais celebrados pelo Estado brasileiro, inclusive

aqueles que versarem o tema dos direitos humanos, desde que, neste último caso, as convenções internacionais que o Brasil tenha celebrado (ou

a que tenha aderido) importem em supressão; modificação gravosa ou

restrição a prerrogativas essenciais ou a liberdades fundamentais

Referências

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