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2.1 O FEDERALISMO – ANTECEDENTES HISTÓRICOS

2.1.1 O federalismo como pacto

2.1.1.1 As Relações Intergovernamentais (RIGs)

O compartilhamento é estabelecido por meio de relações intergovernamentais, as quais são atividades ou interações que ocorrem entre unidades governamentais de todos os tipos e níveis dentro do sistema federal, bem como entre dois governos que interagem para o desenvolvimento ou execução de políticas públicas (WRIGHT,

1988). Segundo Licio (2012), as relações intergovernamentais estão intimamente ligadas ao federalismo, mas não restritas a ele.

A origem do termo relações intergovernamentais, segundo Wright (1988), ainda não foi identificada. De acordo com esse autor, o termo RIGs foi utilizado inicialmente na década de 1930 nos Estados Unidos, com o advento do New Deal11, a partir das políticas de bem-estar social12 como forma de diminuir os efeitos econômicos e sociais da crise de 192913 e referia-se às interações entre as instâncias de governo como resposta à crise supracitada.

Para Sano (2008), o estudo das RIGs passou a fazer mais sentido na América Latina a partir da década de 1980, quando diversos países da região iniciaram processos de descentralização.

Os governos subnacionais, que muitas vezes eram meramente unidades administrativas subordinadas à esfera central, ganharam maior autonomia e passaram a estabelecer relacionamentos mais autônomos tanto com o governo central como com outras esferas subnacionais. Ou seja, isso ocorreu na passagem de um modelo mais centralizado e hierárquico para uma configuração em que os diferentes níveis de governo passaram a elaborar e a assumir suas políticas, emergindo aí o problema da coordenação federativa (SANO, 2008, p. 47).

Segundo Wright (1988), as relações intergovernamentais são consideradas mecanismos importantes dentro da dinâmica do federalismo e possuem algumas características fundamentais, tais como: o número e a variedade de unidades governamentais, ou seja, duas ou mais unidades governamentais devem interagir para a definição das políticas, permitindo que haja, dependendo dessa interação,

11 O New Deal, ou novo acordo, foi o nome dado à série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana.

12 Estado de bem-estar social, Estado-providência ou Estado social é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nessa orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país, em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com o país em questão.

13 É considerado o pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX. Este período de depressão econômica causou altas taxas de desemprego quedas drásticas no produto interno bruto de diversos países, na produção industrial, preços de ações e praticamente em todo medidor de atividade econômica, em diversos países no mundo.

maiores ou menores conflitos na sua execução, sendo também importante o número e a variedade de autoridades envolvidas (políticos e burocratas) nessa dinâmica.

A intensidade e a regularidade dos contatos entre essas autoridades governamentais permitem o fortalecimento dessas relações dentro de espaços de negociação. Além disso, a importância das ações e atitudes das autoridades governamentais para a elaboração e implementação/execução das políticas, ou seja, as opções políticas nesse movimento de elaboração/implementação e execução das políticas públicas, podem definir o sucesso ou não de determinada política. Essas opções políticas devem permitir a visibilidade nas questões relacionadas ao financiamento para a implementação das políticas.

Nessa perspectiva, segundo Sano (2008), algumas características teorizadas por Wright (1988) acima podem ser condensadas e formar um único grupo constituído por: unidades governamentais, atores e financiamento. Esse grupo de características, conforme Sano (2008), relaciona-se com a divisão de poder em uma federação, ou seja, a maior ou menor concentração de poder numa dada esfera acaba por influenciar na interação entre os atores.

Tomando por base o entendimento de que o modelo de federalismo relaciona- se com a ideia de relações intergovernamentais (ELAZAR; WATTS, 2011), é pertinente apontar alguns aspectos institucionais que, segundo Pierson (1995), devem ser considerados na análise de políticas públicas na perspectiva das RIGs, quais sejam: a reserva de poderes específicos para as unidades federativas; a representação dos interesses das partes no centro; o grau de comprometimento da equalização fiscal; e os dilemas do shared-decisionmaking (relacionamento interdependente).

O primeiro aspecto (reserva de poderes específicos para as unidades federativas) relaciona-se com a ideia de que as unidades federativas são autônomas e podem desenvolver políticas próprias, antecipando, em alguns momentos, as políticas públicas, ou seja, um determinado serviço pode ser oferecido antes que outra esfera de governo o faça. Uma vez que essa política avança para uma gradual institucionalização, dificulta a coordenação federativa, pois pode acontecer uma sobreposição ou ausência de ações em determinado território. Essa sobreposição ou ausência de ações leva à competição entre as esferas de governo na definição de quem seria o responsável pela oferta dos serviços públicos.

No segundo aspecto (representação dos interesses das partes no centro), ressaltam-se o Congresso Nacional como espaço privilegiado para as disputas intergovernamentais no processo de formulação das políticas públicas e, ainda, a dinâmica das relações dentro dos ministérios, dos conselhos tripartites, que são arenas de disputas importantes, permitindo que as unidades subnacionais influenciem nas decisões do centro.

O grau de comprometimento da equalização fiscal corresponde ao terceiro aspecto e trata da capacidade financeira dos entes federados. Com relação a esse ponto, pode-se afirmar que a forma como os recursos financeiros são distribuídos limita ou não a capacidade financeira dos entes federados e a implementação dos serviços sociais.

O quarto aspecto aborda os dilemas do shared-decisionmaking (relacionamento interdependente) e refere-se à tomada de decisões em conjunto entre as esferas de governo e a necessidade da coordenação de tarefas e poderes compartilhados entre os níveis de governo mediante acordos para que se torne menos conflituosa a operacionalização das políticas. Desse modo, as RIGs são favorecidas ou prejudicadas a partir dos aspectos acima mencionados.

Abrucio (2005) destaca que fórmulas cooperativas mal dosadas podem trazer problemas quando são confundidas com a verticalização, que resulta mais em subordinação do que em parcerias. Segundo Kugelmas e Sola (1987), a ausência de mecanismos cooperativos (equalização fiscal, definição das competências de cada ente) nas relações entre os entes federados contribui para a efetivação de um federalismo predatório14 e não cooperativo. Nessa perspectiva, as relações entre a União e as instâncias subnacionais estabelecidas dentro de um mesmo espaço territorial (Estados e Municípios) definem a existência de um federalismo mais cooperativo ou mais competitivo.

No entanto, Abrucio (2005) ressalta que as federações necessitam de determinadas formas de competição entre os níveis de governo. Essas formas de competição podem favorecer a busca pela inovação e pelo melhor desempenho das

14 Caracteriza-se pela ausência de mecanismos cooperativos mais eficazes entre a União e os Estados e na relação estabelecida entre estes, ou seja, não cooperativo de relações intergovernamentais. Esse tipo de federalismo predatório é proveniente de conflitos em torno dos recursos a serem atribuídos a cada ente e pela guerra fiscal entre estados que buscam atrair investimentos mediante mecanismos de renúncia tributária, principalmente na isenção de impostos (ABRUCIO, 2005).

gestões locais, considerando que os eleitores podem comparar o desempenho dos vários governantes. Ainda de acordo com o autor,

a concorrência e a independência dos níveis de governo tendem a

evitar os excessos contidos na “armadilha da decisão conjunta”, bem como o paternalismo e o parasitismo causados por certa dependência em relação as esferas superiores de poder (ABRUCIO, 2005, p. 3).

Mesmo defendendo que a competição pode favorecer inovações, Abrucio (2005) destaca que, no terreno das políticas sociais, essa competição pode trazer efeitos negativos, como a redução de políticas de combate à desigualdade, além de estimular a guerra fiscal. Esse autor adverte que o desafio é encontrar caminhos que permitam a melhor adequação entre competição e cooperação, procurando ressaltar seus aspectos positivos em detrimento dos negativos, de modo que haja um equilíbrio entre as formas de cooperação e de competição existentes.

Diante desse contexto, consideramos que há a necessidade de se estabelecer relações intergovernamentais, buscando a diminuição de conflitos competitivos em todos os níveis de governo mediante o diálogo permanente, a fim de facilitar que a União exerça, de fato, o papel da coordenação federativa, respeitando a autonomia dos entes em uma relação de interdependência recíproca.

Desse modo, as relações intergovernamentais exercem um papel crucial na elaboração e implementação/execução de políticas públicas, evitando que haja uma sobreposição de ações dos entes. Nesse movimento, é importante pontuar que, de fato, a União precisa exercer a coordenação federativa sem ferir a autonomia desses entes. Essa assertiva é, sobremaneira, um grande desafio aos países que implantaram o modelo de federalismo cooperativo, a exemplo do Brasil.