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AS REPRESENTAÇÕES DO BABAÇU E DOS BABAÇUAIS E A INVISIBILIDADE DO TRABALHO CAMPONÊS

1 QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU: DE UMA EXISTÊNCIAINVISIBILIZADA À UMA ATUAÇÃO LEGITIMIDA

1.1 AS REPRESENTAÇÕES DO BABAÇU E DOS BABAÇUAIS E A INVISIBILIDADE DO TRABALHO CAMPONÊS

O geógrafo e historiador Correia de Andrade afirma que, apesar de sua presença e abundância em território maranhense, o babaçu nem sempre teria despertado interesse econômico, pois muitos dos cronistas que nos primeiros séculos de colonização brasileira escreveram sobre o estado não chegaram sequer a fazer menção ao recurso. Segundo ele, uma exceção à regra teria sido Frei Francisco Nossa Senhora dos Prazeres, patrono da cadeira número 12 do Instituto Histórico e Geográfico Maranhense que, ao publicar o livro

babaçu denominando-o de palmeira e ressaltando que tal recurso produzia cocos oleaginosos e palmito utilizados na alimentação (CORREIA DE ANDRADE, 1987, p. 88-89).

Contudo, uma análise mais atenta de diferentes registros permite chegar à conclusão de que Frei Francisco Nossa Senhora dos Prazeres não foi uma simples exceção. Ao contrário do que sugere Correia de Andrade (1987), observa-se que há um conjunto documental diversificado de evidências, composto por relatos de viajantes, missionários, cronistas e/ou poetas, que apontam para a existência e a importância do babaçu. A abundância das palmeiras de babaçu em terras maranhenses já era percebida no início do século XVII. Claude D’Abbeville (2002, p. 212), capuchinho francês que fez parte da missão vinda ao Maranhão por ocasião da expedição de La Ravardière em 1612, não resistiria em descrever a “Ilha do Maranhão” como “um jardim de palmeiras”, simbolicamente, “um campo de vitória”.

As palmeiras, mais do que outras árvores, aí predominam, podendo dizer-se que é um jardim de palmeiras, e como a palma é o emblema da vitória, direi, e com propriedade, ser esta Ilha em comparação com outros lugares um verdadeiro campo de vitória por não haver um inimigo que a possa vencer, ficando sempre vencedora e desassombrada de seus inimigos.

Ao descrever as construções indígenas, D’Abbeville (2002, p. 185) atentaria para os usos da palmeira, destacando que as aldeias da chamada Ilha Grande “não passam de quatro casas, feitas de paus grossos, ou de estacas, cobertas de cima até embaixo de folhas de palmeira chamada pindó (pindoba) que se encontra em grande abundância nos bosques, e bem dispostas, ou arranjadas na casa, resistem muito à chuva”.

Ao chegar ao Maranhão em 1619, o português Simão Estácio da Silveira, tornado um importante nome da história colonial maranhense, fizera alusão ao fruto da palmeira, “coco do tamanho de uma grande laranja oblonga, tendo quatro amêndoas”, e que seria muito apreciado entre os portugueses que no Maranhão brindavam o vinho de palma. Na época, dizia-se que esse vinho “faz-se geralmente da palmeira de babaçu, a mais comum, e cujo o palmito sobremodo suculento é, ainda cru, saboroso” (SILVEIRA, 2001, p. 49; 68).

Com o intuito de elaborar um histórico da palmeira de babaçu, o estatístico e doutor em ciências físicas e naturais, Alpheu Diniz Gonsalves (1955, p. 71), apontou em seu trabalho, elaborado na primeira metade da década de 1950, algumas referências feitas a esse recurso vegetal. Destacou a publicação do livro Poranduba Maranhense de Frei Francisco, em 1820, também citado por Correia de Andrade (1975) duas décadas mais tarde. Assinalou que, em 1823, o naturalista Martius tomou conhecimento apenas do fruto, referindo-se a ele em sua obra Palma Brasilienses. Mostrou ainda que, em 1839, no Pará, outro naturalista, Dr.

Ladislau Baena havia se reportado ao valor alimentício das amêndoas do babaçu. E que, em 1854, o Dr. Eduardo Olympio Machado realizou uma apresentação sobre a palmeira de babaçu na Assembleia Provincial do Maranhão.

Frei Francisco Fernandes Pereira, que ficou conhecido como Frei Francisco Nossa Senhora dos Prazeres, chegado ao Maranhão logo depois de receber seu hábito franciscano em Portugal no ano de 1712, descrevendo árvores e plantas medicinais em seu livro

Poranduba Maranhense, destacava que na região “existem matas de palmeiras muito

extensas”. Através de seu relato, é possível observar que já no início do século XVIII eram múltiplos os usos desse recurso natural, particularmente na alimentação e na habitação. “Palmeira, planta pouco diferente do coqueiro, não produz tamaras, mas sim uns côcos pequenos xeios d’amendoas oleosas, que se comem”. Essa “planta emquanto pequena xama- se pindobeira, as suas folhas proximas ao olho xamam-se pindoba, e servem para cobrir cazas como tambem para côfos [...] esteiras etc.” Além disso, “o olho mais tenro da pindobeira denomina-se palmito, e come-se, guizado como repolho” (PEREIRA, 1890, p. 157).

Chegando a este ponto, é importante destacar, de um lado, que as práticas e representações instituintes do babaçu parecem apontar para uma história que se desenrolaria numa longa duração, na qual certos usos, especialmente aqueles relacionados à alimentação, se tornariam permanentes. Ao mesmo tempo, também será possível observar que há amplas variações nos usos e sentidos atribuídos a esse recurso natural ao longo dos anos e de acordo com contextos específicos: se, ao que tudo indica, de início, de diferentes modos, os grupos socialmente dominantes, como os portugueses, fariam usodesse recurso natural, o mesmo não aconteceria nos séculos seguintes, quando o produto passaria a ser manipulado sobretudo por camponeses e pela população rural em geral.

No final do século XIX, o crescente processo de queda econômica dos dois principais produtos de exportação do Maranhão, o algodão e a cana-de-açúcar, representaria o início da exploração comercial da amêndoa do babaçu (AMARAL FILHO, 1990, p. 72). Desde a segunda metade daquele século, indústrias de óleo e sabão começaram a fazer uso do babaçu, embora as fábricas maranhenses de extração de óleo não fossem exclusivamente voltadas para a industrialização do produto.

Além disso, anúncios em jornais atestam que o babaçu já era produto de comercialização desde o final do século XIX. Alguns deles se ocuparam mesmo em descrever como se dava o processo de quebra do coco e quais mecanismos eram utilizados para facilitar e garantir a extração da amêndoa com qualidade. Nesta direção, uma notícia de 1891 no jornal

O coco babaçú é de difícil conducção por ser muito pesado. Os anunciantes preferem comprar a vianda e para facilitar a extração desta lembrão que depois de ter uma ruma de cocos basta chegar-lhe um pouco de fogo (coivara) para então quebrá-los com presteza e facilmente extrair a vianda que com a acção do calor se desprede das paredes adherentes (PACOTILHA, 15/06/1891, p. 3).

A exemplaridade da notícia também se revela na ocultação de possíveis camponeses envolvidos nas atividades. Primeiro, observa-se que os sujeitos únicos do processo são o “coco babaçu”, afinal o que importa salientar é que não são as pessoas que têm dificuldade de conduzir o coco, mas é o próprio coco que é de difícil condução e, particularmente, os “anunciantes” (comerciantes). Estes destacam a importância do uso do fogo, elemento que tornaria a extração da amêndoa algo “facilmente” realizável. Embora em relação aos cocos se observe que seria necessário “quebrá-los com presteza”, não é relevante informar quem os quebraria de tal modo perspicaz.

No Maranhão, data de 1867 a primeira notícia de que se tem conhecimento acerca da exportação de babaçu, que foi realizada pela Firma Ribeiro e Hoyer, do comendador português João Pedro Ribeiro e do dinamarquês Martins Hoyer. Três navios foram despachados do estado com destino a Liverpool levando babaçu em casca como parte do carregamento. Como a Inglaterra ainda não tinha conhecimento sobre o produto e não possuía equipamento capaz de extrair a amêndoa, o babaçu não encontrou lugar no mercado inglês (MARANHÃO, 1942, p. 5). Assim, devido principalmente à falta de maquinário, todo o produto foi jogado ao mar como algo inaproveitável e a exportação teria constituído enorme prejuízo para a firma maranhense (GONSALVES, 1955, p. 69-70).

Já a primeira exportação de babaçu em amêndoas teria sido realizada em 1911 (MARANHÃO, 1942, p. 5). Na ocasião, o único mercado receptor do produto foi o de Hamburgo, na Alemanha, e apenas uma firma ficou responsável pela sua exportação que, naquele período, ainda era empregada em pequena escala (MARANHÃO, 1942, p. 5-6).

Importante lembrar que, até então, o comércio dos frutos do babaçu não refletiria nem mesmo nas legislações de concessões de terras devido a dois motivos principais: a) os frutos do babaçu só possuíam valor para as populações camponesas; e b) a maioria das áreas de babaçu se encontravam nas grandes fazendas, tomadas pela cultura de algodão e cana de açúcar nas regiões maranhenses dos Cocais, Cerrado e Baixada (SHIRAISHI NETO, 1998, p. 28). E, mesmo figurando como um produto importante para a economia familiar das áreas pobres e rurais do estado, o babaçu só mereceu maior atenção de economistas, empresários, comerciantes, e do próprio governo estadual a partir do início do século XX. A partir desse

período, o produto passou a ser alvo de diversos acordos comerciais e começou a ser mais intensamente divulgado nos meios impressos.

Assim, embora já no final do século XIX fosse visível a importância econômico- comercial do babaçu, esse produto só veio a assumir grande vulto no mercado local e nacional a partir do século XX. Nesse mesmo período, o Maranhão era decantado por poetas e cronistas como a “Terra das Palmeiras” e, em diferentes periódicos, tornaram-se comuns notícias sobre o babaçu, como anúncios de compra e venda, denúncias de furtos do coco em comércios e consequentes queixas à polícia, e registros de exportação do produto. Além de matérias com esse tipo de conteúdo, tornou-se significativa a participação de comerciantes e setores do Estado na promoção do que se denominava de “economia do babaçu”, quando se produziu um considerável número de obras sobre esse produto e sua importância para a região19.

Amaral Filho (1990) apresenta três fases do extrativismo do babaçu, quais sejam: uma primeira, referente ao período de autoconsumo do babaçu, na qual os produtores rurais exploravam o coco para uso próprio; uma segunda, caracterizada pelo valor de troca adquirido pela amêndoa do babaçu, quando sua produção assumiu um caráter social; e, uma terceira fase, iniciada quando a indústria local de transformação da amêndoa teve sua capacidade produtiva ampliada. O autor argumenta que a primeira fase corresponde a todo o período de ocorrência do babaçu em território maranhense. A segunda fase teria se iniciado com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, embora não desconsidere trocas comerciais que tenham existido anteriormente. Nessas trocas, as casas comerciais tinham grande importância como centros reguladores de exportações do babaçu e importações de outros produtos, pois possuíam pequenos postos de compra nos núcleos produtores de babaçu a fim de captar a produção dos mesmos. A terceira fase foi alavancada a partir da década de 1950 e seria marcada pela implantação local de várias usinas produtoras de óleo, firmas comerciais, filiais de empresas industriais do centro-sul, com vistas a adquirir a matéria-prima necessária. Nesta fase, embora a indústria passasse a controlar os mecanismos de beneficiamento do conjunto das atividades (o financiamento, a produção e a comercialização), ela manteve a cadeia de produção e comercialização pré-estabelecida, baseada, respectivamente, nos camponeses e nos intermediários.

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Ver, dentre outros jornais de época, PACOTILHA (15/6/1891), DIÁRIO DO NORTE (19/04/1940), O IMPARCIAL (3/3/1941) e JORNAL PEQUENO (8/4/1954), além de artigos, revistas e livros referentes à economia do babaçu, dentre os quais, ABREU (1929); GONSALVES (1955); REVISTA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO MARANHÃO (1937); e MARANHÃO (1942).

Mas, como sublinha o próprio autor, aquela divisão não pode ser considerada estanque e muito menos linearmente. De acordo com Amaral Filho (1990), a passagem de uma fase para a outra seria caracterizada pela sobreposição lenta de uma etapa sobre a outra.

No início do século XX, parte das dificuldades econômicas do Maranhão foi sanada pela preponderância que o babaçu assumiu com sua expansão no mercado, ao lado da proeminência dos tecidos de algodão da indústria local20. Ainda assim, as firmas comerciais maranhenses ainda ocupavam modesta posição em relação aos outros estados do país. Com o advento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a consequente escassez mundial de óleos vegetais, as exportações do estado ganhariam maior impulso, destacando-se sobretudo o babaçu. Esse impulso foi bastante significativo em nível nacional e, durante esse período, os maiores compradores do produto para a fabricação de óleo comestível eram Rio de Janeiro e São Paulo (LACROIX, 2004, p.18-19, 104).

De fato, o babaçu passou a ser intensamente estudado do ponto de vista econômico a partir de 1914, com o despontar da Primeira Grande Guerra (GONSALVES, 1955, p. 71) quando o produto obteve expressão no mercado, tendo sua importância econômica ampliada, especialmente na indústria alimentícia e de combustíveis e lubrificantes.

Em 1929, o químico e geógrafo brasileiro Sylvio Fróes Abreu publicou uma foto de um “exemplar novo de babaçu”, uma pindobeira/pindoveira localizada no município de Coroatá, na microrregião de Codó e na mesorregião Leste Maranhense,aparentemente disponível para as pesquisas científicas sobre o babaçu que estavam sendo levadas a cabo naquele período (Ver figura 4).

Com achegada do século XX, tornaram-se comuns exaltações das palmeiras de babaçu devido ao seu potencial econômico. Livros, revistas e jornais foram sendo produzidos e tiveram como característica a acentuação da proeminência do babaçu para a economia maranhense. As palmeiras passaram a ser lembradas em discursos de letrados como referência ao poeta romântico maranhense Gonçalves Dias21. Desde sua morte, em 3 de novembro de 1864, e sobretudo ao longo da primeira metade do século XX, coincidente com o processo de valorização econômica do babaçu, comemorava-se o aniversário de falecimento do poeta (BARROS, 2006). Nessas ocasiões, as palmeiras eram frequentemente lembradas, a exemplo

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Em meados do século XIX, o Maranhão era uma das maiores economias do Brasil, entrando em crise econômica no final daquele século. Sobre a expansão das fábricas de tecido no Maranhão da virada do século XIX ao século XX e a atuação das mulheres nessas fábricas, ver CORREIA (2006).

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Na tentativa de construção da identidade nacional sob o patrocínio do Estado Imperial, no início do século XIX, uma série de intelectuais e poetas maranhenses (cujo principal expoente é Gonçalves Dias) começou a se destacar no plano nacional. Por causa dessa cultura inclinada às letras, a região recebeu (ou se deu) o aposto de “Atenas Brasileira”, símbolo este que seria, particularmente, nos dois primeiros terços do século XX, frequentemente reatualizado no Maranhão. Ver, por exemplo,BARROS (2010).

do que ocorrera em 1940, quando, no jornal O Globo, lembrava-se da morte de Gonçalves Diasem um naufrágio próximo à ilha de São Luís, quando retornava da Europa.

[...] O epilogo de sua existencia foi a tragedia inevitavel do seu proprio destino. Morreu como os titans. Foi o choque de duas imensidades. O oceano foi o seu tumulo, de onde resurgiu depois, a Harpa afinada pela voz do mar, que susurra nas cordas evocadoras de um passado, ou retine, maviosa na garganta do sabiá nessa

palmeira legendaria do sólo brasileiro (O GLOBO, 1940, grifo meu).

Figura 4: Um exemplar novo de babaçu em Coroatá

Fonte: ABREU (1929, s/p)

Os babaçuais constituíam riqueza de todo o solo brasileiro e a referência a eles era inequívoca. Poetas, cronistas, jornalistas e representantes do governo aparecem nos registros como exaltadores de uma herança maranhense, uma herança preciosíssima que ganha lugar nas palmeiras de babaçu espalhadas por todo o estado (Ver figura 5).

Figura 5: Vista de um palmeiral à margem do rio Mearim

Fonte: ABREU (1929, s/p)

Em 1936, na poesia “Babassú”, lembrava-se que, ao cantar liricamente o Maranhão como “a terra das palmeiras”, Gonçalves Dias pensara não só como poeta, mas também como “profundo sociólogo” que captara “o fenômeno econômico de nossa terra”:

o lyrismo de Antonio Gonçalves Dias cantando o Maranhão como a terra das palmeiras a traduziu, nos rythmos dessa canção tão formosa como lapidar os suaves encantos naturaes do Maranhão, abarcou, no entanto, com a sua visão de profundo sociologo o phenomeno economico de nossa terra” (TRIBUNA, 26/06/1936, p. 6).

O Maranhão, o destaque à sua riqueza natural, consubstanciada na palmeira de babaçu, e a referência a Gonçalves Dias pareciam então se mesclar na Ode ao Maranhão, de Oliveira Roma, um poeta vinculado ao simbolismo, teatrólogo, jornalista e jurista, nascido no município maranhense de Chapadinha:

Formoso Maranhão,

Cuja brisa ás palmeiras beija a palma, Escuta, paternal, a vibração

Das cordas de minha alma! [...]

- Nobre terra de mártires e sábios – Que, ao lembrá-los, me exalto da pureza Do próprio coração,

Que se escapa, em sorrisos, pelos lábios. [...]

Canta! Vibra! Trabalha! Sempre avante Como poeta e guerreiro entusiasmado, Na volúpia da glória fulgurante

Dos dias luminosos Passado! (O GLOBO, 28/07/1940)

O fato é que no século XX registra-se um vasto conjunto de imagens e representações acerca da palmeira de babaçu e de seu fruto. As representações de poetas e cronistas vão da beleza natural ao potencial econômico dos babaçuais.

O Maranhão é realmente a terra da palmeira, mas, sobretudo, da palmeira de babaçu. A onda vêrde desses palmeiraes, num milagre da natureza, invade-lhe quazi todo o território; cresce, soberba, da linha litoranea até os entrepostos mais rijos dos sertões, alastre pela baixada e chega a imnundar o Maranhão numa das mais estupendas prodigalidades da Providência dadivosa. (TRIBUNA, 26/06/1936, p. 6)

O babaçu seria, portanto, “a maior fonte de nossa riqueza da hora actual”, constituindo “o ouro fosco com que se equilibra a economia do Estado”. Por essa razão, lamentava-se não haver capital suficiente para sua industrialização, a qual se acreditava seria a tábua de salvação para soerguer a economia maranhense (TRIBUNA, 26/06/1936, p. 6).

Enfim, as palmeiras, além de fonte de riqueza, tornaram-se símbolos do Maranhão. O estado era constantemente exaltado como a terra das palmeiras, e os novos poetas lembravam e atualizavam o poeta maranhense Gonçalves Dias, em sua famosa Canção do Exílio: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / As aves que aqui gorjeiam / Não gorjeiam como lá...”. Até nas interpretações marcadamente econômicas, referentes aos babaçuais, é comum encontrar-se linhas poéticas e românticas nas quais as palmeiras são percebidas como elemento constitutivo da própria identidade/cultura do Maranhão. De fato, as representações da natureza se sobrepõem às das ações dos homens e mulheres sobre ela.

Observa-se, ainda, que como duas faces de um mesmo movimento, o processo de valorização econômica e comercial do babaçu – guiado especialmente por governantes e empresários22 – e a construção simbólico-cultural do Maranhão como a Terra das Palmeiras foram acompanhados pela obliteração simbólica ou pela tentativa de exclusão efetiva dos

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Nessa “economia do babaçu”, observam-se cálculos, promessas de governantes e expectativa de lucros para a indústria. Pelo menos desde os anos 1920, um dos grandes desejos dos economistas e governantes era ter acesso a “um aparelhamento”, uma “máquina de quebrar” o fruto, para dinamizar e “tornar real” a economia do babaçu (ABREU, 1929; REVISTA DA ACM, 1937; MARANHAO, 1942; ESCOBAR FILHO, 1943), entendido como o “Eldorado do Maranhão” (MARANHAO, 1942, p. 10).

camponeses diretamente envolvidos com a coleta e quebra do babaçu. Esse processo de exclusão social e simbólica do trabalho humano desse quadro de representações do babaçu se consolidaria de modo mais marcante na segunda metade do século XX, com as propostas políticas de “modernização” e mecanização do campo brasileiro, que também chegaram, com suas especificidades, às áreas rurais maranhenses.

Nos primeiros anos do século XX, desenvolveram-se várias zonas de produção de amêndoas por todo o estado, fazendo com que uma firma tomasse a iniciativa de doar instrumentos de trabalho (machados-foice) aos agroextrativistas para facilitar a extração das amêndoas (MARANHÃO, 1942, p. 6). Era o babaçu intensificando sua participação no âmbito dos produtos relevantes para o mercado. Na época, as principais regiões produtoras de babaçu no Maranhão eram a chapada de Pinheiro e o município de Penalva, localizado na zona do Pindaré (MARANHÃO, 1942, p. 5, 6).

Logo após a Primeira Guerra, as exportações de babaçu ganharam um novo vigor, principalmente no mercado externo europeu (AMARAL FILHO, 1990, p. 65). Nos anos 1920, o babaçu já figurava como um produto importante na pauta de exportações do estado.

Na prática, os coletores e quebradores de coco assumiam uma posição importante nessa economia maranhense em expansão. Porém, essa posição de destaque não foi reconhecida pelo Estado, um dos principais investidores no babaçu. Desse modo, os trabalhadores extrativistas envolvidos com a coleta e quebra do coco continuaram invisíveisno processo oficial de expansão da economia babaçueira. Se, por um lado, havia um incentivo para a produção desses trabalhadores através da doação de ferramentas de trabalho, por outro, não demoraria para que a forma de produção artesanal dos agroextrativistas fosse contestada, colocada à prova e vista como potencial, necessária e desejavelmente substituível por um maquinário pronto a exercer seu ofício com maior eficiência.

Assim, ainda que indispensáveis à manutenção de uma economia do babaçu, os