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2. FACTORES DEMOGRÁFICOS E PSICOSSOCIAIS NA DIABETES MELLITUS

2.1. Representações/Cognições de Doença

2.1.1. As Representações de Doença na Diabetes

A percepção dos sintomas funciona como o contacto inicial que o doente tem com a sua doença. Aquando do diagnóstico, a diabetes tipo 2 raramente se faz anunciar através de sinais ou sintomas, de modo que facilmente passa despercebida. Deste modo, o diagnóstico desta doença crónica, surge abruptamente sem quaisquer sintomas, sendo a sua identidade baseada em cognições, emoções e mensagens sociais tal como em várias doenças oncológicas. Já com a diabetes diagnosticada, a percepção dos sintomas diários que alertam para a autogestão de forma a manter os valores de glicemia dentro dos limites desejáveis, constituem um bom exemplo de auto-regulação.

Hampson (1997), faz alusão às representações de doença e autogestão da diabetes, apresentando uma breve revisão bibliográfica, sobre as diferentes perspectivas teóricas nas cognições de saúde, dando ênfase ao modelo de auto-regulação de Leventhal (1984). Neste artigo, Hampson (1997), descreve como Leventhal e seus colaboradores ilustram o modo como as representações de doença influenciam a interpretação dos sintomas e a procura de cuidados médicos na identificação inicial da doença e como este modelo continua a representar um papel importante, depois do diagnóstico inicial da diabetes.

A representação dos sintomas pode ser um factor determinante nas decisões de autogestão da diabetes. Apesar da alteração significativa dos níveis de glicose no sangue poder causar sensações desagradáveis no doente, a verdade é que estes podem ter dificuldades em associá-las especificamente a hipo ou hiperglicemia. Provavelmente se esta alteração nos níveis de glicose originasse sinais e sintomas distintos e fiáveis, a autogestão da diabetes seria muito mais fácil, pois os diabéticos saberiam, monitorizando somente os seus sintomas, quando deveriam tomar medidas para aumentar ou diminuir o seu açúcar no sangue. Embora alguns estudos (Gonder, Frederick & Cox, 1990 e 1991, cit. por Hampson, 1997) apontem para que os doentes insulino-dependentes (tipo 1) apresentem conhecimentos que lhes permitem distinguir com alguma fiabilidade estados de hipo ou hiperglicemia, estes podem precisar de algum treino para reconhecer a associação entre o que eles sentem e o seu nível de glicose no sangue. Quanto aos diabéticos não insulino-dependentes, os estudos sobre a percepção dos sintomas são mais escassos e alguns apontam para o facto de que, apesar dos níveis de glicose estimados e baseados na percepção dos sintomas possam estar relacionados com os níveis efectivos, estas estimativas são demasiado imprecisas para a auto-regulação. Um outro aspecto importante referenciado por Cox e colaboradores (1987, cit. por Hampson,

glicose pelo receio de um episódio de hipoglicemia grave que pode causar acidentes, coma e hospitalização. Estas crenças e emoções acerca dos sintomas podem levar a que, deliberadamente, o indivíduo mantenha os seus níveis de glicose acima do desejável de modo a evitar episódios de hipoglicemia (Cox et al, 1986, cit. por Hampson, 1997; Surwit, Feingloss & Scovern, 1983).

As crenças acerca das causas da doença podem ser estudadas através da teoria da atribuição. Esta classifica as crenças acerca das causas em atribuições internas versus atribuições externas, que variam na estabilidade e globalidade. Na atribuição interna da causalidade, esta está localizada na pessoa, podendo envolver culpabilização. A atribuição externa localiza-a essencialmente em factores externos ou factores ambientais. O conhecimento das crenças etiológicas que o indivíduo possui, pode ser útil ao profissional de saúde para compreender as dificuldades no processo adaptativo à doença. Se o doente associa as causas da sua patologia a comportamentos menos correctos da sua parte, apresentará um sentimento de culpa que poderá dificultar o seu processo adaptativo, enquanto que se as causa forem atribuídas à sorte, destino ou forças divinas, a aceitação será mais resignada, embora penalizando o controlo da situação (Llor et al., 1995).

Hampson e colaboradores (Hampson, Glasgow & Foster, 1995, cit. por Hampson, 1997; Hampson, Glasgow & Toobert, 1990), baseados no modelo da auto-regulação de Leventhal, estudaram as representações da diabetes perguntando aos doentes com diabetes não insulino-dependentes, acerca das suas atribuições causais. Numa amostra de 81 pessoas, 68% espontaneamente mencionaram a hereditariedade. Cerca de metade dos participantes também atribuíram responsabilidades ao stress (53%), ao peso (58%) e à dieta (55%). Embora 62% dissessem que contribuíram de algum modo para o desenvolvimento ou agravamento da sua diabetes, 43% da amostra auto-culpabilizaram-se e 57% não culpou ninguém. Estes diabéticos pareciam ter bons conhecimentos acerca das possíveis causas da sua doença e mostraram uma variabilidade considerável acerca da auto-culpa. Este estudo aponta para que as crenças sobre a culpabilidade não estão fortemente relacionadas com a autogestão da diabetes (como já anteriormente referido). A autora alerta ainda para o facto que as crenças da causa inicial possam ser mais importantes nas doenças agudas do que nas doenças crónicas.

Relativamente às crenças acerca do decurso da doença, estas parecem ser potenciais preditoras da autogestão da doença crónica e os diabéticos maioritariamente acreditam que a sua diabetes é crónica, sem hipótese de cura.

A componente do tratamento consiste em crenças, sentimentos e emoções associadas à gestão e controlo das implicações da doença, mais que da sua cura. Bandura (1977) na sua teoria cognitiva social, define expectativas de eficácia, como as crenças no desempenho de

comportamentos específicos e expectativas de resultado (cit. por Hampson, 1997). Na autogestão da diabetes, a auto-eficácia refere-se à crença acerca da sua própria capacidade em seguir a recomendação do regime (dieta, exercício, medicação e teste à glicose). As expectativa de resultados são crenças acerca do efeito que estes comportamentos terão no controlo da diabetes, na qualidade de vida ou no modo como as pessoas se sentem. São ainda referenciados por Hampson (1997) alguns estudos de Hurley e Shea (1992), e Kavanagh, Gooley e Wilson (1993), que apontam que as crenças de auto-eficácia são preditivas de vários aspectos de autogestão da diabetes, particularmente a dieta e o exercício.

Yardley e colaboradores debruçaram-se sobre o conhecimento das percepções de tratamento e alertam para que um importante factor de adesão à medicação é a crença nas suas possibilidades de restituir o estilo de vida normal. Um outro factor está relacionado com o facto do medicamento ser ou não percepcionado como nocivo (Yarldley, Sharples, Beech & Lewith, 2001).

As diferentes perspectivas teóricas nas cognições de saúde, assim como a abordagem de Leventhal, permitiram demonstrar que as pessoas têm uma variedade de crenças acerca da sua diabetes, algumas das quais estão associadas à adesão aos regimes de tratamento e comportamentos de autogestão.

O modelo de auto-regulação do comportamento em saúde de Leventhal (SRM) também pode ser útil na compreensão da não adesão intencional, pois se a adesão é perspectivada como sendo uma estratégia de coping, então o modelo prevê que a decisão em seguir as recomendações médicas será influenciado pelas representações que o doente tem da sua doença e pela sua visão sobre as indicações do tratamento (Horne, 1997). Deste modo, o SRM enfatiza o papel central que as representações de doença têm nas decisões de adesão.