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5. SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

5.2. AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO FIOS SIMBÓLICOS

O antropólogo norte-americano, Clifford Geertz, foi responsável pela elaboração de um conceito semiótico de cultura. Seus ensaios representam uma proposta de se limitar, reforçar e conter o conceito de cultura em uma dimensão justa que assegure a sua importância e utilização, pois, ela assim como outros conceitos não explica tudo que é humano, apesar de explicar alguma coisa. Este autor critica a concepção ampla e eclética das teorias sobre cultura lxix.

Geertz compreende a cultura, fundamentando-se em Max Weber, como uma teia de significados construídos pelos homens na qual, os mesmos se encontram amarrados e a Antropologia como uma ciência interpretativa à procura de significados e não uma ciência experimental. Segundo o autor

A explicação interpretativa- e trata-se de uma forma de explicação e não de algum tipo de glossografia exaltada- concentra-se no significado que instituições, ações, imagens, elocuções, eventos, costumes- ou seja, todos os objetos que normalmente interessam aos cientistas sociais- têm para seu ‘proprietários (p. 37) lxx.

Geertz tenta formular conceitos para explicar como um povo ou grupo de indivíduos fazem sentido para si mesmo, e após tornar claro este processo, procura explicações para a ordem social, para a mudança social e mesmo para o funcionamento

psíquico de modo geral. Sua pesquisa é orientada para os traços particulares dos grupos que os distinguem uns dos outros. Os objetivos, entretanto, são amplos e se pautam em procurar “identificar com que materiais é feita a experiência humana” (37) lxxi.

A cultura seria a responsável pela produção humana dos seres humanos através da construção de significados. É este universo simbólico que forma um sistema de signos embrenhado de elipses e silêncios os quais compete ao etnógrafo apreender lxxii. Para Geertz

Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível- isto é, descritos com densidade (p.24) lxxiii.

A importância da cultura não reside em apresentar uma dimensão objetiva ou subjetiva, mas sim, como uma ação simbólica na sua capacidade de comunicação, pois ela é pública e consiste em estruturas de significado socialmente estabelecidas. As próprias condições materiais de existência, ou para o marxismo, os meios de produção e a infra- estrutura são produções culturais, somente apresentando sentido a partir de um esquema cultural específico lxxiv.

Com isso a cultura está presente em todos os diversos locais habitados pelos seres humanos, mas a Antropologia somente existe no livro, já que ela é uma fabricação que tem ou deveria ter sua qualidade avaliada pelo quanto ela consegue descrever o que uma determinada cultura deseja comunicar. A etnografia assim é a elaboração de uma descrição densa lxxv.

A descrição densa constitui-se enquanto uma leitura (uma construção) de um texto que somente o grupo de ‘nativos’ tem acesso de primeira mão, sendo o etnógrafo um hermeneuta que procura interpretar o que este texto deseja comunicar e o objeto da etnografia um sistema de signos embrenhado de elipses e silêncios a serem apreendidos.

Ela apresenta quatro características. A descrição é primeiramente interpretativa; em segundo lugar ela interpreta o fluxo do discurso social da extinção, em terceiro lugar ela fixa o ‘dito’, ou seja, os significados em formas pesquisáveis; e, em quarto ela é microscópica e incompleta lxxvi.

Para Geertz é possível elaborar descrições de grande escala, mas estas são e devem ser construídas a partir do conhecimento extensivo de assuntos extremamente minúsculos.

Com isso o autor coloca a necessidade de se superar o modelo do ‘microscósmico’ de que uma aldeia seja a representação em miniatura de uma sociedade que a engloba, pois o etnógrafo estuda na aldeia e não a aldeia, como também a noção de ‘laboratório natural’ já que não existe nenhum parâmetro que possa ou deva ser controlado na realidade cultural, sendo mais importante, na pesquisa antropológica, a sua especificidade complexa, sua circunstancialidade, que permite pensar os megaconceitos que afligem as ciências sociais. Por isso sua Teoria da Interpretação Cultural propõe tornar possíveis descrições minuciosas de forma a generalizar dentro delas e não codificar regularidades abstratas lxxvii.

Sua teoria não é assim, profética, como pretendia o evolucionismo, bem como não procura abarcar todas as instituições sociais para somente, dessa forma, conhecer um grupo, como propõe o funcionalismo, já que seu objetivo é descobrir o ‘dito’ do discurso social lxxviii.

Geertz, também, admite que é impossível uma objetividade completa, mas argumenta que esta condição não pode significar um completo abandono ao subjetivismo, como também levar ao estudo dos homens sem conhecê-los concretamente, como acontece com o estruturalismo de Lévi- Strauss lxxix.

Por outro lado, para superar os impasses provocados pela perspectiva marxista na Antropologia e a crítica de esteticismo da antropologia não engajada, Geertz coloca que reconhece a existência de mecanismos políticos e econômicos de repressão dos homens. Segundo este autor para superar esta questão o etnógrafo não pode bloquear sua visão e seu papel que é de um interessado temporário sobre aquela cultura. É preciso que a etnografia mergulhe nos dilemas existenciais, mas não para responder às questões humanas mais profundas, e sim para colocar à disposição dos homens as respostas que outros diferentes grupos deram a uma realidade, ampliando, assim o acervo sobre o que foi dito pelo homem

lxxx

.

Neste arcabouço teórico, é possível afirmar que as representações sociais constituem sistemas simbólicos elaborados por um grupo para a compreensão de suas próprias experiências lxxxi.

Como afirma Geertz ao estudar a Briga de galo Balinesa

O que coloca a briga de galos à parte no curso ordinário da vida, que a ergue do reino dos assuntos práticos cotidianos e a cerca com uma aura de importância maior, não é, como poderia pensar a sociologia funcionalista, o fato de ela reforçar a discriminação do status (esse reforço não é necessário numa sociedade em que cada ato proclama essa discriminação), mas o fato de ela fornecer um comentário metassocial

sobre todo o tema de distribuir os seres humanos em categorias hierárquicas fixas e depois organizar a maior parte da existência coletiva em torno dessa distribuição. Sua função, se assim podemos chamá-la, é interpretativa: é uma leitura balinesa da experiência balinesa, uma estória sobre eles que eles contam a si mesmos (p.315-316) lxxxii.

As representações são um conjunto de padrões culturais, isto é, sistemas organizados de símbolos significantes que governam o comportamento do homem. Não são um ornamento da existência humana, mas constituem uma condição essencial e a base principal da especificidade da vida humana. Como argumenta Geertz

Nossas idéias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais- na verdade, produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades e disposições com as quais nascemos, e, não obstante manufaturados (p.62) lxxxiii.

As representações sociais, assim, são parte do curso ordinário da vida e fornecem um comentário metassocial sobre os dilemas comuns e extraordinários dos indivíduos, sobre como a sociedade é construída e como esta construção é vivida.

É a partir destes pressupostos que será tratado o conceito de lazer estabelecido como a categoria nuclear desta pesquisa.