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7. SOBRE O RURAL E AS RURALIDADES: DE ESSENCIALIZAÇÕES PARA

7.1. OS CULTURALISTAS NORTE-AMERICANOS E SUAS PROPOSTAS

Anterior a discussão sobre o que significaria a realidade rural e as próprias ruralidades, os estudos sobre a realidade não-urbana na área da antropologia estiveram interessados na compreensão e definição sobre o que seria o campesino.

Esta problematização inicia-se em finais de 1940, com o trabalho de Kroeber e sua conceitualização de sociedades camponesas como:

Los campesinos são definitivamente rurales a pesar de vivir em relacion com los mercados aldeanos; formam um segmento de clase e uma ploblación mayor que abarca generalmente centros urbanos y a veces hasta capitales metropolitanas. Constituyen sociedades parciales com culturas parciales. Carecen Del aislamiento, autonomía política y autarquía de los grupos tribales; pero sus unidades locales conservan sua vieja identidad, integración y apego a La tierra y a los cultivos (p. 47) ccxxxvii

.

A partir da definição de Kroeber foram desenvolvidos os primeiros trabalhos culturalistas norte-americanos sobre o campesinato, especialmente, o campesinato latino- americano. Esta atenção se justifica pelo fato de que, o campesinato latino-americano, notadamente o mexicano, guatemalteco e andino, que concentram as atenções norte- americanas, apresentam uma origem indígena, distinguindo-se de outros tipos de campesinato, como o europeu ccxxxviii.

O primeiro impulso nos estudos campesinos que utilizou esta concepção foi o trabalho de Robert Redfield. A investida nos estudos sobre o campesinato pela antropologia representava na ótica deste autor um desafio para a própria antropologia que tinha inicialmente como único objeto de estudo as sociedades primitivas. A construção do campesinato como objeto de estudo pelos antropólogos norte-americanos teve, assim, como elemento comparativo as sociedades primitivas. Uma vez que estas sociedades foram compreendidas como sistemas simples, fechados e isolados, a problematização do campesinato implicou na necessidade de considerar as relações entre o campo e a cidade, entre camponeses e elite, entre comunidade e Estado ccxxxix.

Para Redfield a aldeia camponesa seria tão incompleta que não poderia ser descrita como uma estrutura social, sendo necessário ao estudá-la, visualizar suas relações externas. Estas relações não eram visualizadas por este autor de forma dialética. A partir de uma visão funcionalista, Redfield e seus seguidores não visualizam o capitalismo como um determinador da reprodução camponesa. Ele identificava três sistemas de relações sociais que possibilitam descrever a sociedade camponesa em sua conexão com a sociedade civilizada. O primeiro seria o campo de base territorial que inclui povoados e a vizinhança e onde se desenvolvem as relações mais pessoais. O segundo seria o mercado e o terceiro a rede de relações sociais que ultrapassa a base territorial ccxl.

Assim, “A partir do ponto de vista de que a aldeia camponesa é incompleta, Redfield propõe um modelo de análise que ultrapasse os limites da aldeia, e que deveria conduzir, não ao estudo da aldeia, mas ao sistema maior que a engloba: a sociedade feudal, a região complexa, o estado nacional (p.43)” ccxli.

Redfield tomou a comunidade camponesa enquanto uma categoria genérica, de forma a construir uma cultura campesina que pudesse ser encontrada em todas as sociedades humanas, por meio da identificação de certa visão de mundo, uma série de atitudes e hierarquias de valor ccxlii.

Uma proposta semelhante já tinha sido desenvolvida anteriormente em 1930, quando o autor tinha proposto compreender o processo de desorganização e reorganização da cultura Tepoztlan no México sob o lento crescimento da influência da cidade. Aquele estudo representava a pesquisa dos tipos gerais de mudança por meio do qual o homem primitivo tornava-se o homem civilizado, ou seja, o rústico tornava-se urbano. Para Redfield “The culture of Tepoztlán appears to represent a type intermediate between the primitive tribe and the modern city (p.217)”ccxliii.

Os estudos de Redfield produziram uma reação imediata neste “ramo da antropologia” e condicionaram o desenvolvimento de inúmeros trabalhos nos anos 1950 e início dos anos 1960 que procuravam se contrapor a sua proposta totalizante. Os antropólogos enfatizaram neste momento, os aspectos dinâmicos internos, estruturais e funcionais da comunidade campesina tomados como variáveis independentes que elaborariam as variáveis dependentes entendidas como os elementos específicos da “Pequena Tradición” ccxliv.

Como aponta Powell (1974): “Em términos amplios, los antropólogos confrontaron las comunidades locales com las culturas mayores y más complejas dentro de las cuales se encontraba La comunidad campesina, empleando dicotomías de tipo Gemeinschaft- Gesellschaft, cerrado-abierto, o mecânico-orgánico (p.48)” ccxlv.

Nestes estudos as sociedades camponesas se caracterizavam por ser a combinação entre pequena tradição, isto é, os grupos isolados e autônomos e a grande tradição, isto é, as elites urbanas. Como a permeabilidade seria um aspecto marcante deste tipo de sociedade, existiria um grau de influência significativo e variável da grande sobre a pequena tradição a partir das formas e da intensidade possíveis ao poder externo ccxlvi.

O segundo impulso da literatura campesina, que utilizou os conceitos de Kroeber, aconteceu paralelo aos trabalhos de Redfield, em fins dos anos 1950 e início dos anos

1960, por meio dos estudos de Julian Stewar e seus discípulos que focalizaram seus esforços nas características laborais do campesinato ccxlvii.

Para esta tendência a agricultura campesina apresentava uma configuração singular, o que implica em deslocar a ênfase mais à economia agrícola que às características culturais. Sua apreensão do campesinato foi essencialmente econômica. A tecnologia, o uso da terra, as tendências quanto à propriedade e o comércio representariam os padrões que possibilitavam definir camponês de não camponês, isto é, entre assalariado e empresário. Para esta análise estes padrões de atores sociais são controlados por pessoas e grupos exteriores, sendo necessário estudá-los política e economicamente para, posteriormente compreender a comunidade campesina ccxlviii.

Seria a compreensão das várias formas de controle, mas principalmente, da relação econômica das comunidades camponesas com a sociedade circundante que permitiria explicar os inúmeros tipos de campesinato. Esta proposta teórico-metodológica, contudo, desconsiderava que muitos sujeitos da sociedade camponesa não são agricultores, apesar de se identificarem e se definirem como campesinos, como é o caso de comerciantes, por exemplo. As sociedades camponesas em sua totalidade, mesmo, tendo a agricultura como ponto fundamental de ocupação, não são essencial ou necessariamente agrícolas ccxlix.

Eric Wolf antropólogo norte-americano, tambem se aproxima desta tendência, por meio de uma abordagem ecológico-culturalista. Este autor toma o campesinato a partir de sua comparação com as sociedades primitivas, tendo-o como uma sociedade distinta, pois o camponês não controla seu meio de produção e nem troca seus produtos por outros equivalentes porque a reciprocidade teria cedido lugar às trocas de mercado ccl.

Wolf também privilegia a análise das relações externas. Para ele “o camponês é, a um só tempo, um agente econômico e o cabeça de uma família. Sua propriedade tanto é uma unidade econômica como um lar (p.47)” ccli.

Este autor, todavia não compreende as relações sociais do campesinato fundadas em uma rede simbólica, mas sim em uma rede econômica, condicionada pelas relações externas e pelas condições naturais, especialmente a disponibilidade de terra. Como aponta Wolf “Indo mais além, vê-se que o termo ‘camponês’ denota nada menos que uma relação estrutural assimétrica entre produtores de excedentes e o grupo dominante; (p.24)” cclii.

O terceiro impulso na literatura camponesa teve como ênfase a influência das elites dominantes nas sociedades que abarcam grande número de campesinos em uma perspectiva jurídica. O seu principal autor foi Karl Wittfogel que procurou estudar estas

elites e os seus mecanismos de controle. Nesta perspectiva toda a estrutura e funções das sociedades camponesas foram definidas pelo exterior.

Nesta perspectiva existe uma redução da multiplicidade das formas das elites e dos tipos de manejo e controle que elas utilizam na sua relação com os campesinos nos diferentes contextos e épocas.