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3 Tema 1 – Uso Adequado de Antibióticos

3.1 Enquadramento

3.2.3 As Resistências aos Antibióticos

As resistências aos antibióticos são consideradas um dos problemas de saúde pública de maior relevância, uma vez que muitas bactérias deixaram de responder a antibióticos aos quais eram anteriormente suscetíveis (45).

São apresentadas diversas causas para a prescrição incorreta de antibióticos. Pode-se destacar a incerteza no diagnóstico, a pressão de doentes e familiares sobre os médicos, o tempo cada vez mais diminuído das consultas, dificultando o diagnóstico e a escolha terapêutica e, ainda, o aumento das prescrições da parte dos médicos. Outro fator importante trata-se do papel da Indústria Farmacêutica, que condiciona o padrão de prescrição, uma vez que constitui uma abundante e acessível fonte de informação para o

VERÓNICA VIEIRA 25 prescritor (46). A não adesão à terapêutica, a toma de doses diferentes ou por períodos distintos do prescrito, a automedicação com antibióticos de tratamentos anteriores ou obtidos nas farmácias sem prescrição são, também, problemas que se continuam a verificar (44). A automedicação constitui uma grave adversidade, uma vez que grande parte da população acredita que os antibióticos podem ser utilizados no tratamento de infeções virais, como na gripe ou na constipação, desconhecendo que apenas atuam em infeções bacterianas (47).

Importa, ainda, referir o uso de antibióticos em veterinária, zootecnia e pecuária, que constitui uma parte considerável do uso incorreto de antibióticos. Aproximadamente 50% dos agentes antimicrobianos utilizados na União Europeia, anualmente, são dados a animais. Estes antibióticos não são apenas utilizados na terapia. Muitas vezes são aplicados continuamente como promotores de crescimento, aumentando a eficácia da ração e diminuindo a produção de resíduos (48). Desta forma, é proibida a utilização de antibióticos como promotores de crescimento desde 2006 (49), e a sua utilização em casos profiláticos deve ser restrita a casos específicos excecionais (50).

Outra das principais causas é a ausência da descoberta de novos antibióticos nas ultimas três década, que pode ser devida às grandes exigências regulatórias, ao baixo investimento e ao diminuído retorno financeiro. O último registo de uma classe de antibióticos deu-se em 1984 (Figura 4) (51).

Figura 4 – Número de classes de antibióticos registados, por década (Adaptado de (51)). Devido a estes fatores surgiram os chamados “superbugs”, que são estirpes multirresistentes aos antibióticos (52).

VERÓNICA VIEIRA 26 As resistências adquiridas podem ser mediadas por diversos mecanismos, que podem ser divididos em três grandes grupos:

• Diminuição da concentração intracelular do antibiótico devido à diminuição da penetração ou ao aumento do efluxo;

• Modificação do alvo por mutação genética ou por modificação pós- tradução;

• Inativação do antibiótico por hidrólise ou modificação (53).

As populações suscetíveis a determinados antibióticos podem tornar-se resistentes tanto por mutação genética como por transferência horizontal e expressão de genes de outras estirpes resistentes (54, 55).

A Sociedade Americana de Doenças Infeciosas definiu um grupo de bactérias particularmente resistentes aos antibióticos: Enterococcus faecium, Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Pseudomonas aeruginosa e Enterobacter spp., conhecidas pelo acrónimo ESKAPE (56).

Enterococcus faecium é, quase garantidamente, resistente a β-lactâmicos como a ampicilina e o imipenemo. O problema deve-se ao crescente aumento das resistências à vancomicina, uma vez que provoca resistência a todos os glicopeptideos (56, 57). Em 2003, Portugal apresentava uma taxa de resistência à vancomicina extremamente elevada, cerca de 46,6%. A evolução tem sido positiva, uma vez que, em 2014, a taxa atingiu os 20,1%. No entanto, não é suficiente uma vez que ainda se encontra entre os seis países europeus com um valor superior a 20% (32).

Staphylococcus aureus é um habitante comensal da pele humana, sendo habitualmente encontrado em zonas mais húmidas, como axilas e narinas. Cerca de 60% da população é portadora intermitente, enquanto 20% é portador persistente. Trata-se de um patógeno oportunista, uma vez que dentro do organismo pode provocar infeções pulmonares, sanguíneas, cardíacas, entre outras. É designado de MRSA (Meticilin Resistet Staphilococcus aureus) quando é resistente à meticilina. A produção da toxina Leucocidina de Panton-Valentine é considerada um dos principais mecanismos de virulência, que pode ser produzida por MRSA, causando graves infeções, tanto na comunidade, como em hospitais (56, 58). No nosso país, a taxa de MRSA atingiu 54.6% em 2011, sendo este um dos valores mais elevados da Europa, tendo subido progressivamente desde 2000. Em 2013 desceu ligeiramente, tendo estabilizado, em 2014, em 47.4%. Esta progressão pode ser observada na Figura 5. No entanto, a sua redução é um dos principais objetivos (32).

VERÓNICA VIEIRA 27 Figura 5 - Resistência à meticilina nos isolados invasivos de Staphylococcus aureus

(MRSA) em Portugal, 1999-2014 (Adaptado de DGS (32))

Klebsiella pneumoniae faz parte da família Enterobacteriacae juntamento com a Escherichia coli, ambas Gram negativo. Juntas lideram a ameaça, uma vez que são globalmente prevalentes na comunidade e em hospitais. K. pneumoniae torna-se especialmente preocupante, uma vez que passou a ser resistente a carbapenemos, um dos antibióticos utilizado em última linha, em infeções por bactérias Gram negativas. Esta bactéria é responsável por infeções sanguíneas, respiratórias e urinárias (56, 59, 60). Na Figura 6 é possível verificar a epidemiologia das resistências na Europa.

Figura 6 – Epidemiologia de K. pneumoniae resistente a carbapenemos em países europeus, em 2015 (Adaptado de (60)) 36,9 25,2 31,9 38,1 45,4 46,1 46,6 48,1 48,4 52,9 49,1 53,4 54,6 53,8 46,8 47,4 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Pe rc e n tag e m

VERÓNICA VIEIRA 28 Esta bactéria já provocou surtos em Portugal, sendo exemplos o ocorrido em novembro de 2015, no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, do qual resultaram 100 doentes e 3 mortos (61) e, ainda, em janeiro de 2016, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que levou à morte de 3 pessoas e ao isolamento de 21 (62). Mais recentemente, foi detetada a sua presença no Hospital Conde Ferreira, levando ao isolamento de 5 pessoas (63).

E. coli pode causar infeções no sistema urinário e sanguíneo, apesar de ser comensal no trato digestivo. Possui a capacidade de produzir β-lactamases, tornando-a resistente a β-lactâmicos. Nos últimos anos tem-se verificado uma progressão crescente do aparecimento de resistências a cefalosporinas de 3ª geração e a fluoroquinolonas (32, 56).

Acinetobacter baumannii é um patógeno oportunista, muitas vezes encontrado em unidades de cuidados intensivos e cirúrgicas, onde está em contacto constante com antibióticos, o que lhe permitiu adquirir resistência a todos os antibióticos conhecidos (56). Portugal já não se encontra no grupo de piores países, fruto da redução de 64.3% para 39.2%, de 2012 para 2014. No entanto, é importante que a tendência se mantenha, uma vez que as taxas de resistência são, ainda, muito elevadas (32).

Pseudomonas aeruginosa é responsável por infeções respiratórias, urinárias e sanguíneas, estando habitualmente associada a imunocomprometidos, queimados e pacientes com fibrose quistica (64). Esta bactéria é naturalmente resistente a diversos antibióticos, como fluoroquinolonas, tetraciclinas, cloranfenicol e alguns β-lactâmicos, devido à permeabilidade da membrana externa e ao mecanismo de efluxo. Para além das resistências intrínsecas, pode também adquiri-las (65). A resistência a carbapenemos é comum, sendo que subiu de 19,8% para 22,5% entre 2011 e 2014, em Portugal (66).

Enterobacter spp. é habitualmente responsável por infetar os tratos respiratório e urinário, mas é conhecido pelas suas infeções sanguíneas. Para além da colistina e da tigeciclina, existem poucos antibióticos que podem atuar contra esta bactéria (56).

Os casos de resistências mais preocupantes estão normalmente associados a bactérias gram negativas, da família Enterobacteriaceae, como K. pneumoniae, E. coli, P. aeruginosa e Acinetobacter sp. O aparecimento destas resistências, devido ao uso abusivo de carbapenemos, levou ao aparecimento e propagação de bactérias produtoras de carbapenemases. A produção de Extended Spectrum beta-lactamase (ESBL) é o principal mecanismo de resistência a β-lactâmicos (67).

VERÓNICA VIEIRA 29 Portugal encontra-se acima da média europeia quanto à taxa de resistências a E. faecium e S. aureus, enquanto que apresenta números semelhantes nos casos de K. pneumoniae, Enterobacter spp e P. aeruginosa (32).

Perante os dados apresentados, é urgente tomar medidas, como as listadas de seguida:

• Médicos devem promover o uso racional de antibióticos, prescrevendo apenas quando é estritamente necessário;

• Sensibilizar os profissionais de saúde para a problemática, promovendo uma correta higiene das mãos, materiais e ambiente e ainda uma correta vacinação;

• Assegurar o controlo dos antibióticos utilizados em veterinária;

• Promover a investigação de novos antibióticos pela industria farmacêutica; • Sensibilizar a população em geral, através de campanhas de informação

(68).

Na minha opinião, o farmacêutico comunitário possui um papel fundamental neste ultimo ponto. Por este motivo, decidi abordar esta temática durante o estágio curricular.

O uso indevido de antibióticos pode levar-nos para um novo cenário da medicina moderna, onde infeções comuns e pequenas lesões podem levar à morte, um cenário que está longe de ser ficção. Caminhamos para a “Era Pós-Antibiótico” (69).

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