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As resistências do popular e a colonização na Região do Sisal no sertão da Bahia

CAPÍTULO 2. RELAÇÃO DA PESQUISADORA COM O TEMA: PELAS TRILHAS DO

2.1. As resistências do popular e a colonização na Região do Sisal no sertão da Bahia

Para falar das resistências do popular e da colonização na Região do Sisal no sertão da Bahia importante lembrar que a Bahia se encontra na Região Nordeste do Brasil e que, consequentemente, as/os nativas/os deste Estado foram denominadas/os nordestinas/os, com todos os valores, belezas culturais dessas origens, mas também com toda a carga de preconceito, discriminação e violência historicamente impostas a essa região. Assim como geralmente ocorre com as periferias do mundo, mantidas como necessárias para a manutenção do sistema moderno capitalista, embora o Nordeste, nos tempos da economia canavieira, tenha sido o centro pulsante do país, foi sendo transformado em território necessário para a manutenção de um país com muitas desigualdades regionais. O povo nordestino, se não fosse vítima de tanta exploração e ausência de direitos, não teria migrado para vender sua força de

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32 trabalho como fez e continua fazendo. Talvez também cidades do Sudeste do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro, etc., nem existiriam como tais, se não fosse a mão de obra dos nordestinos na construção dessas cidades. A naturalização dessas diferenças é importante para a manutenção das desigualdades regionais e, no presente tópico, venho de algum modo dizer dessa “periferia” chamada “Nordeste”, apesar de tratar apenas de uma pequena região, a Região do Sisal, que sofreu e sofre as violências da colonização e da colonialidade, mas que, ilustra muito bem os processos de lutas e resistências de forma insubmissa, na busca por direitos e por visibilidade.

A Região Sisaleira da Bahia ou Território do Sisal, fica situada no semiárido baiano do Nordeste brasileiro, composta por, aproximadamente, vinte municípios, dentre os quais estão os municípios de Ichu, Candeal, Serrinha, Valente e Conceição do Coité, municípios estes que fazem parte das nossas histórias de vida. Como lembra França,

a denominação dessa região justifica-se pelo fato de a cultura do Sisal ser a atividade econômica mais importante para o território, considerando sua capacidade de absorção de mão de obra, pela sua própria importância econômica e pela capacidade de servir, também, como pastagem em períodos de seca. A planta do sisal chegou nessa região em 1903, no município de Maragogipe. A partir daí, com sua adaptação ao clima seco, a planta progrediu e se expandiu para toda a região. Dessa planta é retirada a fibra, que é exportada para outros países, como os Estados Unidos, Chile, Argentina e Europa através da indústria da APAEB, localizada no município de Valente. Dessa mesma fibra são produzidos artesanatos e utensílios na referida indústria e em muitas associações dos povoados dos municípios vizinhos, o que garante a sobrevivência e o reconhecimento da cultura do sisal (FRANÇA, 2015, p. 36).

Figura 3: Mapa do Território do Sisal no Estado da Bahia23

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Agência EMBRAPA de Informações e Tecnologias. Disponível em:

<https://www.google.com.br/search?q=mapa+da+regi%C3%A3o+do+sisal&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir= QzNWw8LFjO5a2M%253A%252CTAKM4IiNVFQdOM%252C_&usg=__RU2G07ks-

XXgbHmvMi0NumWZmY8%3D&sa=X&ved=0ahUKEwirm6uK2rrbAhULIJAKHTWgAkwQ9QEILjAC#img rc=QzNWw8LFjO5a2M> . Acesso em 04/6/2018.

33 Edinusia Carneiro Santos, e outros autores, lembram que o espaço que forma a região sisaleira da Bahia foi inicialmente ocupado no processo de expansão do gado e das rodas boiadeiras para o abastecimento das cidades mais populosas do Estado da Bahia e, só a partir da década de 1940 iniciou a lavoura sisaleira (SANTOS, 2015, p. 22). Isso leva a entender, de certo modo, por que a cultura popular é tão marcada pela imagem do boi, desde os cantos e festas folclóricas às tradições na lavoura, como as festas de vaquejada, a tradição dos vaqueiros e as práticas de ‘boi roubado’. Sobre esta última, falaremos mais detalhadamente a seguir.

Ainda sobre a Região do Sisal, na Bahia, as/os autoras/es referidos acima registram também que, apesar da expansão da indústria do sisal,

durante a interiorização das atividades produtivas do período colonial até o início do século XX, o espaço em questão foi campo fértil de expansão do latifúndio sustentado pela pecuária extensiva. [...] é a posse da terra e a ampliação do latifúndio que marcam a ocupação da região, o que vai imbricando automaticamente poder econômico e poder político, forjando um espaço onde a diferenciação regional é marcadamente comandada por uma elite ligada à terra (SANTOS, 2015, p. 22).

O problema das cercas no Nordeste do Brasil, maior que o problema das secas, representadas pelos grandes latifúndios, é o motor das opressões contra o povo empobrecido, pequenas/os camponesas/es do Estado da Bahia. Muitas pessoas, por vezes a família inteira, que vivem na Região do Sisal, passam a se submeter a trabalhos em situação de superexploração, com injustos salários e falta de dignidade. Como relata Santos:

Ainda hoje, na segunda década do século XXI, as relações de trabalho estabelecidas no primeiro processo de beneficiamento do sisal não são pelo assalariamento, ou seja, a produção é organizada por uma pessoa que possui uma máquina de desfibrar e contrata trabalhadores remunerando-os de acordo com a quantidade de fibra que se consegue desfibrar numa semana, resultando na necessidade de ampliação da carga de trabalho para obter patamares mínimos de sobrevivência. Os valores da remuneração são muito baixos, além disso, a prevalência do "contrato de boca" organiza as relações de trabalho deixando o trabalhador sem nenhum tipo de segurança legal (SANTOS, 2015, p. 22).

34 Figura 4: Mosaico do campo de sisal no município de Valente, na Bahia. Fotos da autora 24

Importante dizer que antes e durante a invasão da colonização portuguesa, essa região, o Território do Sisal na Bahia e todo o Estado, eram terras indígenas que, de modo não diferente das outras regiões do Brasil, sofreram as terríveis violências dos colonizadores.

Quando da instituição do regime das Capitanias Hereditárias por Dom João III, em 1534, a Capitania da Bahia foi concedida a Francisco Pereira Coutinho, um militar português. Tasso Franco, escritor baiano da cidade de Serrinha, Região do Sisal, relata que

24 A imagem acima, denominada pela autora, de "Mosaico da cadeia da produção do sisal", foi construída

baseada em fotos de sua autoria feitas quando da visita ao município de Valente, BA, no dia 16.8.18, município este, considerado polo do sisal, situado na Região do Sisal. A imagem mostra o campo de sisal, o trabalhador desfibrando o sisal no motor (este motor fica no meio do campo do sisal), a fibra estendida para secagem, o jumento que faz o trabalho de transporte do sisal até o motor, a balança, montada também no campo ao lado do motor. Esta, feita de modo muito arcaico, tem uma pedra como medida, cuja pedra, segundo o dono do campo do sisal, tem um determinado peso e paga o serviço por produção, ou seja, conforme o peso da pedra. Por fim, a última imagem é a do sisal já na fábrica que existe no próprio município, de nome APAEB e que é fruto da organização dos trabalhadores. Essa fábrica foi construída como forma de combater as explorações dos chamados atravessadores. A produção que vem do campo é escoada na própria fábrica e esta realiza trabalhos de beneficiamento da matéria-prima, tanto com a venda do sisal após o beneficiamento da fibra como com a confecção de cordas, tapetes, etc., vendendo direto para a exportação, inclusive.

35 a imensa área entre a Foz da Barra da Bahia até o Rio São Francisco foi concedida a Francisco Pereira Coutinho, um experimentado e exigente militar português, conhecido por seu humor e epíteto de Rustição, que havia militado no Oriente. Ficaria encarregado de administrar a Capitania da Bahia, criada em 1534. [...] A capitania da Bahia desde sua implementação, em 1536, experimentou intenso conflito entre as tropas do Rustição e as brigadas guerrilheiras tupinambá. [...] A sistemática perseguição aos tupinambás, exigindo-os que trabalhassem na lavoura e no engenho, resultou em rebelião com mortes e destruição de povoamento (FRANCO, 2008, p.50).

Como em todo o Brasil, na Bahia, o processo de colonização exterminou inúmeros povos indígenas. No território baiano registra-se a presença, atualmente, como fruto de resistência, dos povos Pataxós, Pataxós-Hahahães, Kiriri, Kaimbé, Tuxá e Pankararé, que mantêm a sua identidade (FRANCO, 2008, p. 33). Lembra este autor que

havia, frequentemente, desentendimentos entre sesmeiros e missionários jesuítas vinculados à Igreja Católica, em função dos métodos utilizados por cada segmento na ocupação do território e na catequese dos nativos. Os religiosos difundiam o cristianismo e fundavam missões nas proximidades dos aldeamentos indígenas, alguns dos quais, posteriormente, se transformaram em povoados, vilas e cidades. Mas, também, eram acusados de usar a força do Estado para punir os insubmissos. Os curraleiros utilizavam métodos ainda mais agressivos, em alguns casos expulsavam os nativos de suas terras e, em outros, forçava-os ao trabalho escravo (FRANCO, 2008, p. 56).

O plano jesuítico em apoio à colonização com as chamadas missões, para Darcy Ribeiro, 'foi um somatório de violência mortal, de intolerância, de prepotência e ganância". [...]Tal programa levou desespero e destruição acerca de trezentas aldeias indígenas na costa brasileira, no século XVI. Darcy Ribeiro afirma que:

Mais ainda que as espadas e os arcabuzes, as grandes armas da conquista, responsáveis principais pela despopulação do Brasil, foram as enfermidades desconhecidas dos índios com que os invasores os contaminaram. A magnitude desse fator letal pode ser avaliada pelo registro dos efeitos da primeira epidemia que atingiu a Bahia. Cerca de 40 mil índios reunidos insensatamente pelos jesuítas nas aldeias do Recôncavo, em meados do século XVI, atacados de varíola, morreram quase todos, deixando os 3 mil sobreviventes tão enfraquecidos que foi impossível reconstituir a missão. Os próprios sacerdotes operavam muitas vezes como contaminadores involuntários, como testemunham suas próprias cartas. Em algumas delas comentam o alívio que lhes trazia ao "mal do peito" os bons ares da terra nova; em outras, relatam como os índios morriam feito moscas, escarrando sangue, podendo ser salvas apenas suas almas (RIBEIRO, 1995, p. 52).

36 Com esse plano, a colonização portuguesa na Bahia, a partir da segunda metade do século XVI, foi se expandindo do litoral para o interior, para os chamados Sertões.25 Todo o Estado possuía grande população indígena, sendo que, na região da capital, Salvador, estavam os povos indígenas tupinambás e kirymuré; na Região do Sisal, os primeiros habitantes foram os índios Cariri:

Os primeiros habitantes do município de Serrinha foram os índios Cariri com pequenas aldeias espalhadas nos Sertões de Tocós ou Pindá (anzol) nas proximidades do Rio Tocós (índios Tocó), em Biritingas (índios Biritingas), el Lages dos Caboclos (índios kiriri), nos Tapuios (hoje Tapuio, município de Araci) e no Saco dos Tapuyos (na direção de Candeal (FRANCO, 2008, p. 45).

Importante frisar que os Sertões de Tocós, território dos povos indígenas Cariri, abrangiam terras dos municípios de Serrinha, Lamarão, Teofilândia, Araci, Barrocas, Candeal, Ichu e Conceição do Coité (FRANCO, 2008, p. 29), todos, atuais municípios do Território do Sisal.

As origens históricas dessa região explicam a cultura vivenciada por nossos bisavós, bisavôs, avós e pais até a minha geração. Desde a forma de se alimentar, tendo como base primordial a agricultura da mandioca, do milho, do feijão, etc., produzidos de modo exclusivamente manual, aos rituais festivos e de espiritualidade próprios daquele local, mas com características peculiares dos povos indígenas e negros que nos precederam naquela região.