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As reuniões de cesta básica

No documento liviamendesvianamorais (páginas 129-133)

CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA DOS SUJEITOS: OS USUÁRIOS DA

3.2 As observações

3.2.4 As reuniões de cesta básica

Em relação as atividades acompanhadas, durante o período de observação, registramos que as reuniões para entrega de cesta básica prevaleceu sobre as demais atividades. Esta ação faz parte do Programa de Segurança Alimentar (PSA). O PSA é um programa municipal que se originou por volta do ano de 2010, anteriormente as cestas básicas faziam parte do Programa de Ações Integradas à Cidadania (PAIC), que funcionava onde atualmente se encontra o CRAS Centro. As ações eram centralizadas no programa “Atendimento Comunitário”, que era responsável pela distribuição das cestas básicas a todas as famílias atendidas pelo município. Após a implantação dos CRASs, o PAIC se transformou em PSA e passa a funcionar com os mesmos critérios

de territorialização dos centros atendendo as famílias pelos bairros referenciados em centro de referência. Pelas informações que tivemos da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) existe um setor sendo estruturado para coordenar as ações que visam a segurança alimentar. Enquanto este setor não é formalmente instituído a ação continua a ser realizada pelos CRASs.

Não existe um material escrito sobre o PSA que formalize suas diretrizes, princípios e eixos, que organizem seu funcionamento, cada centro o realiza de alguma maneira, contudo, há uma base que todos seguem: as famílias vão até o centro de referência para solicitar a inclusão no programa, é realizada uma avaliação e organizada uma lista de espera que é dinamizada a partir das vagas que surgem. No momento da inclusão a família poderá receber o auxílio durante um período de seis meses, podendo ser prorrogado por mais seis meses, não ultrapassando um ano de permanência, entretanto, conforme a avaliação profissional algumas exceções são mantidas por um período maior.

O PSA, a nosso ver, representa, ainda que de uma forma rudimentar, uma frente que possibilita o acompanhamento familiar, visto que as famílias passam por avaliações e reavaliações de permanência no programa. No período que realizamos as observações foi a ação que mais se aproximou de um tipo de acompanhamento familiar, onde o profissional tem a oportunidade de conhecer a realidade do usuário de forma mais sistemática, uma vez que este, nas avaliações, relatam as melhorias (ou não) que foram realizadas durante o período de inclusão no programa, evidenciando neste momento outras demandas e possibilidades de atuação para o fortalecimento do vínculo familiar e comunitário. Mas, como mencionamos ainda é uma ação muito incipiente, por ser longo o período entre as avaliações e não haver um investimento num acompanhamento em curto prazo44.

A dinâmica de realização das reuniões para a entrega efetiva das cestas básicas não seguem exatamente o mesmo critério nos centros observados. No período da pesquisa, acompanhamos reuniões que aconteceram nos espaços físicos de alguns centros e outras em instituições presentes nas comunidades. Uma das reuniões, que ocorreu no espaço físico de um dos CRASs, reuniu usuários de diferentes bairros, numericamente foi a reunião com menor presença o que também refletiu na participação dos usuários, que basicamente só respondiam com gestos e poucas palavras. Em outros

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Gostaríamos de destacar que nas observações realizadas não acompanhamos as visitas domiciliares realizadas pelas equipes dos CRAS, dessa forma estamos tecendo nossas reflexões a partir das situações presenciadas, dos relatos dos usuários e da percepção da rotina de cada centro.

centros, que também realizaram algumas reuniões no espaço físico do CRAS, contou com maior número de pessoas e maior participação dos usuários. A diferença entre estes dois casos, está na maior proximidade territorial que alguns CRASs têm, em relação a outros, dos bairros de sua abrangência, o que reforça o que já mencionamos na importância da territorialização dos equipamentos sociais.

Os locais da comunidade onde são realizadas as reuniões são instituições religiosas, como igrejas e centros espíritas, e Associações de Moradores do Bairro sendo que sempre tem alguém destas instituições presente e ajudando na entrega das cestas. Contar com os espaços comuns à comunidade é necessário para aumentar e fortalecer os vínculos comunitários, entretanto, consideramos que pode haver uma confusão entre direito e caridade na entrega das cestas, pela natureza das instituições. Em uma das reuniões, em que o encontro foi realizado na Associação de Moradores do Bairro, que também funciona como sede de uma seita religiosa, nos chamou a atenção o fato de que a pessoa responsável pela entrega das cestas básicas é assessora de um vereador o que traz um viés clientelista e eleitoreiro para ação. Estas ações executadas a partir da intervenção das igrejas e pela mediação de representações políticas, nos remetem as práticas assistencialistas, como vimos no segundo capítulo, baseado no favor e no clientelismo político, ou seja, na contra mão da efetivação dos direitos (SILVA, YAZBEK, GIOVANNI, 2004).

Este ranço histórico, presente tanto na política de assistência social como nas demais políticas sociais, revelam-nos, como sinaliza Oliveira (2007), a “cultura do atraso” que caracterizam o Sistema de Proteção Social brasileiro. Segundo a autora, os traços dessa cultura se revelam no ranço conservador, autoritário da formação social, política, econômica e cultural brasileira, contribuindo para que os direitos sociais, principalmente os relativos a assistência social, dadas as suas particularidades, “fossem substituídos por diferentes formas de dominação, marginalização e subalternização da população mais pobre” (Idem:01). Oliveira (Idem) também destaca que nem sempre é fácil de identificar estas ações, no entanto, ressalta as práticas clientelistas, o primeiro damismo, a filantropia dotada de um caráter de benemerência e ajuda, reforçam a “cultura do atraso” que perpassam a política de assistência social. Para a autora, a existência de uma não exclui a outra, pelo contrário, “com frequência, é possível que se realizem, concomitantemente, numa mesma realidade, alimentando-se mutuamente” (Idem).

Na maioria das reuniões, as equipes tentaram trazer algum tema para apresentação aos usuários, como por exemplo, os direitos dos usuários do SUAS, informações sobre o mercado de trabalho e a organização de currículos, informações previdenciárias etc. Em alguns centros a própria equipe apresentou o tema, em outras foram convidados profissionais de fora para falar sobre os temas. Mas, houve reuniões em que foram realizados somente repasses de informações sobre cursos e outras que não houve nenhuma exposição, apenas a entrega das cestas. Consideramos positiva a proposta que objetiva construir nesses momentos um espaço de acesso e publicização de informações, as reuniões tem potencial de problematizar demandas coletivas e identificar usuários com perfil e interesse em participar de espaços destinados ao controle social, como os Conselhos de Direitos, principalmente por propiciar o encontro de um grande número de sujeitos que vivem e usufruem do mesmo território.

É importante ressaltar que a presença dos usuários nas reuniões não significa uma participação ativa com intervenções sistemáticas. Trata-se mais de uma exposição das dúvidas e alguns pequenos relatos que ilustravam a realidade dos usuários. A nosso ver, o grupo não alcança um momento socioeducativo, as reuniões contam com um número grande de usuários (algumas com mais de 40 pessoas), não é possível, dessa maneira, construir um espaço para a troca de experiências e o debate necessário para construção coletiva de interesses.

Uma questão, que também nos chamou atenção, foi a obrigatoriedade ou não da presença dos usuários nas reuniões. De maneira geral, todas as equipes informaram que a presença não é obrigatória, podendo inclusive o usuário ser representado por outra pessoa mediante sua autorização, comprovada pela apresentação do documento de identidade (RG). Em todas as reuniões, podemos perceber que alguns usuários expressavam a presença obrigatória no local, uns através do manifestado cansaço, outros por ficarem inquietos, chegando alguns a verbalizar que precisavam ir embora. As reuniões ocorrem durante o período da manhã e da tarde, o que significa que os usuários que trabalham, por exemplo, podem não ter disponibilidade para frequentá-las. Seria oportuno realizar um acompanhamento de cada caso para conhecer as particularidades de cada grupo familiar, tornando a reunião um espaço de adesão realmente espontânea, o que poderia reforçar a construção de um espaço plural e de questões coletivas.

No documento liviamendesvianamorais (páginas 129-133)

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