• Nenhum resultado encontrado

3.3 As ideias de Zoltan Dienes sobre ensino e aprendizagem

3.3.1 As seis etapas do processo de aprendizagem

Dienes introduz as ideias sobre as etapas do processo de abstração, argumentando que o ensino tradicional apresentava muitas dificuldades concernentes ao aprendizado de Matemática, onde muitas delas são atribuídas à inadequação das etapas do processo de aprendizagem.

A partir de um certo número de situações, constrói-se mentalmente uma propriedade comum a estas situações, depois, em compreensão, a classe correspondente a essa propriedade. Nesse sentido, o processo de abstração conduz dos elementos a uma classe de elementos. (DIENES, 1969e, p. 8).

De maneira semelhante, a teoria de Piaget inspira uma em Dienes, sobre o encadeamento de processos consecutivos de abstração. Para compreender realmente um conceito ou estrutura matemática, além de abstrair, é necessário analisar, perceber relações

entre eles e utilizar, de modo a permitir o início de um outro processo, para a compreensão de um novo conceito.

Denomina a primeira etapa do processo de aprendizagem matemática de “jogo livre”, cujo objetivo é propiciar oportunidades em que as crianças, ao manusearem um material concreto, adaptem-se a uma nova situação proposta. A fase se resume basicamente em uma atividade lúdica, em que a criança interage com o ambiente. Esta adaptação do sujeito ao meio, segundo Dienes (1969a, p. 2), ocorre durante toda a vida: “Se alguém se propõe a ensinar lógica a uma criança, parece necessário que a faça defrontar-se a situações que a levem a formar conceitos lógicos”.

Como o universo infantil não comporta atributos lógicos, há necessidade de oferecer um meio artificial, que permita a formação de conceitos lógicos, em grande medida, de forma sistemática. O meio sugerido pelo autor foi o universo dos blocos lógicos:

Quando a criança estiver talvez com sete anos, alguns conceitos ainda não estão à mão. Temos de dar grandes meios para o ciclo de maturação por meio de experiência real, que conduzirá a outros conceitos e a sua eventual integração. Tais experiências são raramente (se o forem) encontradas na vida real e, portanto, têm de serem artificialmente montadas na sala de aula. (DIENES, 1969a, p. 50).

Essa primeira etapa refere-se, pois, ao momento do contato inicial da criança com o material – qualquer que seja –, que o explora, de maneira espontânea, tomando, mesmo que indiretamente, contato com o meio artificial criado, para desenvolver uma determinada noção matemática. As propostas de atividades são colocadas sem comandos, regras ou restrições; são desafiadoras e provocam uma ação, isto é, brincar livremente com o material, conversar, tatear e, muitas vezes, construir formas que retratam o dia a dia (carrinhos, bonecos, etc.).

Na etapa seguinte, numa segunda fase de abstração, após a adaptação à situação proposta, ou seja, da “brincadeira com o material”, presume-se que as crianças estejam aptas a aceitar a imposição de algumas restrições. As regras, ditadas pelo professor, conforme o conceito matemático a ser desenvolvido, são denominadas de “regras do jogo”, por Dienes, cujo desafio é tornar a adaptação possível, combinar e construir novas estruturas, a fim de dominar as novas situações, utilizando as estruturas já formadas, as regularidades descobertas e as limitações do meio.

Liberman (2010) lembra que Dienes, em seus cursos, exemplificava como proceder: “Repetia, muitas vezes os comandos: arrume esse material de maneira organizada ou coloque junto o que você acha que pode ficar junto”.

Pode-se presumir, então, que, em um primeiro momento, a arrumação elaborada pela grande maioria das crianças seguia um mesmo modelo: agrupando as peças pela cor ou por tamanho, utilizando, portanto, somente um dos atributos do material.

Na terceira etapa, denominada “jogo do dicionário ou isomorfismo”, as classificações já realizadas permitem a percepção de propriedades comuns entre regras, surgindo, assim, outras mais gerais, adaptáveis a várias situações. Percebe-se a estrutura comum dos jogos estruturados já efetuados, descobrindo as relações de natureza abstrata existentes entre os elementos de um e de outro jogo, o que precede à abstração do conceito. A construção mental torna-se ferramenta para novas operações, abstrações e generalizações.

Em seus livros, o autor dirige, muitas vezes, sua fala ao professor leitor, fazendo muitas recomentações sobre possíveis entraves ao trabalho. Especialmente, na terceira etapa, adverte que não é suficiente apenas brincar com jogos estruturados, conforme as leis matemáticas inerentes a uma estrutura matemática qualquer. Para identificar a natureza abstrata é necessário, inicialmente, oferecer oportunidades de busca por regularidades em diferentes materiais e propostas: “Para desapegar a criança do material e chegar a um conceito abstrato – não uma associação formada pela criança – devemos introduzir outro material, que deve parecer o mais diferente possível, mas ter a mesma estrutura matemática essencial”. (DIENES, 1969a, p. 50). Lembra que, para que se forme um grande número de abstrações é necessário muito tempo, e de certos conceitos matemáticos podem acontecer somente no final da escola elementar.

Para analisar e utilizar um conceito matemático, completando o ciclo de aprendizagem, a criança deve ser capaz de representá-lo. Na quarta etapa, chamada “representação”, a proposta é representar a estrutura comum, em diferentes registros, a fim de mais tarde poder examinar. Essa representação, construída de forma mais organizada e inteligível, deve permitir a reflexão sobre a estrutura, sobre o que se abstraiu. Ainda não é uma língua, pois foi construída com uso de personificações múltiplas e precisam ser organizadas para utilização coletiva. Mesmo assim, a representação é um meio físico de comunicar a abstração, informando as diferentes relações que existem em uma estrutura abstrata.

A título de exemplificação dessa etapa, proponho o estudo do Grupo de Ordem 2, que, de acordo com o autor, é talvez o grupo fundamental de todas as ordens matemáticas. Dienes e Golding (1971, p. 9) propõem o seguinte exemplo: “Seja uma operação em que todas as vezes que efetuada duas vezes sucessivas, leva ao ponto de partida; acrescentando a operação

neutra, teremos as regras de cálculo nesse grupo. Chamá-la-emos operação ‘nada’ e ‘operação’”.

Figura 3 – Exemplo de jogos que representam a estrutura de Grupo de Ordem 2

Os jogos propostos são de tal natureza que todos os quatro encarnam a mesma estrutura matemática.O autor acredita que as crianças, após terem assimiladao as regras e as estruturas, passem a descrevê-los por meio de tabelas, desenhos ou gráficos que traduzam o resultado das operações. Então, depois de um certo número de jogos semelhantes, em variadas formas, elas tomam consciência das semelhanças, da analogia entre os elementos, apesar das representações diferentes, ou seja, trata-se, no fundo, do mesmo jogo e, assim, nasce uma abstração, a do Grupo de Ordem 2.

Que atividades de simbolização Dienes sugere para desenvolver a linguagem Matemática, e o que ela representa? Após a formação de conjuntos, o desenvolvimento da noção de pertinência e os conceitos orientados em cada etapa, é interessante, segundo ele, que a professora proponha um exercício que haja necessidade de um registro. Por exemplo: como nos lembraremos de um acontecimento amanhã? Como a maioria delas não escreve, pode ser que sugiram vários tipos de registros diferentes para representar uma mesma situação.

“Descrição de uma representação” é a quinta etapa, identificada por Dienes, na qual se explora-se e descreve-se as propriedades comuns das representações construídas, das abstrações. As muitas representações construídas para uma mesma estrutura permitem perceber as propriedades da abstração realizada. A representação facilita a percepção das propriedades principais do ente matemático criado e, por esse motivo, surge a necessidade da criação de uma linguagem, com o objetivo de descrever o que foi representado. O autor lembra que é interessante propor uma discussão sobre vantagens e limitações de cada linguagem, a fim de optar e socializar a de consenso.

Dada a impossibilidade de descrever completamente as propriedades, por meio da linguagem, há a sexta etapa, fruto de todas as anteriores, denominada “axiomatização”, em que se organizam sistematicamente algumas propriedades dos sistemas formais criados. Por meio desse método, utilizando as propriedades sistematizadas, chegam-se a outras. A manipulação de um sistema formal é o objetivo da aprendizagem matemática de uma estrutura. Nessa fase, já se identifica quando uma estrutura está incluída em outra, estabelecendo equações de transformação entre os elementos gerados. O quadro a seguir apresenta uma síntese do processo:

Quadro 4 – Etapas do processo de aprendizagem

1ª ETAPA 2ª ETAPA 3ª ETAPA 4ª ETAPA 5ª ETAPA 6ª ETAPA

Jogo Livre Jogo com Regras Jogo do Isomorfismo Representação Descrição de uma Representação Axiomatização Exploração livre, manipulação; Percepção de característica s físicas; Aquisição de vocabulário; Uso dos sentidos, etc. Percepção de restrições; Adaptação à nova situação; Verbalização. Percepção de propriedades comuns entre regras; Relações de natureza abstrata existentes entre jogos; Comparação. Representação da estrutura comum em diferentes registros, de forma mais organizada e inteligível;

Busca por uma representação gráfica para a estrutura. Descrição de uma representação; Exploração das propriedades das representações construídas e das abstrações; Busca por tradução da representação simbólica. Sistema formal, método, organização de algumas propriedades, axiomas, teoremas e provas.