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3.1 Sobre o MMM

3.1.1 MMM e as pesquisas

Para além da consulta aos relatórios de eventos, buscando referências sobre as séries iniciais, dispõem-se ainda de poucos trabalhos que podem ampliar horizontes sobre o processo de apropriação da nova Matemática pelos sistemas educacionais nas séries iniciais. Destaco, pois, os estudos de Medina (2007), Borges (2009), e Villela (2009), para melhor compreender o Movimento nas séries iniciais.

Em seu estudo, Medina (2007) procura ressignificar as representações postas sobre a vigência do MMM no ensino primário, na medida em que analisa as alterações curriculares e a legislação de ensino que lhes deu origem, por meio dos documentos oficiais de orientação curricular, direcionados para o ensino de Matemática, na escola primária paulista, no período de 1960 a 1980.

Aponta, ainda, as condições emergentes para a reforma do ensino de Matemática, nas séries iniciais, e as Leis nacionais 4.024/1961 e 5.692/1971 como a concretização das negociações entre os sujeitos sociais. Também, anuncia a especificidade da implantação e

vigência do MMM no ensino primário, indicando de que modo foi oficializado o Movimento nesse nível de ensino, em razão de apropriações do ideário, realizadas pela equipe da SEE, de São Paulo.

A autora examinou teses, dissertações, e coletou documentos relacionados ao tema, como o Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo, de 1969; os Guias Curriculares para o Ensino de 1o Grau, de 1975; e os Subsídios para a Implementação dos Guias Curriculares de Matemática − Álgebra e Geometria, de 1981. O processo também englobou o cotejamento de documentos escolhidos, como as Leis de Diretrizes e Bases, relativas ao período em foco (LDB/1961 e LDB/1971). Complementando essas informações, acrescentou entrevistas realizadas com protagonistas do MMM, tendo suas memórias como fontes e, por isso, tratadas como um conhecimento produzido, reconstruído através da crítica e da reinterpretação do passado, sob o olhar do hoje. Na articulação das questões, fez uso da abordagem da História Cultural, apoiada nos conceitos de representação, apropriação e estratégias postas por Chartier (1991) e Certeau (1982).

Medina (2007) concluiu que, no período estudado, os documentos oficiais foram utilizados como estratégia produzida pelo Estado, visando à reformulação curricular e divulgação, a fim de implementar as novas diretivas para o ensino de Matemática na escola primária paulista. Comprovou, também, a oficialização do ideário do MMM no ensino primário, por meio desses documentos, relacionando-os com as transformações na estrutura do currículo de Matemática com as normativas impostas pelas LDBs 4.024/1961 e 5.672/1971.

Para a pesquisadora, no período compreendido entre 1960 e 1980, todos os esforços da Secretaria de Educação visavam à expansão da rede de ensino, com racionalização e eficácia na aplicação de recursos, numa lógica empresarial caracterizada pelo desenvolvimentismo, produtividade, eficiência, controle e repressão, obedecendo a regras determinadas, conforme as orientações dos técnicos, indicados pelos acordos MEC-USAID e seus princípios tecnicistas.

A autora ainda relaciona as reestruturações curriculares, propostas pelo governo paulista, às mudanças ocorridas nos anos 60 (demanda social, desenvolvimentismo, novos conteúdos, tecnicismo), em que a Matemática vem com novas ideias e tentativas de adequar o currículo a uma nova demanda da sociedade. Verifica-se, nesse período, a valorização dos conteúdos das áreas tecnológicas, com predominância de financiamentos e treinamentos por parte do governo. Nesse quadro político de expansão e pressão da sociedade por aumento de vagas, foi-se traçando um cenário propício a reformulações e estruturação do sistema público

de ensino paulista. Essas considerações me permitiram colocar uma questão: Como o ideário do MMM foi incorporado na produção de documentos oficiais que buscaram parametrizar o ensino de Matemática nas séries iniciais das escolas paulistas?

Na concepção de Medina (2007), com o Plano Estadual de Educação de São Paulo deu-se início às reformas necessárias. O Estado, obrigado a ampliar sua rede de ensino, incorpora por volta de 25 mil novos professores, entre 1960 e 1970. Além disso, publica o Programa de Matemática, de 1969, considerado o primeiro de Matemática para o ensino primário, elaborado por matemáticos, o qual trazia modificações, influenciadas pelo ideário do MMM, que circulava dentro e fora do País. Nesse sentido, foram introduzidos novos conteúdos referentes à Teoria de Conjuntos e à Geometria, distribuídos conforme as orientações do MMM, que priorizava os fatos matemáticos e as propriedades estruturais das operações. Além disso, a autora percebe algumas tentativas de alterações metodológicas no tratamento de conteúdos de Geometria, não havendo ainda discussões sobre o uso de materiais concretos.

O Plano Estadual de Educação se fundamentava nas teorias psicogenéticas de Jean Piaget, em consonância com o conjunto de ideias do MMM, porém com muitas limitações. Uma das críticas recorrentes de protagonistas desse Movimento refere-se à falta de aprofundamento dos textos escritos por Piaget sobre aprendizagem Matemática. Sua teoria justificava muitas ações realizadas durante o Movimento, porém eram pouco estudadas, chegando aos professores, por meio de várias releituras e interpretações, o que dificultava a reflexão e gerava incompreensões.

Outro componente que mostra apropriações do ideário e caracteriza o Movimento no ensino nas séries iniciais é a presença explícita das ideias de Zoltan Dienes, na fundamentação da metodologia proposta. Para Medina (2007), pode-se observar um diferencial nas proposições dos “modernistas” para o ensino primário, após a visita desse matemático ao Brasil e a tradução de seus livros. Os documentos oficiais publicados revelam a consistência em relação a essas novas teorias e demonstram o objetivo de informar as novas metodologias disponíveis aos professores. A estruturação linguística dos documentos e seus termos passaram a estar presentes no discurso dos educadores.

A importância da adequação dos conteúdos às fases de desenvolvimento da criança, enfatizando a abordagem estruturalista da Matemática, era enfatizada por protagonistas do Movimento, como as professoras Anna Franchi, Lucília Bechara e Manhucia P. Liberman, entre outros membros (MEDINA, 2007).

Aprofundei os estudos sobre a expansão e reestruturação do ensino primário, no período entre 1960 e 1980, em São Paulo, relacionando-os a apropriações do ideário do MMM, realizadas pela equipe de elaboradores desses documentos. Assim, considerei as reformas do ensino, por sua vez, ligadas essencialmente a uma realidade em que era necessária a modernização do ensino de Matemática, para adequá-lo às novas exigências da sociedade e à nova clientela que passou a ter acesso à escola pública. Atentei, ainda, para o fato de que a partir do Plano Estadual de Educação, iniciado em 1967, verifica-se a nítida opção do Estado pelas estratégias de reformulação curricular e divulgação, por meio dos documentos oficiais, tentando atender ao maior número de professores em menor tempo, conforme compromisso de democratização do ensino assumido. Dessa forma, os documentos podem ser caracterizados, também, como estratégia indireta de formação de professores em serviço.

Em suma, a principal contribuição de Medina (2007) foi mostrar a implementação diferenciada do MMM nas séries iniciais, com ênfase nas novas metodologias para o ensino e o papel fundamental de Zoltan Dienes no embasamento dessas propostas de mudança.

Villela (2009) indica alguns dos professores responsáveis por implantar as reformulações curriculares propostas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Considera as professoras Franca Cohen Gottlieb, Anna Averbuch, Estela Kaufman Fainguelernt e Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, já envolvidas com as discussões sobre a modernização do trabalho docente em Matemática, no Rio de Janeiro, há muitos anos, como divulgadoras do ideário em documentos oficiais.

Tanto o Guia Curricular do Estado de São Paulo, distribuído em 1975, como os documentos do Estado da Guanabara (Subsídios para a Elaboração dos Currículos Plenos dos Estabelecimentos Oficiais de Ensino de 1o Grau), assim como do Estado do Rio de Janeiro (Reformulação de Currículos), retratam as correntes ideológicas hegemônicas da época e são frutos das tendências tecnicistas na educação brasileira. No currículo de Matemática, a diluição do conteúdo para oito anos foi justificada pela abordagem estruturalista, com ênfase nas funções e relações, tratando esta área do conhecimento como construção única e, assim, permitindo a flexibilização no aprofundamento dos conteúdos, de acordo com as diferentes clientelas a quem os Guias, tanto de São Paulo, quanto do Rio de Janeiro, eram destinados.

As autoras enfatizavam que a avalanche de informações sobre as mudanças propostas, a inserção de milhares de professores nas redes paulista e carioca, em um curto intervalo de tempo e a nova clientela, antes elitista e agora heterogênea, pediam estratégias rápidas de divulgação e circulação das novas propostas. Sendo assim, a equipe de elaboradores, quer das

propostas curriculares, quer dos livros didáticos, apropriou-se do que era possível, elencando um rol de prioridades sobre o que realmente poderia ser inserido em sala de aula.

Desse modo, as reformulações curriculares no ensino primário, por meio dos documentos, oficializaram alterações didático-metodológicas no currículo de Matemática nas séries iniciais.

Já o trabalho de Borges (2010) analisa a reforma do ensino de Matemática, buscando apresentar uma reflexão sobre os discursos veiculados pela Revista de Pedagogia26, e indica características: a argumentação, no sentido de convencer os professores leitores da necessidade de modernização do ensino de Matemática. Mais veemente, considerou o apelo para que os professores leitores aderissem às propostas do MMM, no sentido de conhecer a teoria psicogenética de Piaget e suas relações com a aprendizagem.

Em suas conclusões, Borges (2010) afirmou que os artigos analisados veicularam discursos com caráter de esclarecimento aos professores primários, deixando evidente a responsabilidade em compreender as propostas “modernistas”, ao trabalhar a Matemática Moderna com seus alunos. Para ele, a revista levou aos professores primários, temáticas e possibilidades pedagógicas, as quais permitiram discussões e reflexões, esclarecendo e dando suporte teórico para a condução das aulas de Matemática Moderna.

Os trabalhos de Medina (2007) e Villela (2009) afirmam que os documentos oficiais foram utilizados como estratégia, produzida pelo Estado, de reformulação curricular e divulgação, para implementar as novas diretivas para o ensino de Matemática na escola primária. O de Borges apresenta a revista como um impresso usado como meio de subsidiar os professores para operacionalizar as mudanças.

Da discussão realizada sobre os trabalhos mencionados, ficam os vestígios de que a combinação de métodos foi imprescindível para oficializar as propostas de reformulação curricular defendida por um Movimento de renovação pedagógica. Essas estratégias são elucidativas e podem explicar apropriações do ideário original por parte das equipes elaboradoras dos documentos oficiais, em que foram implantadas as reformas sugeridas pelo MMM.

26 Periódico pedagógico, editado por professores da Universidade de São Paulo, especificamente da antiga

Cadeira de Didática Geral e Especial da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, no período de 1955 a 1957, contendo discursos acerca do ensino da Matemática Moderna, dirigidos aos professores primários. Em seu estudo, Borges (2010) analisou quatro artigos de autoria de Rosenbaum, Onofre de Arruda Penteado Junior e do professor Scipione Di Pierro Netto, publicados nos anos 1961, 1963 e 1968. Busquei identificar nos discursos dos professores, autores características das propostas reformadoras, trazidas pelo MMM, no âmbito do ensino primário.

Os trabalhos sobre as séries iniciais analisados indicam uma necessidade de aprofundamento, com vista à especificidade de sua implementação e alterações propostas, com aglutinação de muitos educadores, num período marcado por várias mudanças no sistema educacional brasileiro. Tudo leva crer que há lacunas que precisam ser preenchidas, principalmente em relação às proposições de alterações didático-metodológicas para o ensino de Aritmética.

3.2 Os participantes do MMM na estrutura organizacional das Secretarias de Educação