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1.2 A beleza como catedral espiritual

1.2.2 As sete arcadas do belo

Prosseguindo a construção da catedral, Bruno Forte lança-se à nave, abordando os sete nomes do belo, nas línguas sagradas do Ocidente. Numa catedral edificada, as arcadas correspondem aos arcos de sustentação da abóbada, que podem ser de meio ponto, ogiovais ou de outro estilo arquitetônico. Forte relaciona os nomes do belo com a sustentação de um conceito de beleza pleno de sentido. O número sete indica essa plenitude, visto que é usado nas Sagradas Escrituras com o significado de totalidade. Nessa relação, a teologia tem a missão de dizer o indizível ―fazendo resplandecer a ‗menorá‟ viva dos rostos, que com suas sete aberturas serão chamadas a veicular luz verdadeira do coração, aquela que é o messias, o Eterno que entrou no tempo, que está em condição de acender com sua luz‖.71

Os sete nomes do belo trazem aspectos particulares e evocam enfoques específicos, embora haja também semelhanças. Reportando-se à língua hebraica, o primeiro nome do belo é tov, que significa, como que um canto firme, ou seja, como um comentário divino à obra dos

70 Cf. FORTE, B. O caminho da beleza, p. 13-14. 71 Ibidem, p. 16.

seis dias da criação. O relato bíblico apresenta o sentimento do Senhor: ―e Deus viu que isso era bom e belo (Gn 1,25). As categorias bondade e beleza são inseparáveis aos olhos do Criador. A criação é bela porque nasce do coração de Deus, é um desejo do céu. E, por conseguinte, o termo tov remete à beleza que nutre o desejo de ligação da pessoa humana com o eterno. ―O belo e o bem são desejo de eterno, sede do céu, sede da beleza escondida‖.72

O teólogo italiano, reportando-se à língua grega, apresenta também a palavra beleza como kalós, ou seja, o belo tem força de atração, é amável, oferece-se e vem ao encontro. Dessa forma, a beleza é afeto, oferta e vinda do Outro. Para atingir essa beleza, a pessoa necessariamente precisa fazer o movimento de ir ao Outro e deixar-se atrair.73 Esse movimento precisa ter a marca do amor ―além de todas as coisas, além do ser, do divino e do bem‖74.

Buscando o terceiro nome da beleza, Bruno Forte recorre ao termo latino pulcher, que significa a localização especifica da beleza: belo é alguém, um sujeito concreto, um fragmento. No entanto, esta beleza carrega uma aura trágica, ―seu beijo é mortal, porque o Todo, que se oferece ao fragmento, revela sua inexorável finitude‖.75 Então, o belo em si

mesmo, constitui-se em denúncia à sua própria fragilidade. O belo é como a morte: ameaçador; recorda ao tempo sua finitude. Mas, essa angústia remete à revelação de uma beleza maior: o coração humano fica inquieto quanto ao seu futuro, despontando assim uma busca pela eternidade: suprema beleza.

O quarto nome da beleza é encontrado também na língua latina: formosus. ―Belo é o que tem forma e no qual a proporção das partes reflete a harmonia dos números do céu‖76.

Beleza, então, está associada à ordem, harmonia, paz, ao repouso da alma. Bruno Forte aponta para Agostinho como inovador, na compreensão desse nome: formosus. Primeiramente, porque beleza não é qualquer coisa, mas alguém: é Deus. Em segundo, porque o belo, entendido como harmonia, não é justificativa para o mal e o sofrimento. Assim como a sombra está para a luz, beleza e mal fazem parte de uma dialética necessária.

72 FORTE, B. O caminho da beleza, p. 17.

73 Nesse sentido, acrescenta Brustolin: ―a beleza, portanto, tem uma dimensão objetiva que se confronta com o

sujeito e se impõe independentemente do subjetivismo. A beleza tem uma essência. Verdade, Belo e Bom são sinônimos com dependência mútua. No mundo antigo, por exemplo, um objeto só passava a ser feito em ouro depois de constatada sua utilidade e função. A beleza constitui, portanto, uma das faces da trindade ideal do verdadeiro do bom e do belo‖ (BRUSTOLIN, L. A beleza que salva o mundo. Teocomunicação, p.32.).

74 FORTE, B. O caminho da beleza, p. 18. 75 Ibidem, p. 19.

O quinto nome do belo é evocado pela língua germânica schon. Beleza está associada ao brilho, à claridade, à luminosidade; o belo é resplandecente. Pode ser comparado ao sol, em todos os movimentos do dia. O termo luminosidade, usado por Tomás de Aquino77, é aplicado ao Filho de Deus. É a Jesus que mais convém a ideia de beleza. O Aquinate articula mais dois termos agostinianos: integridade e proporção, para desenvolver a ideia do Todo no fragmento. Ora, o Todo tornou-se presente em Jesus, Filho encarnado, não somente como harmonia, mas como transgressão. ―O infinito na fragilidade do finito, o Eterno no tempo, o sumo bem na morte de cruz‖.78 O amor crucificado é a revelação da beleza que salva.

O sexto nome do belo é a própria palavra belo, vinda do latim medieval, bonicellum, que significa pequeno bem ou bem abreviado. A beleza é a contração do Onipotente na fraqueza, do divino no humano, da glória na humanidade, na vergonha da cruz. O belo é entendido como a capacidade de induzir ao bem infinito, entregar-se à morte por amor de quem é amado. ―O belo é humildade, kénosis (vazio) do esplendor e justamente assim, paradoxal esplendor da kénosis‖.79

Finalizando essa tarefa de apontar os nomes do belo, Bruno Forte remete ao silêncio. O sétimo nome do belo ―é a beleza além de toda a beleza, o silêncio de Deus além de tantas palavras dos homens que procuram dizer o indizível, é a voz do silêncio que, segundo o texto hebraico, fala só a Elias no Horeb‖.80 A beleza, então, estará sempre além. Carregará a marca

do inatingível, mas será desejada, atraente e escondida: beleza infinita presente na finitude, viva e, no entanto, feita morte, salvífica, temporal e eterna. Conforme Forte, ―o belo evoca, não prende, invoca, não pretende, provoca, não sacia. É a beleza significada em seu contrário, a porta da beleza, a beleza de Deus‖.81

Dentro da catedral, o belo torna-se palpável, definível e admirável. Cada arcada conduz para Deus, conecta o ser humano à própria ascensão espiritual, à descoberta do sentido e da beleza da redenção. As arcadas conectam a terra ao céu, numa constante verticalidade que direciona ao sagrado, ao belo, ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

77 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, 1. q. 39 a. 8c. 78 FORTE, B. O caminho da beleza, p. 23.

79 Ibidem, p. 24. 80 Ibidem, p. 25. 81 Ibidem, p. 26.