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1.2 A beleza como catedral espiritual

1.2.1 O pórtico da beleza

prónao é a metáfora do perdido que está na base das reflexões que se seguem; a nave destaca

os sete nomes do belo [...]; a abside conclui e abre para a beleza como acesso possível ao Mistério que salva‖.66

Essas figuras de linguagem apontadas por Forte, como formadoras da sua catedral do espírito, nos conduzem à reflexão do sentido da vida e da beleza de Deus. O prónao, fachada, pórtico de acesso à catedral, mostra a possibilidade de inserção do ser humano no templo para uma reflexão sobre a beleza do mistério de Deus. Já a nave e seus sete arcos nos dão uma conceituação sobre a beleza salvífica, e, por último, a abside, a abóbada da catedral, capela- mor, que emoldura a própria beleza de Deus. Diante dessa correspondência, cada elemento será, a seguir, melhor explicitado de acordo com o pensamento teológico de Forte.

1.2.1. O pórtico da beleza

A linguagem metafórica de Forte, fazendo alusão à construção da catedral espiritual, dispõe, primeiramente, do pórtico. Numa catedral edificada, trata-se do local de acesso que as pessoas têm a ela. É a passagem para a contemplação do interior da catedral. Dessa forma, na dimensão do pórtico de entrada (prónao), Bruno Forte discorre sobre o estágio de pensamento que o ser humano atingiu (o tempo da razão forte), no qual se julgou entendedor de tudo, de tal forma que emergiu a vontade de poder das ideologias, impondo ao mundo a totalidade das ideias, resultando num reinado permanentemente humano. A maioridade da razão, de modo especial no séc. XX, gerou os sistemas totalitários como o comunismo, o fascismo e o nazismo, que expulsaram a beleza, porque ―não pode haver lugar para ela onde não sejam reconhecidas a utilidade, a individualidade e o mistério: a beleza evoca, não captura; suscita, não prende; invoca, não presume. Por isso, no tempo da utopia- veleidade da razão adulta- a beleza foi rejeitada, exilada ou reduzida a cálculo vulgaríssimo‖.67 A consequência desse

exílio da beleza constituiu-se na perda de sentido da verdade e do bem. Diante dessa situação, o que pode reconduzir à alegria da vida, à força de vencer a morte, a dor e a esperança?

66 FORTE, B. O caminho da beleza, p.11.

Somente a beleza pode recuperar o sentido da humanidade. Mas, numa tentativa honesta de buscar o aperfeiçoamento da razão, a humanidade adentrou num terreno movediço, perdendo a verdade amável, o bem atraente e esquecendo a humanidade e a divindade de Deus. A chave estética que pode abrir uma porta nova é a busca da beleza. Haverá, escondido, um bem que libertará e uma verdade que salvará.

Em meio ao desencanto e à razão, que se mostrou frágil e daninha, será preciso redescobrir a beleza que, na sua dinâmica, será encontrada na simplicidade e na contradição. A redescoberta do belo apontará o caminho do Todo no fragmento, na grandeza do amor. Com essa reflexão, Bruno Forte não pretende construir uma teologia totalitária, ao contrário, antecipa a resposta quando afirma: ―o caminho da beleza não deve ser compreendido como uma fórmula totalizante, mas como metáfora de um caminho possível e fecundo para se restituir aos fragmentos um horizonte de sentido, e para se colher na Verdade última e soberana, a verdadeira ponte da dignidade do fragmento‖.68

Em consonância com o pensamento de Forte, o Todo se completa a partir de fragmentos, de partes que conduzirão ao verdadeiro sentido da vida e da beleza de Deus. O mistério de Deus e a beleza se constroem num fragmento, e se manifestam através das dimensões do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A beleza da crucificação e da ressurreição mostra-se como forma paradoxal de beleza, mas, é beleza salvífica. Dentro dessa concepção, nosso teólogo sugere a retomada da filocalia, ou seja, do amor à beleza, discorrendo que o coração humano precisa abrir-se a ela, a fim de que, aflorado o sentido do belo, resulte uma educação para o amor da beleza que salva, oferecida à humanidade na revelação.

Ainda, diante da mentalidade contemporânea, o ―reconhecimento do oferecer-se infinito ao finito, do distante à proximidade, é somente a compreensão estética da Verdade e do bem que poderá estar em condição de falar eficazmente ao mundo humano ―demasiadamente humano‖ que é o nosso mundo pós-moderno‖.69 Olhando para o passado,

vê-se que o mundo foi provado e testado pelos totalitarismos e guerras. Diante desse quadro, ele tem necessidade de uma oferta da eternidade no tempo presente, da onipotência na proximidade, do amor capaz de misericórdia e compreensão. Nos tempos atuais, o rosto da verdade e do bem, que pode atrair o coração humano, é a beleza do amor crucificado.

68FORTE, B. O caminho da beleza, p.14.

A perda do conceito de beleza pela humanidade, inicialmente vista de modo extremamente racional, e posteriormente, de modo extremamente liberal no século das luzes, no aparecimento do iluminismo e na modernidade, passando de um extremo ao outro, conduziu a uma crise de sentido, sobrevindo a era denominada, para Bruno Forte, de pós- modernidade.70 Antes, a fé foi substituída pelo poder da razão humana e depois se buscou a extensão da razão na condução da experiência humana e da fé, pretendendo, com a luz da razão, iluminar as trevas da ignorância da humanidade e estendendo a critica à fé.

Esse processo gerou uma completa ausência de percepção da beleza do mistério de Deus e do sentido da vida, culminando com um mundo laico, caracterizado pelo relativismo moral, pelo individualismo, pelo hedonismo e pelo consumismo exacerbado. Sob o ponto de vista da existência, o ser humano perdeu completamente o norte, e o pórtico, o prónao, a fachada da catedral, para Bruno Forte, é o caminho condutor para a compreensão do belo, é oportunidade, é porta de entrada para a percepção de Deus, de Cristo em ascensão aos céus e da beleza da crucificação e ressurreição.