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As sociedades humanas

No documento Organicismos e Política (páginas 53-56)

RENÉ WORMS E O ORGANICISMO SOCIAL

5. As sociedades humanas

Como disse já Worms, as sociedades humanas são “reuniões de seres vivos, tendo cada um deles uma verdadeira individualidade orgânica”49. Mas nem toda

a reunião de homens constitui uma “sociedade”. Há reuniões de homens, como adverte, a que essa denominação não é aplicável: o auditório de uma aula, um mesmo conjunto de pessoas que viaja num comboio, etc.; são grupos que cuja associação é efémera e ocasional. Há, pois, várias condições a satisfazer, segundo Worms, para que um agrupamento de homens possa ser denominado uma “socie-

dade”; são elas: 1.º, a duração (indispensável, ainda que não seja suficiente), não

devendo, porém, considerar-se “sociedades”, ainda que duráveis – sublinha – as que se constituem apenas movidas “por um lado da (…) existência” humana, como é o caso das sociedades científicas, literárias, comerciais, etc., em que os seus membros não vivem, exclusivamente, para elas nem lhes consagram, exclusivamente, a sua vida (daí que facilmente se distingam das “nações” e dos “povos”)50; 2.º, ter um

carácter de generalidade (que se define pela multiplicidade de actividades comuns a todos os que dela fazem parte, numa perspectiva de “plenitude”) – ausente das associações precedentes – de tal modo que os seus membros, mesmo quando ausentes, se sentem ligados por um denominador comum51. Há, pois, uma

diferença entre associações e sociedades52 (ainda que estas duas condições sejam

bastantes inconsistentes). De qualquer modo, para Worms, são critério bastante para distinguir as associações das sociedades: as primeiras são agrupamentos mais ou menos efémeros, determinados por interesses e actividades de ordem particular e as sociedades são agrupamentos de longa duração, determinados por razões de ordem geral e uma actividade em comum (de que a “nação” era o exemplo mais acabado, segundo Worms)53.

5.1. Sociedade e nação

Nos tempos modernos, diz Worms, sociedade e nação eram sinónimos. Reconhece que podia considerar-se abusiva esta conexão e identificação, pois se uma sociedade é um agrupamento duradouro de seres que exercem toda 49 Idem, ibidem.

50 Idem, ibidem, pp. 30-31. 51 Idem, ibidem, p. 31. 52 Idem, ibidem.

a sua actividade em comum, então “não será, também, uma sociedade, uma união conjugal? Os esposos não se associam durante uma vida e não fazem essa vida em comum?”54. Sem dúvida, mas para Worms, por mais íntima que

seja a união conjugal, ela não inclui toda a actividade dos esposos; tanto a mulher como o homem – mais este do que aquela – vivem a maior parte do tempo fora de casa, longe do lar, enquanto, pelo contrário, não podem viver fora da sociedade; e o mesmo se podia dizer quanto à família. Ainda que outrora tenha sido sinónimo de sociedade, a família moderna não só deixara de ser duradoura (a partir de uma certa idade, os filhos deixavam a casa dos progenitores e tornavam-se, em geral, independentes) como deixou de absor- ver a vida inteira dos seus membros, mesmo dos mais fiéis; por isso, estes “sub-múltiplos” da sociedade nacional já não podiam ser considerados como “verdadeiras sociedades”55. A crescente complexidade da organização social fez

com que o povo ou a nação (para Worms, sinónimos) se tornasse a verdadeira sociedade e a “forma social do presente”56.

Mas se é a longa duração e uma comum actividade de ordem geral que caracterizam uma sociedade, não será mais apropriado atribuir esta denominação à humanidade do que à nação? Para Worms poderia ser, porque se é verdade que o homem pode escapar à sua pátria e à sua nação, não pode escapar à humanidade (pela constatação de que todos os homens, de certo modo, são irmãos); e neste sentido, poder-se-ia afirmar que não há senão uma só sociedade – a humanidade – e que o homem poderá chegar até essa “sociedade universal”, por exemplo, através de uma confederação de povos ou nações a começar pela “unidade” da Europa; um dia crê que isso acabará por acontecer, mas num futuro muito dis- tante e imprevisível, pois são demasiadas as desigualdades sociais e os conflitos entre as nações57.

5.2. A sociedade, a raça e o Estado

Mas a sociedade, tal como Worms a acaba de definir (identificando-a com a nação) devia, em seu entender, ser, claramente, demarcada de conceitos vizinhos – como os de “raça” e “Estado” (que, no seu tempo, tinham alguma coincidência, em certos países nacionalistas). Um agrupamento de indiví- 54 Idem, ibidem, p. 32

55 Idem, ibidem.

56 Idem, ibidem, pp. 33-34. 57 Idem, ibidem, p. 33.

duos que se reclama de uma mesma raça (ou seja, serem descendentes de um suposto ancestral comum e com certas características anatómicas e psicológicas comuns) não constitui, por essa razões – segundo Worms –, uma “sociedade”58.

Na origem desta, a raça pode ajudar, mas posteriormente, torna-se um factor secundário. Há sociedades europeias – como anota –constituídas, na sua tota- lidade, pela fusão de várias raças. Uma sociedade baseia-se, antes, em relações de semelhança, na cooperação dos seus membros, numa vida em comum sob as mesmas leis e governo, as mesmas tradições e costumes (e não em relações de parentesco)59. Enfim, na feliz expressão de Gabriel Tarde, que Worms traz

à colacção, a sociedade é “o conjunto dos seres que se reproduzem uns aos outros, imitando-se reciprocamente”60. Pode, pois, haver – é o mais comum –

uma unidade social sem unidade de raça, o que significa que, numa sociedade, os caracteres étnicos são secundários61.

Mas Worms também considera importante distinguir a sociedade do Estado. Não é uma distinção fácil de fazer porque os elementos do Estado e da sociedade eram, em sua opinião, os mesmos62. Todavia, as relações desses elementos nos

dois agrupamentos eram distintas. Quando os indivíduos que têm uma vida em comum e duradoura, ou seja, que vivem em sociedade, tomam consciência da sua comunidade de existência, atribuem-lhe um governo e um sistema de leis e encarnam, nesse aparelho, a ideia que têm da sua associação – temos o Estado63;

este acrescenta à sociedade laços jurídicos e políticos64; por isso, se há sociedades

que não são Estados (como grupos de esquimós onde não há chefes nem leis, embora no interior de cada um deles haja comunidade de bens e de costumes), todavia todo o Estado pressupõe uma sociedade (o Estado espanhol, por exem- plo, é constituído por várias sociedades ou “nações”). Em síntese: para Worms o Estado é a “forma superior da sociedade”.

58 Idem, ibidem, pp. 34-35.Ver Tarde, Lois de l´imitation, 2ème édition, révue et augmentée, Paris, Ancienne librarie

Germer Baillière et Cie./Félix Alcan Éditeur, 1895, pp. 64-80; da mesma opinião é Quatrefages (in L´Espèce humaine, 12.ª ed., Paris, Ancienne librarie Germer Baillière et Cie./Félix Alcan Éditeur, 1896).

59 Idem, ibidem, p. 35.

60 Idem, ibidem, pp. 35-36. Ver G. Tarde, op. cit. p. 73. 61 Idem, ibidem.

62 Idem, ibidem, p. 36. 63 Idem, ibidem, p. 37. 64 Idem, ibidem.

No documento Organicismos e Política (páginas 53-56)