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3 ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL E O USO DAS TECNOLOGIAS

3.1 As tecnologias como instrumentos de criação humana

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O Sistema de Ensino Municipal, do qual faço parte como professora, implantou no ano de 2012 o Currículo Comum para o ensino fundamental. Este documento, elaborado por profissionais da educação e em fase de revisão, está pautado na abordagem histórico-cultural e na vertente democrática e participativa.

Antes de entrarmos na questão propriamente dita dos instrumentos, cabe explicitarmos a concepção de homem para tal teoria que é de um ser histórico-cultural que se torna humano por meio de relações estabelecidas com outras pessoas, “com as situações que vive, no momento histórico em que vive e com a cultura a que tem acesso” (MELLO, 2004, p.136).

Dessa maneira, Vigotski buscou compreender o seu interesse de estudo, o desenvolvimento psíquico, a partir do conceito de homem como ser sócio-histórico que tem as suas funções psicológicas superiores desenvolvidas pela apropriação da cultura-dos instrumentos e dos signos, elaborados e aprimorados pela humanidade.

Ao longo dos anos, o homem criou coisas materiais e não-materiais, sendo essas invenções denominadas de cultura. “As coisas materiais da cultura são constituídas pelos instrumentos de trabalho, pelas máquinas, pelos objetos que utilizamos para as mais diferentes atividades”. Enquanto que, as coisas denominadas de não-materiais referem-se ao “conjunto igualmente extenso constituído pelos hábitos e costumes de um povo, pela língua, pelos conhecimentos, pelas artes, pelas ideias...” (MELLO, 2004, p.137)

Para as postulações de Vigotski, a apropriação dos instrumentos e dos signos significa o acesso a criação e produção da cultura humana. É durante essas atividades que o homem também cria habilidades, aptidões e capacidades humanas necessárias para usar os objetos, os quais carregam em si toda a atividade humana, segundo Leontiev (s/d, p.284):

Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objectos e de fenômenos criado pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de actividade social e desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse mundo.

Assim, um dos pilares que fundamentam essa corrente teórica é a relação mediada do homem com o mundo, a qual não ocorre de maneira direita e sim pelos instrumentos e signos, sendo a linguagem o principal sistema simbólico. Por meio desses dois elementos, que representam um avanço da humanidade, “o homem não só domina o meio ambiente como o seu próprio comportamento”, conforme Rego (2014, p. 49).

Como vimos, a relação do homem com o mundo que o circunda não é direta, mas sim mediada. Diante disso, para a vertente teórica histórico-cultural, o instrumento, como papel mediador, permite ao homem realizar mudanças na natureza. E, além de executar determinadas tarefas com o uso do objeto, o ser humano é capaz de conservar aquilo que foi

inventado, transmitir a função social aos demais, aprimorar os objetos já existentes, bem como, elaborar novos.

Portanto, o homem transforma a natureza para atender suas necessidades básicas e se transforma. Isto é, para viver em sociedade torna-se necessário a apropriação da cultura acumulada durante o processo histórico da humanidade, já que, além do suporte biológico, o homem para se tornar humano “precisa se apropriar das objetivações humanas, ou seja, adquirir a atividade histórico-social das gerações precedentes, que se encontra depositada, acumulada nos objetos, linguagem, usos e costumes” (LEITE e EIDT, 2010, p.50).

Para o aporte teórico histórico-cultural, a cultura tem importância no desenvolvimento humano, isso porque o homem utiliza os conhecimentos transmitidos de geração em geração, bem como, constrói novos saberes para criar coisas, tornando-se necessário aprender um conjunto de habilidades para lidar com essas invenções humanas e essa aprendizagem acontece mediante a relação com o outro.

Nesta perspectiva, cabe à educação o papel de garantir as novas gerações o acesso a cultura historicamente construída pelo homem, viabilizando a apropriação das aptidões que se encontram externas aos alunos, mas que estão cristalizadas nas coisas materiais e imateriais da cultura.

A aquisição da cultura promove a transformação das funções psicológicas superiores tendo a educação um papel importante neste processo, pois as novas aptidões e as funções psíquicas não acontecem de maneira isolada, torna-se necessário a relação do homem com o outro. Leontiev (s/d, p.290, grifo do autor) deixa bem claro a importância do outro:

[...] Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, os órgãos da sua individualidade, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a actividade adequada.

Portanto, articulando as concepções da vertente histórico-cultural com essa Dissertação de Mestrado compreendemos que as tecnologias, como a máquina fotográfica digital e os celulares (os quais possibilitam a criação de vídeos), fazem parte da cultura, pois são instrumentos construídos e aprimorados pelo homem no decorrer dos anos. Dessa maneira, como mencionado anteriormente, para se apropriar desse bem cultural é preciso que o professor proporcione situações para que o aluno possa aprender a utilidade social dessa invenção, que neste caso especificamente remete a construção de vídeos digitais por parte dos alunos como forma de comunicação na perspectiva de autoria.

Além disto, ao considerarmos a afirmação da autora Mello (2004, p.136) em que “as habilidades, capacidades e aptidões humanas criadas e necessárias à vida eram umas na Pré-História, outras na Idade Média, outras ainda no início da Revolução Industrial e são outras neste momento da nossa história”, entendemos que na atualidade, num mundo contemporâneo marcado por novas tecnologias que permitem novas maneiras de aprender e de se comunicar, as habilidades são outras, sendo papel da escola abordar a cultura atual. Desta forma, entendemos que o sujeito precisa aprender estas habilidades necessárias para o uso da cultura no contexto histórico em que está inserido.