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De acordo com Bahia and Trindade (2010), as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) podem ser definidas como sendo um conjunto de recursos tecnológicos integrados entre si, os quais por meio das suas funções (hardware, software e telecomunicações) proporcionam a automatização e comunicação dos processos de negócios, de pesquisa científica e de ensino e aprendizagem. São elas um dos maiores agentes das pro- fundas mudanças concebidas em todo o mundo. Dada a aceleração na inovação e na dinamização da mu- dança, estas são atualmente essenciais diante da globalização, da economia mundial e dos fenómenos físicos e humanos em geral.

Com a evolução das Tecnologias de Informação e Comunicação e a introdução de computadores nas escolas, a formação e capacitação continuada dos professores passa a ser fundamental. Devem, portanto, compreender que a inclusão da informática no contexto educacional deve ultrapassar a colocação e utilização de computa- dores nas escolas e formação de professores. Implica bastante mais: mudanças atitudinais e pedagógicas que rompam com os modelos tradicionais de educação.

Bahia e Trindade (2010) e Zêzere (2002) procuram avaliar até que ponto o contributo das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, que promovem um novo paradigma de sociedade baseada na informação e no conhecimento, podem melhorar significativamente a vida da criança com deficiência, se adequados às suas necessidades. Estas poderão ajudá-las a transpor barreiras e colaborar para um ensino mais saudável. Ao questionarem a conceção de Escola Inclusiva e a Igualdade de Oportunidades, fazem menção a uma mudança

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radical nas estratégias de ensino e de aprendizagem, bem como à renovação de valores, atitudes e compor- tamentos numa sociedade onde a exclusão ainda é uma realidade.

Espadinha (2011) considerou ser de todo o interesse maximizar as capacidades pessoais e sociais tais como a comunicação, recreação e lazer, autoestima, responsabilidade, socialização, gestão de conflitos, entre outras competências através das tecnologias. São competências que visam atenuar as dificuldades totais ou parciais da pessoa, funcionando como formas alternativas de compensação do sentido da visão. Neste sentido, uma boa utilização das tecnologias poderá promover o sucesso social e profissional destas pessoas.

Nesta perspetiva, considerou-se ter alguma pertinência estudar, até que ponto a utilização de um smartphone, em particular o Iphone, pode ser ou não uma ferramenta inclusiva relevante no dia-a-dia dos sujeitos, en- quanto instrumento para todos e ser um coadjuvante em tarefas fundamentais e também acessórias na vida pessoal, social e no emprego; dentro ou fora da escola, conforme as necessidades. Não se pode nem se deve esquecer que as nossas crianças e jovens de hoje serão os adultos de amanhã. Neste sentido, se forem bem delineadas e implementadas as estratégias de utilização desta tecnologia, talvez viesse a ser possível considerar um smartphone como uma mais-valia dentro e fora da escola. Passaria a ser mais simples a uma criança/jovem com deficiência visual ter acesso à informação em tempo real como os outros, nomeadamente, consultar a Internet, ler livros, interagir com os seus pares e professores.

Podemos questionar como é que as pessoas com deficiência visual são capazes de aceder e de utilizar um telemóvel “tátil”. Sendo este tema tão específico, alvo de poucos estudos e trabalhos de investigação, nome- adamente em Portugal, pareceu ter interesse realizar um estudo qualitativo junto de algumas pessoas cegas utilizadoras de smartphone, neste caso, o Iphone em particular. No entanto, sabe-se de antemão que não se revelará uma tarefa fácil pela escassez de literatura sistemática sobre a matéria. Apesar das dificuldades espe- radas, decidiu-se levar a cabo este desafio, com a perspetiva de ser inovador na abordagem das questões, contribuir para o conhecimento desta tecnologia concebida sobre o conceito de desenho universal e para a posterior promoção da mudança de comportamentos sociais relativamente às pessoas com deficiência visual.

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Metodologia

Relativamente à metodologia, optou-se por realizar uma pesquisa de natureza qualitativa, tendo por base de análise uma entrevista semiestruturada a quatro utilizadores com experiência na utilização das funcionalida- des de smartphones e com conhecimentos sobre o tema. A partir da transcrição pormenorizada das entre- vistas, foi feita a análise do seu conteúdo com a finalidade de aferir o maior conjunto de informações obti- das no contexto e no ambiente natural dos entrevistados.

Neste tipo de abordagem metodológica, foi escolhida como método de recolha de dados a entrevista semi- estruturada, em que não se privilegia a amostragem aleatória e numerosa, mas criteriosa ou intencional. Isto é, a seleção da amostra está sujeita a determinados critérios que permitem ao investigador aprender o máximo sobre o tema em estudo (Vala & Monteiro, 2007).

Para a entrevista foi criado um guião construído com base na teoria que alimentou a investigação e em toda a informação por ele recolhida, que serviu para o desenvolvimento da entrevista. Permitiu que os di- versos participantes tivessem respondido às mesmas perguntas. O guião da entrevista teve como finalidades: possibilitar a recolha de dados qualitativos comparáveis; compreender, de forma mais profunda, tópicos de interesse para o desenvolvimento de questões semiestruturadas relevantes e significativas; habilidade do en- trevistador para perspetivar tópicos que podem extrapolar o guião da entrevista, tornando possível a identi- ficação de novos caminhos para compreender o tema a investigar.

O inquérito por entrevista compreendia 20 questões, entre as quais iam sendo colocadas questões adicio- nais que o investigador considerasse pertinentes fazer ao entrevistado para uma maior profundidade das respostas sobre a utilização dos smartphones e um maior enriquecimento do conteúdo da entrevista.

Os oito participantes do estudo foram submetidos a uma entrevista, realizada apenas a utilizadores de smartphones. No entanto, foram excluídas quatro entrevistas por não terem interesse para a continuidade do projeto de investigação, uma vez que não cumpriam com alguns dos requisitos fundamentais. A seleção dos participantes foi realizada tendo por base os seguintes critérios: utilizadores que usassem o smartphone para além das funções de fazer e receber chamadas e enviar e receber mensagens; utilizadores experientes, especialistas na utilização das funcionalidades do smartphone; familiaridade com o tema alvo de estudo.

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Dos 8 participantes, seis eram do género masculino e dois do género feminino, com idades compreendidas entre os 35 e os 63 anos.

Feita a recolha de dados dos quatro participantes selecionados, foi necessário proceder ao seu tratamento. Para tal, fez-se a transcrição pormenorizada de cada uma das entrevistas, complementadas pelas respetivas questões adicionais, diferentes nalgumas das entrevistas, de acordo com a pertinência das respostas que iam sendo dadas pelos participantes. Posteriormente foi feita a descrição e análise do conteúdo de cada en- trevista e feita a análise. Para a análise de conteúdo foram definidas 5 dimensões que visaram identificar elementos para se obter uma perspetiva alargada da forma como os utilizadores encaram a tecnologia e as consequências que a mesma tem nas suas vidas. Assim, definiram-se as seguintes dimensões: nível de expe- riência, nível de satisfação; a utilização do assistente pessoal; as vantagens e desvantagens, a autonomia e independência promovidas.

Resultados e discussão

Apresentam-se seguidamente os resultados decorrentes da pesquisa qualitativa realizada no estudo a quatro utilizadores de Iphone com experiência. Quando se questionaram os utilizadores relativamente ao nível de experiência, verificou-se que todos se classificaram como avançados, talvez por serem entusiastas das novas tecnologias.

No que concerne ao grau de satisfação, todos se mostraram satisfeitos por ser muito vantajoso, acessível, estável e de rápido processamento, atribuindo-lhe o nível de satisfação máxima. No que concerne às Funci- onalidades e Utilidade do Iphone como uma mais-valia para as pessoas cegas, a totalidade da amostra con- siderou que o seu smartphone era uma mais-valia em todas as dimensões e que promovia um melhor de- sempenho pessoal, social e profissional por ter muitas aplicações que os ajudavam.

A dimensão que estava relacionada com a assistente virtual, a “Siri”, foi considerada como pouco útil na opi- nião dos participantes por não apresentar mapas pormenorizados sobre o nosso país. O utilizador que mais usava a assistente virtual sabia espanhol e usava-a naquele idioma. Esta situação talvez se deva ao facto desta não ter disponível o idioma em português e de os utilizadores não se sentirem à vontade para recor- rer a outra língua.

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Na dimensão desvantagens e limitações identificadas no Iphone, todos consideraram ter poucas desvanta- gens e limitações, embora ainda houvesse pormenores a melhorar, tais como a autonomia, o som do Voice- Over e a acessibilidade nalgumas aplicações.

Na dimensão autonomia e independência nas tarefas, interação com os outros e Inclusão social na promo- ção da qualidade de vida, foram reunidas a autonomia e independência e a interação e inclusão social. Rela- tivamente à autonomia e independência, deram como exemplos algumas aplicações específicas para os aju- dar na escolha da cor das roupas, identificação da luminosidade e de objetos. A consulta do correio eletró- nico e as pesquisas na Internet foram consideradas como boas representações de autonomia e de indepen- dência. A frequência com que as utilizavam era bastante, o que mostrou alguma satisfação em poderem usar o Facebook, YouTube e Twitter. Estes aspetos, como outros, permitiram concluir que a autoestima des- tas pessoas podia ser maior do que a das outras pessoas cegas que não utilizavam estas tecnologias mó- veis. Todos referiram que se sentiam mais independentes por poderem consultar sites de bancos e finanças sem ajuda de terceiros e dois deles perderam o receio em se dirigirem para um caminho novo porque usa- vam o programa Ariadne que os orientava bastante. A linha Braille como ferramenta adicional, para aqueles utilizadores que disseram fazer tudo com o Iphone e valorizavam a utilização do Braille, era fundamental. Esta, de 12 ou de 20 células, parece poder colmatar falhas de escrita que o VoiceOver não pode identificar.

Desta forma, pode-se equacionar a utilização do Iphone por alunos a partir do ensino secundário dentro e fora da escola. A variedade de aplicações disponíveis promovem a autonomia e independência dos alunos em muitas tarefas escolares e não escolares e ajudam a fomentar a interação entre os pares e a favorecer a inclusão social.

Este conjunto de situações transmite mais segurança aos sujeitos, melhoram a sua autoestima e como con- sequência, trazem uma vida com mais qualidade e conforto.

Conclusão

As particularidades económicas, sociais e culturais de cada época, foram determinantes para a forma como hoje é perspetivada a diferença. Exclusão, segregação, integração e no período atual, a inclusão, marcam um percurso onde estão subjacentes conceções e práticas sobre a deficiência e o que a envolve. São muitos os

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consumidores que já utilizam os smartphones como principal forma de aceder a Internet, tendo nalguns ca- sos trocado o computador por um smartphone. Atualmente, este tipo de tecnologia é tão sofisticada que consegue superar o computador no desempenho de algumas tarefas. No caso específico das pessoas com deficiência visual, mais do que a parte gráfica tão importante para qualquer cidadão, o tamanho, peso e a autonomia dos equipamentos são uma vantagem. Como as crianças de hoje são os nossos adultos de ama- nhã, talvez o smartphone possa ser uma ferramenta pedagógica útil dentro e fora da escola, depois de estar bem consolidado o Braille. Uma vez que se procura que as pessoas com qualquer tipo de deficiência te- nham uma vida o mais aproximado da dos restantes cidadãos, as tecnologias permitem que ambas, pessoas com e sem deficiência ajam e comuniquem sem barreiras e de forma inclusiva.

Concluiu-se que, no momento em que foi realizado este estudo, o smartphone da Apple era o mais acessí- vel, o mais intuitivo e aquele que vinha com uma voz menos “robotizada”, embora fosse dos mais caros no mercado. Para aqueles que fazem dele uma boa utilização, o smartphone da Apple pode ajudar em diversas tarefas, tais como: permitir a localização relativamente a moradas e ao local onde a pessoa cega se encon- tra, horários de transportes, servir como agenda, permitir a consulta de documentos, de informação atuali- zada e do correio eletrónico. Pode ainda ser um auxiliar pedagógico e de estudo, para a promoção de uma escola inclusiva e de uma sociedade com mais qualidade de vida.

Observou-se ainda neste estudo que hoje é possível uma pessoa cega realizar praticamente todas as tarefas que um simples cidadão realiza frequentemente, desde as mais simples, como ir ao Facebook, até às mais complexas, como consultar documentos em PDF, identificar objetos através do seu scanner ou navegar na Internet.

Pretende-se assim uma maior sensibilização da sociedade para que entendam as pessoas com deficiência visual como tendo uma característica e não como tendo uma doença que incapacita as pessoas que a têm. Para a realização deste estudo destaca-se a falta de trabalhos neste domínio ao nível teórico e mesmo em- pírico. Numa perspetiva de trabalhos futuros pretende-se: 1) avaliar a acessibilidade do sistema Android e das suas aplicações para as pessoas cegas; 2) estudar até que ponto os tablets são ou não uma ferramenta acessível, inclusiva e mais adequada para os alunos cegos e com baixa visão do ensino obrigatório.

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