• Nenhum resultado encontrado

As tecnologias móveis e a sua relação com a qualidade de vida e in clusão social de pessoas com cegueira

Carla Alexandra Badalo (Agrupamento de Escolas de Mem Martins)

Rosário Ochoa (ISCIA – Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração) Luís Neves (ISCIA – Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração)

Resumo:

A cegueira pode ser encarada como uma limitação dado que constitui uma barreira à participação na socie- dade dos seus portadores. De uma forma genérica, a sociedade vê a cegueira como uma limitação, dado que constitui uma barreira à participação social, refletindo-se diariamente na realização de algumas tarefas, menor qualidade de vida e limitando por isso a inclusão social destas pessoas. No entanto, a falta de visão não deve ser perspetivada como uma limitação, mas como um desafio. O objetivo central deste estudo in- cide na compreensão da importância que as tecnologias móveis têm na promoção da qualidade de vida e inclusão social de cidadãos com cegueira. Em particular, estudou-se a utilização do smartphone da Apple - o Iphone - para a construção e melhoria da autonomia, independência e interação com os outros. Para a realização deste estudo, foi elaborado um inquérito por entrevista aplicado a quatro utilizadores de Iphone que fossem cegos. Os resultados mostraram a existência de uma diferença significativa na vida dos utiliza- dores em todos os domínios, a partir do momento em que passaram a utilizar uma tecnologia móvel para os auxiliar nas tarefas do quotidiano, das mais simples às mais complexas.

Palavras-chave: cegueira; smartphone, autonomia; qualidade de vida; inclusão social

Abstract:

Blindness can be seen as a limitation because it constitutes a barrier to participation in the society of its pa- tients, reflecting daily in the accomplishment of some tasks, in a lower quality of life and thus limiting social inclusion. However, the lack of vision should not be viewed as a limitation, but as a challenge. The main ob- jective of this study is to understand the importance of mobile technologies in promoting the quality of life and social inclusion of blind people. We have studied the use of Apple's smartphone - the Iphone - for the construction and improvement of autonomy, independence and interaction with others. For this study, an interview survey was developed for four blind Iphone users. The results showed that there is a significant difference in users' lives in all domains, from the moment they started to use mobile technology to help with everyday tasks, from the simplest to the most complex.

Keywords: blindness; smartphone, autonomy; quality of life; social inclusion

Introdução

A tecnologia veio transformar a vida de todos os cidadãos, em particular daqueles que têm algum tipo de deficiência. O acesso à informação e à comunicação ficaram mais facilitados com o aparecimento do conceito

78

de Desenho Universal emergente da falta de acessibilidade à informação e a produtos por toda a população até então.

Nem sempre o conceito de deficiência foi percebido da mesma forma. Atualmente surge um novo paradigma deste conceito: noções de acessibilidade e de inclusão caminham juntas a favor de uma conceção de escola inclusiva e sem barreiras. Procura-se que todos - crianças, jovens e adultos - tenham acesso à informação, de modo a não serem discriminados nem excluídos (Zêzere, 2002). Para tal, a partir do século XX começou a ser concebida e implementada legislação nacional e internacional que promovia a inclusão em que o objetivo era defender os direitos das pessoas com deficiência. Deste modo, ao longo das várias décadas, crianças e jovens com diferentes problemáticas começaram a ser integradas e, mais tarde, incluídas nas escolas do ensino regular com adequações pedagógicas e curriculares individuais, ajustadas às suas necessidades específicas.

Este estudo foi desenvolvido com base na necessidade de esclarecer e de comprovar que existem formas de transpor barreiras, desde que sejam criadas condições para o efeito e de que a determinação dos cegos deverá ser sempre maior do que a sua apreensão. Mais concretamente, o anseio destes superarem dificulda- des, encontrarem estratégias e estarem em contacto permanente com o mundo que os rodeia, forçou-os a serem mais vanguardistas e estarem na dianteira, à espera das novas tecnologias que chegam ao mercado e sentirem-se preparados para as receber logo que são lançadas.

Neste sentido, o objetivo geral do estudo é refletir sobre as tecnologias móveis inteligentes e compreender a sua relação com a qualidade de vida e inclusão social, nomeadamente, a utilização de tecnologias móveis com acessibilidade total.

O âmbito da investigação delineada para este projeto foca-se numa área bastante específica que tem sido ainda alvo de pouca atenção por parte de teóricos e pesquisadores, quer no nosso país quer ao nível inter- nacional. Esta escassez de estudos pode dever-se ao facto dos cegos se constituírem como uma minoria. Apesar da pouca literatura existente, optou-se por ter a investigação como um desafio com o propósito de promover e esclarecer a população sobre a importância das tecnologias móveis.

Enquadramento Teórico-Científico

A visão é um dos sentidos básicos na vida, por ser aquele que melhor permite a apropriação e integração da realidade. Ela está sempre presente, tanto na capacidade de orientação e mobilidade, como nas interações

79

com os outros e nas atividades que se desenvolvem; sejam elas de natureza escolar no caso de crianças e jovens; profissional no caso dos adultos, ou social no caso de ambos. A sua ausência pode provocar a dimi- nuição da qualidade de vida, com repercussão negativa a nível pessoal, familiar e profissional, para além de causar elevados custos sociais (Nyman, Gosney, & Victor, 2010) e uma diminuição do bem-estar emocional (Hoffmann, 1998). Para que tal não aconteça, devem ser acionadas estratégias que possam atenuar ou com- pensar a deficiência. De entre outras, as Tecnologias de Informação e Comunicação, ajudas técnicas e adap- tações tecnológicas podem ser uma mais-valia nessa conjugação.

A cegueira pode ser encarada como uma limitação dado que constitui uma barreira à participação na socie- dade, refletindo-se diariamente na dificuldade na realização de algumas tarefas e numa menor qualidade de vida, limitando por isso a inclusão social. No entanto, a falta de visão não deve ser perspetivada apenas como uma limitação, mas, também, como um desafio. As Tecnologias de Informação e Comunicação, as adaptações tecnológicas e as ajudas técnicas vieram contribuir largamente para que as tarefas pudessem ser realizadas de forma mais natural, emancipada e autónoma.

São vários os estudos nos quais os autores defendem que o momento da perda da visão se revelou crucial para que houvesse um melhor desenvolvimento e interiorização do problema (Felippe, 2001), bem como uma mais fácil e rápida aceitação da nova vida (Canejo, 1996). Esta aceitação é fundamental para que a deficiência visual possa ser interpretada e levada a cabo da melhor forma. Nesta perspetiva, os valores de perseverança, ousadia e resiliência deverão passar a fazer parte dos comportamentos e atitudes do dia-a-dia da maioria das pessoas com falta de visão. Desta forma, apesar das suas limitações, muitas pessoas cegas agem como se não as tivessem, adquirindo uma força ímpar.

Quando a cegueira é adquirida mais tarde, a situação pode não se revelar tão positiva. Mais facilmente ela pode levar o indivíduo ao isolamento social (Pinheiro, 2004) e à aquisição de problemas de saúde crónicos, associados ao isolamento (Hanson & Percival, 2005). Nyman et al. (2010) consideraram que, nestes casos, a cegueira pode mesmo conduzir a uma depressão (reação emocional inicial comum às pessoas quando con- frontadas com a perda da visão).

80

Para os dois tipos de cegueira referenciados, são várias as causas mais comuns do surgimento da incapacidade: doença, malformação, traumatismo, deficiente nutrição. Estas podem ser de natureza congénita, hereditária ou adquirida (INR, 2010).

Presentemente, grande parte desta minoria da população já não fica em casa. Passou a levar uma vida ativa e muitas vezes, tão preenchida como a dos restantes cidadãos. Nesta perspetiva, para amenizar ou superar as suas dificuldades, as pessoas cegas vivem à procura de estratégias e instrumentos que facilitem a sua auto- nomia; lhes proporcionem a acessibilidade ao meio; lhes ofereçam maior independência; fomentem a interação com os outros e inclusão social e lhes ofereçam uma vida com mais conforto e qualidade.