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Nesta viagem pelo túnel do tempo, percorremos os distintos olhares acerca da educação como instrumento de modernidade e modernização conservadora, traduzidos pela ETER como “liberdade”, tomando como modelo os axiomas da ciência clássica, do fazer técnico/racional, impetrado na cultura educativa.

A noção de modernidade, aqui utilizada, relaciona-se à época do homem, do saber e das formas de exercício de poder que controlam os indivíduos por normatizações disciplinares25, assim como a população pela biopolítica26 (SILVA, 2011). Ou ainda consideramos a modernidade mais como formas de atitudes particulares, de tecnologias, instituições, de ideias diferentes de maneiras anteriores. Não a tomamos como ruptura histórica ou processo evolutivo das sociedades humanas, contrapondo-se as formas sociais anteriores27.

Por modernização, compreendemos as mudanças nas formas de pensar, diferentes de maneiras anteriores, através da reflexão sobre a vida e os acontecimentos sociais, econômicos, culturais e políticos que influenciam diversos modos dos indivíduos se localizarem no tempo e no espaço, interagindo por tecnologias que facilitam a comunicação entre eles (GIDDENS, 1993).

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Disciplina refere-se ao conjunto de estratégias de poder utilizadas para controlar os indivíduos. “Aspectos de

poder e do conhecimento que são normalmente mascarados. As disciplinas são ‘locos’ disciplinares - nos quais o

ajustamento das capacidades e recursos das pessoas, das relações de comunicação, assim como as relações de

poder, formam sistemas regulados” (SILVA, 2011, p.25). 26

Biopolítica é o poder exercido pelo Estado nas sociedades modernas, tendo a população como objeto de controle e estimativas, estatísticas, medidas globais como mecanismo disciplinar, perseguindo, assim, a regulação da população (CASTRO, 2009).

27 Há maneiras diferentes de compreensão da modernidade como período histórico, demarcado por rupturas

políticas econômicas, filosóficas, atravessadas por mudanças sociais e culturais. Há referências da modernidade, a partir de Descartes, quando sistematiza o pensamento racional como pressuposto para a verificação científica da verdade, alcançada pela oposição entre razão e emoção, sustentada pela oposição e valorização do pensamento e do conhecimento lógico/racional. Ou, datada, no advento do conceito de homem e das ciências humanas, demarcadores históricos que despertam a sociedade humana das trevas, iluminando-a através da compreensão do homem como sujeito cognoscível e capaz de invenções e transformações.

Neste caminhar, vislumbramos/compreendemos o fervilhar das relações tecidas num contexto de limites rígidos tanto da cultura cristão-católica, quanto de uma ideologia política estatal de vigília constante das práticas administrativas, uma vez que a compreensão subentende outra postura científica, que correlaciona o micro e o macro, sem perder de vista, as especificidades do lugar social ETER. Ao contrário, a perspectiva explicativa, ao generalizar, obscurece as sutilezas das experiências cotidianas dos sujeitos históricos, fazedores e (re) construtores da vida, numa teia intersubjetiva entre os diversos aspectos elaboradores de histórias de vida que se cruzam no caleidoscópio da sociedade moderna.

Buscam-se os aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos de um dado contexto histórico em que vidas se cruzaram em lugares diferentes, fazendo histórias, tecidas nas relações imbricadas por projetos sociais e econômicos movidos pelo autoritarismo. Para isto, há um movimento interpretativo entre o local e o global, sem considerar uma leitura crítica desta realidade.

Entendemos que esse desafio não se limita a uma mera descrição do que se observa, mas o interpreta na intersubjetividade do universal e do particular. Assim, procuramos perceber as práticas dos sujeitos ouvidos que, reconstruindo as histórias que foram esquecidas pelo tempo, retomadas à luz das lembranças, se reportam aos acontecimentos que ficaram guardados em suas memórias.

Refletir sobre as práticas escolares da ETER nos anos de 1975 a 1985, nos situa no processo da ordem e da desordem, construtores daquele cotidiano, refletido nos ‘espelhos mágicos’ dos comportamentos das alunas e dos alunos que vivenciaram aquela realidade multiforme. Com esta intenção, escolhemos o método qualitativo, uma vez que este caminho possibilita a pesquisa de novos conceitos e da compreensão da realidade, através do diálogo entre diferentes áreas do conhecimento. Esta trajetória científica se pautará no olhar da História, da Sociologia e da Antropologia na interpretação das práticas dos alunos e das alunas, na fomentação de novas tramas de relações de gênero em Campina Grande.

Assim, o investigador qualitativo recusa o modelo positivista de ciência, enveredando por outras linhas de inteligibilidade, considerando o diálogo entre pesquisador e pesquisados, articulados entre si, e através de distintos olhares. Iniciado por antropólogos e se expandindo a partir dos estudos realizados pela Escola de Chicago, a partir de 1929, o método qualitativo possibilita a nova roupagem das ciências sociais, adentrando nos mundos da cidade e alargando os horizontes da pesquisa quantitativa. Nesse contexto, novos objetos de estudo tornam-se foco de atenção destes pesquisadores, suscitando outros percursos investigativos e diferentes técnicas de pesquisa.

A partir desta expansão do olhar do pesquisador, o método qualitativo foi tomando forma e alçando vôos, não mais se restringindo aos estudos generalistas, eminentemente racionais, deduzidos por axiomas fechados e ortodoxos. Surgia, assim, uma perspectiva científica de estudar a viva realidade, feita e refeita por sujeitos ativos e criativos, possibilitando um movimento simbiótico entre a teoria e a prática social.

Aqui, partimos do pressuposto de que não construímos uma verdade absoluta, mas a compreensão possível a partir da intersubjetividade entre a micro e a macro realidade, considerada a partir de um lugar social do pesquisador. Mas, para não cairmos nos limites investigativos das pesquisas quantitativas e até qualitativas, atentamos para as observações realizadas por Gatti (2002) quando diz que, historicamente:

[...] observa-se que estudos para serem tomados como conhecimento relevante e ter

penetração social, seja mais amplamente, “regional ou localmente, precisam carregar

em si um certo tipo de possibilidade de abrangência, com aderência ao real, tocando de forma inequívoca, não ambígua, vaga ou arbitrária”, em pontos críticos do concreto educacional vivido (GATTI, 2002, p. 22).

A escolha se faz mediante a seleção ‘mergulhada’ nos interesses simples, fabricados na tessitura histórica, costurados pela trajetória de mulheres e homens, herdeiros de uma educação em plena efervescência do ideário desenvolvimentista de qualificação profissional, como estratégia de sobrevivência e de realização pessoal. Ou seja, é embasada nos pilares fundantes da educação para a liberdade, ensejada nas práticas escolares da ETER.

Daí a captura desta cultura escolar, fabricada pelos gostos, gestos, sentimentos e ideais racionalizados, em alguns momentos, para melhor nos aproximarmos do modelo heurístico da “liberdade” iluminista, almejada e instituída pela ETER. Deu-se, assim, a escolha do objeto que, no processo de conhecimento e de reconhecimento, torna-se sujeito. Buscar compreender essas sutilezas permite-nos descobertas, tendo em vista que a cultura escolar se constitui pelo heterogêneo, suscitando diferentes interpretações acerca da polissemia do conceito de “educação” e de “liberdade” como elementos importantes para o entendimento das relações de gênero.

Assim, para tecer os fios das práticas de gênero na ETER, nos pautamos nas ideias de Certeau (1996), entrecruzadas com os olhares de Foucault (1987). Ainda que este autor não seja filiado à história cultural, trabalhamos com os mecanismos disciplinares por ele analisados, dentre outras visões que podem ser confiscadas nesta trajetória. Adotamos, ainda, a concepção de subjetividade empreendida por Guattari e Rolnik (2007) como maneiras de ver o mundo, de sentir, fabricada pela máquina estatal e difundida pela linguagem, pela

família e pelos ‘equipamentos coletivos’, a exemplo da instituição escolar.

Quando Guattari e Rolnik (2007) compreendem a escola como um equipamento coletivo que “constitui o Estado em sua função ampliada”, projetam nos indivíduos tanto em nível objetivo, como nas instâncias “intrassubjetivas”, esquemas de comportamento, de atitudes, maneiras de agir uns com os outros e consigo mesmo, de sentimento, de afeto, de sonhos e desejos. Assim, a ETER apresenta-se como um lócus de construção de subjetividades de gênero particular, em relação a outras instituições escolares de Campina Grande, contextualização histórica definida para estudo.

Mesmo confluindo com a explicação antropológica das diferenças de gênero pela perspectiva cultural, consideramos, ainda, que essas discrepâncias culturais, tanto engendradas em níveis objetivos, como intrassubjetivos, modelam os comportamentos, os sentimentos, as percepções sobre a vida entre homens e mulheres, construídas nas relações sociais em distintos lugares, de acordo com os projetos de subjetividades fabricados pela máquina estatal e pelo poder da Igreja Católica, controlando todos os indivíduos (GUATTARI e ROLNIK, 2007).

Abordamos, ainda, com Guattari e Rolnik (2007) com o conceito de desejo como um modo de produção e construção. Não vemos, aqui esse elemento, como algo oposto ao racional, limitando-se ao subjetivo como algo menos importante, ou, ligado ao prazer, sendo este associado ao submundo da vida social. Tal concepção emerge como uma pulsão da vontade de produção, de criação, de algo que o individuo gostaria de realizar. Então, impulsiona criadores e criaturas a planejarem, a exercerem poder e a serem dominados nas relações construídas histórica e culturalmente.

O desejo não se restringe apenas ao prazer sexual que as teorias clássicas, psicanalíticas e estruturalistas relacionaram. Ou a vergonha aos sentimentos tidos como fugazes dos indivíduos, aproximados ao mundo animalesco da libido humana. Mas, o desejo impulsiona a vida social, permeando estratégias de dominação, assim como as práticas subversivas que resistem, mesmo que passageiramente, ao controle e regulação do exercício do poder, presente nas relações sociais. Assim, entendemos por desejo [...] “todas as formas de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade de inventar uma outra sociedade” (GUATTARRI; ROLNIK, 2007, p. 261).

Propomos, deste modo, a reflexão como caminho adequado à construção de uma problemática passível de ser investigada à luz de observações empíricas e de pesquisas em fontes documentais, bibliográficas e pela História Oral. Caminhos capazes de subsidiar a nossa compreensão do objeto de estudo recortado para a consecução do trabalho de tese.

Os conceitos de Certeau (2005), aqui adotados, são as noções de “lugar controlado e de lugar praticado”, pois percebemos a ETER como um lócus,onde as práticas dos indivíduos redefinem o sentido de lugar. “Dessa maneira, as ‘táticas’ organizam um novo ‘espaço’, o qual é um ‘lugar praticado’; elas implicam em um movimento que foge às operações de poder que tentam controlar o espaço social ou, conforme a metáfora, uma dada língua” (CERTEAU, 2005, p.23).

As estratégias da ETER, registradas em seus regulamentos e no currículo adotado, norteiam os comportamentos dos (as) alunos (as), funcionários (as) e professores (as) naquele cotidiano e funcionam como códigos de conduta que monitoravam o lugar próprio da coordenação que, sintonizada com as diretrizes do Estado autoritário, assim como o sistema de valor da Igreja Católica/Cristã, ministravam as ferramentas de controle que direcionavam a cultura escolar da ETER. Como relatado por Ana Paula Sarmento:

Tinha regras. O padre Pitiá era muito rígido, então, existia uma disciplina na escola. Nós tínhamos que chegar no horário, e antes tínhamos que nos reunir, fazer uma fila e nessa fila nós cantávamos o hino nacional. Não podíamos ir para escola se não fosse com a cor do sapato e a farda tinha que estar sempre impecável. Não podíamos chegar atrasados 5 minutos,10 minutos, porque não entrava. Depois que entrávamos na sala passávamos a assistir as aulas e tinha o intervalo. A gente conversava, descontraía. Existia muita interação entre os alunos, tanto da parte que escolhia telecomunicações, como da eletrônica. Mas, na época, havia uma diferença mesmo dos que escolhiam Telecomunicações e Eletrônica. Pois, os que escolhiam Eletrônica eram mais valorizados do que os que escolhiam Telecomunicações. Eu não sei, talvez pela valorização na época dos instrumentos que iriam utilizar na Eletrônica (SARMENTO, 2012).

Tais regras estão, também, no depoimento dado por Adeildo de Andrade28(entrevista cedida em 10/05/2012), ao dizer que: “As regras eram claras e respeitadas pelos alunos e pelas alunas, pois os estudantes daquela época eram diferentes dos de hoje, eles obedeciam aos professores(as) e às hierarquias”.

Quando indagamos sobre alguns comportamentos desviantes das normas, Adeildo de Andrade enfatizava que não havia, pois a escola conseguia manter a ordem. Tais artifícios, marcadamente autorizados e aceitos pelas(os) participantes daquela instituição, contribuíram para o fortalecimento da imagem da instituição, a qual foi transformada em uma referência local, regional e até nacional de formação de mão de obra capacitada e disciplinada para ocupar qualquer atividade compatível com as especializações em Eletrônica e Telecomunicação.

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Adeildo Laurentino de Andrade, inspetor de ensino na ETER, atualmente é professor de História de Escola Estadual.

As estratégias atuam como uma série de procedimentos direcionados aos outros, instituindo relações de poder que matizam lugares opostos, segmentados pelas condições de força e autoridade de um lado, e fragilidade e obediência do outro. Essas regras rigidamente sancionadas podem ser encontradas em instituições presas ao autoritarismo, em relação de força com os outros que devem, a todo custo, serem ameaçados e vigiados. Com isto, segundo

Certeau (1996), tem-se a estratégia como:

[...] cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer é isolável de um ambiente. Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito como um próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade distinta (CERTEAU, 1996, p.12).

Foucault (1987), por sua vez, analisa as estratégias como relações de poder iniciadas no séc. XVIII, período em que o corpo passa a ser objeto de investimento, em prol do controle detalhado, resultando numa relação de docilidade-utilidade. São nuances da disciplina que se torna nos séculos XVII e XVIII formas de dominação. Uma estratégia de poder que aumenta a habilidade do homem moderno para o trabalho industrial, intensificando uma relação de força, pois na visão de Foucault (1987):

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui as mesmas forças (em termos políticos de obediência). [...] faz dele uma aptidão,uma capacidade que ela procura aumentar, e inverte por outro lado a energia,a potência que poderia resultar disso, e fazer dela uma relação de sujeição estrita (FOUCAULT, 1987, p.119).29

Para a sistematização da disciplina são construídos lugares próprios, fechados. A escola é projetada com detalhes (horários de entradas e saídas, estabelecidos e monitorados por inspetores). Enfim, um conjunto de ações reguladoras do cotidiano escolar. Segundo Foucault (1987), o lugar disciplinar consegue:

Estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo medir as qualidades ou os méritos. [...] A disciplina organiza um espaço analítico (FOUCAULT, 1987, p.124).

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De acordo com esse raciocínio, na intenção da disciplinarização dos corpos, desde o século XVII as instituições educacionais, militares e econômicas exerciam seu grande poder de difusão, mediante arranjos sutis, aparentemente inofensivos que, minuciosamente, modelam as atitudes, os pensamentos e até os sentimentos das pessoas.

Com a cultura escolar30, organizada dentro do planejamento previsto, é possível uma vigilância geral e individual, que permite acompanhar a presença, a produção dos alunos, o comportamento ordeiro, o potencial, através das notas recebidas pelo desempenho nas avaliações – variáveis, cotidianamente vivenciadas, como também apreciadas, contabilizadas e transmitidas como verdades pela estrutura.

A ETER contribuiu com a modelação de subjetividades (GUATTARI; ROLNIK, 2007), por estratégias disciplinares que sedimentavam nos indivíduos comportamentos, sentimentos, sonhos, adequados à fabricação de futuros trabalhadores eficientes, qualificações exigidas pelas empresas que financiavam as bolsas de estudo e que aguardavam receber profissionais maquinicamente autorizados para o trabalho. Apesar dessa estrutura, estrategicamente disciplinadora, não havia aqueles que taticamente burlavam essa ordem? Mesmo que de maneira passageira? E, apesar das penalidades sofridas?

Ao pautarmos nossa argumentação no pensamento de Certeau (1996), abordamos também o conceito de tática para nos referirmos às artes de fazer femininas e masculinas que, taticamente, alteravam os controles sociais investidos pela cultura escolar, voltada para o mundo público do trabalho, pois “se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa da rede da vigilância, mais urgentemente ainda é descobrir como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela [...]” (CERTEAU, 1996, p.41).

Aqui, não nos interessamos em estudar os indivíduos, mas as práticas comuns de ex- alunos e de ex-alunas, por meio das experiências particulares, perscrutando um mundo cheio de acontecimentos multiformes pelas luzes dos usos dos sujeitos históricos. As práticas são entendidas como um ‘vai e vem’ que se derrama pelo teórico e o concreto, e vice-versa, ou, de acordo com Certeau (1996):

Não se trata de elaborar um modelo geral para derramar neste molde o conjunto das

práticas, mas pelo contrário, de “especificar esquemas operacionais” e procurar se

existem entre eles categorias comuns e se, com tais categorias, seria possível explicar o conjunto das práticas. Voluntariamente, em sua adequação ao seu objeto concreto, a análise aqui se dedica a um incessante vaivém do teórico para o concreto, e depois do particular e do circunstancial ao geral (CERTEAU, 1996, p.20).

30 Aqui, compreendemos cultura escolar “[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a

ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização)” (JULIA, 2001, p. 10). Dominique Julia (2001) mostra como a Igreja foi agenciando a estrutura disciplinar da escola, ligando às exigências seculares que suscitavam, no advento da República, indivíduos educados dentro dos códigos do processo civilizacional que corroborassem, de maneira eficiente, com a tônica do progresso.

Para estudar as táticas e as estratégias devemos evitar a postura de analistas impessoais, de cientistas, de detentoras da verdade, aquela que ocupa o lugar do conhecimento especializado, de sujeito que irá tratar com distanciamento o objeto a ser apreendido, sistematizado pela ciência. O processo da pesquisa, assim como o do fazer do trabalho poderá nos possibilitar uma oportunidade de reconstrução da nossa visão e das nossas atitudes enquanto sistematizadoras de histórias achadas durante o percurso da investigação31.

Por isto, precisamos permitir que os outros ocupem os seus devidos espaços no texto a ser tecido pelos diversos pedaços de histórias contadas, pelos diferentes tipos de narradores e de fontes. Como uma dança que envolve a todos os parceiros e convidados, transformando uma festa num espaço, onde os sujeitos se alegram, se encontram, se enamoram no ritmo das experiências que se desnudam nos passos, mais ou menos breviamente, marcados.

Por táticas, nesta tese, compreendemos as astúcias dos sujeitos que estão, supostamente, no lugar de fragilidade, de submissão diante das estratégias marcadamente autorizadas pela Igreja, pelo Estado militar, pela administração da escola, que deixam bem claro as normas de controle, acionadas pelos códigos de conduta e de funcionamento da ETER. As táticas se fazem no lugar do outro, no terreno do outro, se traduzindo num movimento de instabilidade, pois não têm lugar próprio e este não lugar permite mobilidade dos sujeitos envolvidos que aproveitam o instante que é passageiro (CERTEAU, 1996).

Nesse turbilhão de entropia, forjada pelas regras disciplinadoras como campo oposto das táticas dos alunos, buscamos as diversas impossibilidades criadas nas relações, apesar das estratégias acionadas pelos códigos de conduta e dos olhares salientes da autoridade Católica/Cristã. Considerando-se, sobretudo, um contexto de forte repressão policiada por inspetores educacionais que contabilizavam horários, aulas, palavras, gestos, em meio a alunos(as) que se sentiam privilegiados por estudar numa escola tão bem conceituada, respeitada pelos moradores de Campina Grande e de outras regiões.

Como alcançar as práticas passageiras, contrárias às práticas duradouras, repetidas todos os dias por alunas(os), professores(as) e funcionários(as) detendo conhecimento das regras, dos hábitos padronizados pelos mentores da ordem estabelecida? Principalmente,

31 Sabemos que a ciência moderna/racional define seu lugar por projetos racionais, separando o saber e o lugar

científico, do saber e lugar comuns. A pesquisadora não terá lugar próprio, separado do outro, mas os lugares que se encontram no mesmo estatuto, cada um com a sua peculiaridade durante a caminhada, não perdendo de vista