• Nenhum resultado encontrado

3 “AS INTRUSAS” NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: A ESCOLA TÉCNICA REDENTORISTA EM CAMPINA GRANDE-PB

3.1 Da idealização à criação: a Escola Técnica Redentorista

O Pe. Pítia interessava-se por organizar uma escola de formação profissional para atender os jovens das classes menos favorecidas. Com este objetivo elaborou um projeto para a criação do Colégio Redentorista de 1º e 2ª graus só para alunos externos, na expectativa de em cinco anos implementar uma proposta mais definida. Com a colaboração do governo V.

Provincial de Pe. Jaime Van Woensel foi sistematizada a ideia de uma escola técnica profissionalizante a serviço da juventude carente e do desenvolvimento da região.

Aconselhado por professores da FURNE, o Pe. Pitiá pensou na Escola Técnica Redentorista (ETER) com cursos profissionalizantes de Eletrônica e Telecomunicações, especializações importantes para o desenvolvimento tecnológico da cidade de Campina Grande, assim como para o estado e regiões vizinhas. Assim, auxiliado por alguns confrades, como o Pe. Adriano Back e pelo Superior Geral de Congregação Redentorista, conseguiu contribuições estrangeiras na aquisição de equipamentos. Como frisou o Pe. Cristiano:

Através de bolsas de estudo cedidas pelo governo estadual e por diretores de empresas a escola vem conseguindo formar jovens de diversas cidades do Estado e de outras regiões do Brasil que veem em busca da qualificação profissional oferecida pela ETER e reconhecida por empresas nacionais e estrangeiras existentes em todo país (JOOSTEN, 2008, p.11).

Assim, a Escola Técnica foi fundada no ano de 1975 como escola particular de caráter filantrópico e comunitário, tendo como mantenedora a Congregação do Santíssimo Redentor (Redentorista), sendo reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação através da Resolução 18/80 de 06 de maio de 1980, conforme narrativa a seguir:

O projeto de criação da Escola era baseada na Lei do Ensino Médio, dando ao currículo o conteúdo profissionalizante. Foi o divisor de águas. Foi a opção para outro tipo de escola, que na época causou um certo frisson na cidade porque antes tinha o Colégio Redentorista que era basicamente Colégio para a elite, era um Colégio privado, e agora era uma opção para a formação da classe trabalhadora; era uma opção de – em uma época também de modernização do sistema de telecomunicação no país. Então, todo o esforço foi concentrado; não sem dificuldades até internas, institucionais, que era para fazer essa transformação.Então, a opção do colégio era agora uma opção para a formação da classe dos trabalhadores para a nova etapa de desenvolvimento do país, que era as telecomunicações. A escola se antecipou por uma questão pelos pobres, mas de qualquer maneira uma

opção técnica de formação, e que mudou o público da escola; e o pessoal disse “ eu vou entrar na Redentorista porque eu quero entrar na Universidade.” Então, foram

poucos os que ficaram no Colégio quando a opção foi essa; do grupo anterior, do pessoal que fazia o Ginásio.Então, a mudança foi essa. Havia várias pessoas que fizeram o curso, e que gostariam de continuar lá, mas não ficaram no Colégio; e aí o Colégio fez que alguns que ficaram já estavam. Porque o Colégio tinha uma formação muito boa com cursos estrangeiros, com técnicos holandeses que estavam aqui; veio um pessoal da coordenação técnica nacional muito boa, que já trabalhava com esse curso, com o curso anterior, com o Colégio, e nessa transição a Escola ia ter mais horas. Discutir quantas horas técnicas teriam que ser incluídas no currículo. E nisso, realmente, a maior parte do currículo tinha não sei quantas horas. Eu não sei agora, mas se eu lembro, acho que tinha uma coisa de três mil e tantas horas , e tinha seiscentas horas técnicas, aí depois tinha mais estágios, de modo que as pessoas que queriam entrar na Universidade achavam que com aquele currículo eles iriam perder, que nesse currículo aí , tinham impressão de que não lembrava mais biologia.Mas, era toda uma coisa assim, da formação técnica em telecomunicação.Aí, eu acho que todo o esforço nessa época,uma equipe ampla que

eu estava; tinha também uma coordenadora que antes era do Colégio (que era Nita). Você deve saber quem era do colégio antes, que ela era coordenadora do Ginásio; e eu lembro bem das mesas que a gente tinha para discutir, que era com esses trabalhadores, com esses cooperantes holandeses, e também tinha alguns técnicos que depois foi Manuel do Carmo, Padre Cristiano, Padre Pitiá pessoalmente (CAVALCANTI, 2012).

O padre Pitiá vai à cidade de Catolé do Rocha, interior da Paraíba, por indicação de um professor de Educação Física procurar Manoel do Carmo Silva72. Ao encontrar Manoel do Carmo em um jogo de futebol, apresentou-se e falou da sua intenção em construir uma escola técnica. O professor foi indicado como uma pessoa capaz de ajudá-lo na realização deste desejo, devido aos conhecimentos acerca de oficinas e sobre a organização de escolas técnicas.

O Pe. Tiago nos conta como conheceu o Pe. Pitiá:

[...] Eu conheci Padre Pitiá ainda como aspirante Redentorista eu entrei em 1992. Padre Pitiá morreu em 1993, então a gente conheceu- se muito pouco tempo e já quando ele estava encerrando carreira com dificuldades de saúde. Mas ele participou de inúmeros projetos e inúmeras situações, mas a grande maioria ligada à educação. Padre Pitiá, desde Minas Gerais, né, que ele é baiano, mas trabalhou uma temporada em Minas Gerais e vem com um grupo de missionários de Minas Gerais para cá. Então ele consolida então ele trabalha com educação, ligado ao seminário. Ele foi vice-reitor, depois com a saída do Padre Victor Rodri que era o diretor do seminário, Padre Pitiá assume e faz toda essa passagem. Padre Pitiá vem como reitor do então Instituto Santos Anjos depois como Colégio Redentorista e Escola Técnica Redentorista. Mais de trinta anos conduzindo o processo de educação Redentorista que a gente poderia dizer um processo único na história dos missionários Redentoristas do Brasil (CORREIA, 2011).

Por ter compromissos com as escolas Dom Vital e os colégios agrícola e estadual, Manoel do Carmo só pode encontrar-se com o Pe. Pitiá nas férias de janeiro do ano de 1972. Ao vir para Campina Grande conheceu o ambiente onde funcionava o Seminário Santos Anjos. Começou junto a outras pessoas (padres holandeses) envolvidas neste empreendimento a pensar nas questões práticas para a consecução do projeto de criação da escola. Como lembra Manoel do Carmo Silva nessa entrevista:

Então, no começo de 1972 (setenta e dois), janeiro de 72 eu vim para cá para o Redentorista aqui, em Campina Grande. E aí eu encontrei justamente com o Padre e

72 Manoel do Carmo Silva foi professor de vários cursos técnicos em escolas de 2º graus de Campina Grande e

de outras cidades circunvizinhas. Devido a sua larga experiência com a prática de laboratórios, contribuiu com a implantação de vários cursos técnicos em Campina e em outras cidades da Paraíba. Encontra-se hoje como funcionário aposentado da UFPB e tem uma loja de materiais de informática na rua Getúlio Vargas, no centro de Campina Grande.

fui conhecer o ambiente que era justamente onde funcionava o seminário na parte superior do prédio, lá né? E aí, eu, junto com mais algumas pessoas que tinha lá, fizemos as medições, fizemos uma avaliação e fizemos uma planta de como deveria ser os laboratórios. Lá na época tinha um inglês, Roy Barling, que ele estava, vamos dizer, era um voluntário do conselho britânico e também tava colaborando com a Escola Redentorista. E Roy Barling fez um projeto, né? Pra trazer os equipamentos, doação, eles precisavam desse convênio pra o colégio, também tinha lá o, um...um ex professor, era frei Carlos, um ex padre, que era físico e tinha feito um projeto também pra Alemanha, pra conseguir um laboratório de física e houve também outros professores da escola, da escola técnica, né? Da universidade, junto com outras pessoas, colaboradores até parceiras da Holanda, aí fizeram um projeto pra [...] pra Holanda, pra uma organização da Holanda, por que os padres também lá,a maioria era tudo, holandeses, né? E conseguiram também que esses projetos fossem aprovados, os três projetos foram aprovados. Então, a gente fez a estruturação do laboratório com cooperação lá do Irmão Urbano, que é o carpinteiro e era da Congregação. Ele foi quem executou essas divisórias, que é pré-moldada pra movimentar, crescer ou diminuir o laboratório. Eu terminei essa etapa, voltei a Catolé do Rocha, e fiquei lá aguardando a chegada dos equipamentos, né? E voltei aqui pra Campina Grande pra implementar as oficinas da escola industrial do PREMEM, lá no Bodocongó, lá no Santo Antônio,outras no interior. Quer dizer, eu fui encarregado de fazer, de fazer essas montagens (SILVA, 2011 ).

Pela sua experiência com escolas técnicas, acompanhando a criação e organização de muitas destas, Manoel do Carmo Silva tornou-se personagem importante na criação da ETER ao trazer para Campina Grande sua prática com oficinas e manuseio de equipamentos. Contribuiu assim com os passos iniciais desta instituição de ensino profissional, que tomou fôlego ao longo destas três décadas ao acompanhar o crescimento de Campina Grande, formando jovens de várias cidades do Nordeste e de outras regiões brasileiras.

De forma simples e convidativa, Manoel do Carmo Silva nos recebe em sua loja de equipamentos de informática na Rua Getúlio Vargas nesta cidade. No final do expediente e sem resistência, marca a entrevista para o dia seguinte, o que não foi possível devido a problemas técnicos. Marcamos então um novo encontro em sua casa no bairro da Palmeira, onde, em meio ao seu ambiente familiar, foi rememorando os anos em que viveu o nascimento e a consolidação da ETER, a partir do seu encontro com o Pe. Pitiá.

Nessa primeira entrevista vivenciamos a importância da História Oral, que nos possibilita a evidenciação de pessoas, partícipes de acontecimentos marcantes tanto para uma vida em particular como para uma sociedade, mas que foram esquecidos pelo tempo. Encenados por relações sociais, muitas vezes conflitantes, embebidas por interesses de poder, alguns nomes dessas histórias ficam ocultos e pelo caminho, trancafiados nas gavetas poucas vezes remexidas pela lembrança.

Manoel do Carmo Silva é uma dessas pessoas importantes no contexto de criação e fortalecimento de uma grande obra, mas não é valorizado pelos mais recentes personagens da história. Assim, trazer a ETER como estudo de caso para um trabalho acadêmico desperta

outros matizes que foram perdendo a sua força através do tempo, que se encarrega de esquecer pequenos detalhes do passado às vezes nem tão distante, como uma peça no quebra- cabeças daquele dado momento:

É justamente aqui em Campina Grande, a única Escola Técnica do mundo. Nós estamos em 78 países e a Escola Técnica Redentorista é a única.,Tanto que a gente cuida muita bem dela, porque é a única experiência que nós temos nesta área e pra gente fica muito orgulho ser aqui em Campina Grande, no compartimento da Borborema. Em Campina Grande, esta Escola Técnica Redentorista nós tivemos outras escolas normais de Ensino Fundamental e Médio, inclusive tivemos até faculdade, mas houve um repensar, tendo em vista que os governos já estavam atendendo as necessidades de educação. Então, voltamos para a atividade missionária que seria pregação de missas populares, atendimento de confissões, celebração de novenas e o atendimento dos romeiros nos santuários e também com rádios, TVs e editoras, que também, como nós, temos obrigação do anúncio escrito da palavra. Significa dizer que nós precisamos usar da comunicação para isso, então hoje nós conduzimos umas trezentas rádios no Brasil. Nós temos a TV Aparecida e várias editoras espalhadas no Brasil que nos ajudam nesse processo de propagação da palavra de Deus. Mas escolas mesmo nós temos muito poucas, as que nós tínhamos, fechamos, por entender que não era nosso caminho, nossa linha. Mas, a

Escola Técnica Redentorista é mantida porque ela é entendida não só como processo educativo, mas como processo social, que tem como lema “Educar é

Libertar”. Através da educação técnica, nós ajudaremos os jovens da região de

Campina Grande a se libertarem da falta de emprego, de moradia e de uma oportunidade melhor no mercado de trabalho (CORREIA, 2011. grifo nosso).

A narrativa supracitada evidencia a importância que a ETER tem para a Congregação Redentorista, uma vez que ela represta uma instituição de ensino profissionalizante que possibilita à igreja católica a realização de um trabalho religioso, social e político. Um lugar social de exercício de poder dessa igreja que, por meio da formação instrucional, balizada pelos vieses tecnicistas e humanistas forma jovens pobres estudiosos(as) para a construção da liberdade preconizada pela escola. Uma liberdade perseguida pelo sacrifício pessoal, perseverança e competência. As chaves para a conquista final de uma vida próspera no mercado de trabalho.

Assim, a ETER simboliza para a igreja católica um lugar de formação instrucional que atrai uma população sedenta pela melhoria de vida, representando, assim, uma estratégia de domínio e poder da igreja nesta cidade. Por ser uma cidade de boa localização geográfica, atrai facilmente famílias não apenas das camadas pobres mas de outras situações econômicas, mais favorecidas, como filhos(as) de professores(as) universitários(as), engenheiros(as), comerciantes, industriais, dentre outras profissões, atraídos(as) sob a ótica do aforisma da educação de alto nível e de reconhecimento local, regional e nacional.