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CAPÍTULO 2 – A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR BRASILEIRA

2.1 AS TENDÊNCIAS QUE INFLUENCIARAM A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Desde o início dos anos 80, a Educação Física escolar brasileira enfrenta uma crise de identidade, causada por influências que orientaram a área em diferentes épocas. Na literatura, autores discutem e questionam, afinal o que é Educação Física? É ginástica, medicina, cultura, jogo, esporte, política, ciência? (OLIVEIRA, 1993). Segundo Ghiraldelli. Jr (1988) em cada período da sociedade brasileira a Educação Física seguiu algumas tendências, classificadas pelo autor como: Educação Física Higienista (até 1930), Educação Física Militarista (1930- 1945), Educação Física Pedagogicista (1945-1964), Educação Física Competitivista (pós-64) e Educação Física Popular (pós-80) (todas serão caracterizadas nos próximos parágrafos). Portanto, de acordo com Bracht (1997), isso significa que ao longo dos anos a área assumiu códigos de outras instituições que justificaram a presença da Educação Física na escola em diferentes momentos da história do país, relacionados aos períodos políticos de cada época.

Segundo Ghiraldelli. Jr (1988), entre as diferentes concepções de Educação Física há um ponto em comum, a preocupação com a promoção da saúde. Até o início dos anos 30, a área foi fortemente influenciada pela instituição médica, nesse período, a ginástica, o esporte e os jogos deveriam disciplinar as pessoas para mudarem seus hábitos, evitando comprometimentos a saúde. Essa definição fez com que atualmente ainda se utilize dos benefícios a saúde para justificar a importância da área, pois, segundo Oliveira (1993), o conhecimento médico-biológico, contribuiu para a valorização da Educação Física e para sua inclusão nos currículos escolares. Dessa forma, o objetivo da Educação Física quando influenciada pela instituição médica era de desenvolver no ser humano todas as suas capacidades (BRACHT; GONZÁLEZ, 2005).

Nesse mesmo sentido, a Educação Física Higienista é definida como a área que tem “um papel fundamental na formação de homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação”

(GHIRALDELLI. JR, 1988, p. 17). Coerente a isso, Medina (2010) destaca que ao longo de sua história a educação já foi dividida em intelectual, moral e física e teve como objetivos desenvolver respectivamente, a mente o espírito e o corpo. No caso específico do corpo, a Educação Física “tinha como preocupação básica melhorar o nível de saúde e higiene da população escolar” (MEDINA, 2010, p. 62). Assim, ao ser vista apenas sob seu aspecto biológico, o papel do professor se reduzia ao de educador do físico.

Entre os anos de 1930-1945, período marcado por guerras, a Educação Física foi influenciada pelo Militarismo. Segundo Ghiraldelli Jr. (1988, p. 18) “A Educação Física Militarista é uma concepção que visa impor a toda a sociedade padrões de comportamento estereotipados, frutos da conduta disciplinar própria ao regime de caserna”. O objetivo desta tendência era a “obtenção de uma juventude capaz de suportar o combate, a luta, a guerra. Para tal obtenção, a Educação Física deveria ser suficientemente rígida para ‘elevar a Nação’ à condição de ‘servidora e defensora da Pátria’” (GHIRALDELLI JR., 1988, p. 18). Além disso, o autor destaca que nesta Educação Física “a ginástica, o desporto, os jogos recreativos etc. só tem utilidade se visam à eliminação dos ‘incapacitados físicos’” (p. 18).

Segundo Bracht (1997, p. 20) a Educação Física Militarista era vista como uma forma de “exercitação corporal com o objetivo do desenvolvimento da aptidão física e do que se convencionou chamar de ‘formação de caráter’ – auto-disciplina, hábitos higiênicos, capacidade de suportar a dor, coragem, respeito à hierarquia”. O método que a instituição militar adotou foi o francês. De acordo com Oliveira (1993, p. 42-43) este método foi de grande importância, pois da corrente francesa “chegaram os primeiros estímulos que vieram constituir os alicerces da Educação Física brasileira”.

A presença da instituição militar nas escolas brasileiras determinou características particulares desta instituição para as funções do professor e do aluno. O professor assumia a função de instrutor e o aluno de recruta. Ao instrutor cabia “apresentar os exercícios, dirigir, a manter a ordem e a disciplina” (BRACHT, 1997, p. 20). Assim, ao aluno-recruta “competia repetir e cumprir a tarefa atribuída pelo instrutor” (p. 20-21). Conforme Bracht (1997, p.21) a formação do instrutor de ginástica “consistia, fundamentalmente, num treinamento no interior da instituição militar ou numa Escola de Educação Física militar”.

No período pós-guerra, ganha força a concepção Pedagogicista. Essa tendência questiona a sociedade sobre a “necessidade de encarar a Educação Física não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a juventude, mas de encarar a Educação Física como uma prática eminentemente educativa” (GHIRALDELLI JR., 1988, p. 19). Portanto, busca-se a valorização do componente curricular na escola, através do

argumento de que diferente dos demais, ele não é apenas instrutivo, mas também educativo “para que a juventude venha a melhorar sua saúde, adquirir hábitos fundamentais, preparo vocacional e racionalização de uso das horas de lazer” (p. 19). Dessa forma, a Educação Física passa a ser vista como útil na sociedade, e “deve ser respeitada acima das lutas políticas dos interesses diversos de grupos ou classes” (GHIRALDELLI JR., 1988, p. 19).

A partir da metade do século XX a Educação Física foi fortemente influenciada pelo Esporte. Segundo González e Fensterseifer (2009, p.10), nesse período, o componente “estabeleceu uma relação simbiôntica com o esporte, por meio da qual esse fenômeno, em sua forma institucionalizada, acabou sendo praticamente hegemônico nas aulas de EF”. O Esporte entrou na Escola tornando as aulas de Educação Física uma “prática desportiva [...] ‘massificada’, para daí brotar os expoentes capazes de brindar o país com medalhas olímpicas” (GHIRALDELLI JR.,1988, p. 20). Conforme Bracht (1997) nesse período a escola tem como tarefa, ser a base da pirâmide esportiva. Segundo o autor trata-se do local “onde o talento esportivo vai ser descoberto” (p. 22). Nesse momento, a Educação Física sofre a “intervenção dos mais variados interesses e poderes estranhos à escola, que se arrogam a ter sobre ela voz e voto” (BETTI, 1991, p. 57).

De acordo com Oliveira (1993, p. 77) a “colocação da Educação Física como sinônimo de esporte induz a concebê-la, essencialmente como competição, e cria o recorde como o seu objetivo fundamental”. Segundo Bracht (1997, p. 22) a Educação Física neste período baseia-se no “princípio do rendimento atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos e recordes, regulamentação rígida, sucesso esportivo é sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas”. Portanto, a Educação Física Escolar “assume códigos de uma outra instituição, e, de tal forma, que temos então não o esporte da Escola, e sim o esporte na Escola” (BRACHT, 1997, p. 22). Desse modo, compreendemos que o esporte formal foi colocado dentro da escola com características de elitização e rendimento.

Nessa condição, professor e aluno também assumiram outro papel, professor-treinador e aluno-atleta. No entanto, Bracht (1997, p. 23) destaca que não há diferenciação entre o papel de professor e treinador, pois “a própria Educação Física, não tendo autonomia ou uma identidade pedagógica, não fornece um referencial, um conjunto fundamentado e institucionalizado de expectativas de comportamento”. Conforme o autor, o ensino das modalidades esportivas ocorreu de forma técnica e tática, enfatizando fundamentos como passe, drible e arremessos (BRACHT, 1997).

Ao longo dos anos em que predominaram essas influências duas diferentes situações referentes a Educação Física foram apresentadas na legislação. A LDB (Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional) de 1961 e a LDB de 1971. No artigo 22 da lei de 61 a Educação Física aparece como sendo obrigatória nos cursos primário e médio até os 18 anos. Segundo Souza Júnior e Darido (2009) nesta legislação a Educação Física referia-se exclusivamente a capacitação física do aluno, o objetivo era formar um trabalhador e isto era necessário para o processo de industrialização que o país vivia. Nesse contexto, a limitação da idade se justificava pelo fato de que “exercícios físicos [...] causariam desgaste ou exaustão, no período em que os indivíduos, supostamente, necessitariam de um maior aporte energético em função de sua inserção no mercado de trabalho” (SOUZA JÚNIOR; DARIDO, 2009, p.02).

Dez anos depois a LDB é revista e a Educação Física tem uma descrição especial. O artigo 1° da lei de 1971 destaca que “A educação física, atividade que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constitui um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional”. Sendo assim, a lei define que o componente curricular deveria integrar o currículo dos cursos de todos os graus de qualquer sistema de ensino preocupando-se com o desenvolvimento da aptidão física dos alunos e incluído o esporte a partir da quinta série do ensino fundamental. Dois fatores metodológicos condizem com a aptidão física como objetivo principal: a distribuição semanal das aulas no currículo, três sessões no ensino primário e no médio e duas sessões no ensino superior, todas de 50 minutos, evitando a concentração de atividades em um só dia ou em dias consecutivos; e a separação das turmas por gênero e por nível de aptidão física.

Diante desse contexto, a quinta tendência da Educação Física brasileira descrita por Ghiraldelli Jr. (1988) é a Educação Física Popular, predominante a partir dos anos 80. Segundo o autor, a Educação Física popular “se sustenta quase que exclusivamente numa ‘teorização’ transmitida oralmente entre as gerações de trabalhadores do país” (p. 21). A tendência foi caracterizada como “ludicidade e cooperação, e aí o desporto, a dança, a ginástica, etc. assumem um papel de promotores da organização e mobilização dos trabalhadores” (GHIRALDELLI JR.,1988, p. 21). Portanto, de acordo com autor a Educação Física Popular não estava preocupada com a saúde, com a disciplina e nem com as busca por medalhas, mas sim, com a organização da população para a construção de uma sociedade mais democrática.

Assim, nesse período, de grandes movimentos sociais, o aluno passa a ser ouvido e apesar da preocupação com o sedentarismo, o embasamento biológico deixa de ser a principal referência. Entende-se que a prática de exercícios não é suficiente para a prevenção de doenças, assim como se discute o fenômeno da esportivização da Educação Física Escolar.

Diante disso, o questionamento: afinal o que é Educação Física? ganha força e a área entra em uma crise epistemológica (FERREIRA; SAMPAIO, 2013). A partir de então, ocorre o movimento renovador da Educação Física brasileira para discutir o objeto de estudo e a legitimidade do componente curricular na escola.

2.2 A CRISE DE IDENTIDADE DA EDUCAÇÃO FÍSICA E O MOVIMENTO