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As teorias da tomada de decisão e as influências de uma âncora

CAPÍTULO III – MÉTODO E CONCEITOS ENVOLVIDOS NO EXPERIMENTO

3.2 Construção do experimento

3.2.1 As teorias da tomada de decisão e as influências de uma âncora

No cotidiano das pessoas, a exigência por tomada de decisões é tão freqüente, que muitas vezes elas nem se dão conta da quantidade de alternativas de escolha que suas mentes tiveram que processar ao final de um dia. As decisões que um indivíduo tem que tomar variam desde as mais simples e corriqueiras, como em qual parque se exercitar, o que tomar no café da manhã, qual marca de leite comprar, até as mais complexas, que exigem maior envolvimento do árbitro em questão, seja por possuir um custo financeiro mais elevado, oferecer maior visibilidade social, ou trazer conseqüências que irão perdurar por um prazo maior. Exemplos desses últimos incluem a escolha de um destino para a viagem de férias, do cardápio para um importante evento, da marca do carro que todos os seus pares o verão dirigir.

Os avanços do conhecimento permitiram ao ser humano criar instrumentos que apóiam a sua tomada de decisão, tais como as máquinas de calcular e os computadores. Porém, essas tecnologias só funcionam de maneira plena em modelos de julgamento totalmente racionais, isto é, aqueles que apresentam as seguintes características: (1) o problema está perfeitamente definido; (2) é possível reconhecer todos os critérios que o envolvem; (3) esses critérios estão acuradamente ponderados segundo as preferências de cada tomador de decisão; (4) todas as alternativas relevantes são conhecidas; (5) cada alternativa pode ser concretamente avaliada segundo os critérios estabelecidos; (6) os cálculos de cada situação podem ser feitos com precisão, escolhendo-se assim a alternativa de maior valor (BAZERMAN, 2004).

Neste caso, as pessoas seriam capazes de calcular as taxas de retorno para todas as possibilidades de um evento – as suas quantidades de lucro ou prejuízo para cada alternativa, de satisfação ou insatisfação diante de cada cenário, etc. – de maneira numérica e rápida, fazendo com que as questões que envolvem o processo decisório se tornassem simples e até banais. Porém, o modelo da tomada de decisão descrito acima por Bazerman (ibidem, 2004) indica, antes, como uma decisão deveria ser tomada do que como ela realmente é tomada. A incerteza sobre os acontecimentos futuros e a falta de conhecimento sobre as conseqüências de nossas escolhas, aliadas às limitações de tempo e recursos disponíveis no momento da

22 Como o foco deste estudo se encontra nas imagens e nos estereótipos que os indivíduos criam das

nações e das alianças regionais de países distantes, as teorias de tomada de decisão serão apenas observadas sob tal ótica e na medida em que ajudem a explicar as diversas facetas do experimento proposto.

tomada de decisões, fazem com que nossas mentes adotem heurísticas, isto é, simplificações, atalhos, que facilitam e dinamizam o processo decisório.

As heurísticas diminuem a complexidade das tarefas, beneficiando o julgador, sendo em geral muito úteis. Em contrapartida, modelos simplórios de tomada de decisão não raro levam a erros sistemáticos, uma vez que se baseiam em percepções e dados de validade limitada, desviando as pessoas da alternativa ótima, e às vezes, encaminhando-as para um cenário ruim (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974).

3.2.1.1 Restrições à racionalidade

As teorias para a tomada de decisão podem ser divididas, de uma maneira não muito rigorosa, em duas grandes correntes: a dos modelos prescritivos e a dos modelos descritivos. Os cientistas prescritivos desenvolvem teorias para a tomada de decisões ótimas, muitas vezes apoiadas por equações matemáticas elaboradas. Já os pesquisadores da decisão descritiva entendem que as limitações de inteligência, de percepção, de tempo e de custo interferem na quantidade e na qualidade das informações disponíveis. Por isso, os tomadores de decisão muitas vezes sacrificam a solução ótima em favor de outra que seja, pelo menos, aceitável ou razoável, vis a vis os recursos ora em mãos. Desta forma, as pessoas se prendem a vieses intuitivos, tomando decisões que podem aparentar ser irracionais (BAZERMAN, 2004).

Imaginemos que uma pessoa dará um jantar em que receberá amigos sabidamente apreciadores de bons vinhos. Porém, esse anfitrião é leigo em tal assunto. Ao chegar ao supermercado, ele encontra diversas prateleiras com bebidas das mais variadas origens e nenhum vendedor para auxiliá-lo. Percebendo que teria que tomar a decisão de compra sozinha, essa pessoa adota a seguinte heurística: escolher entre os vinhos portugueses, franceses ou italianos. Sob o ponto de vista da teoria prescritiva, essa seria uma decisão irracional, pois poderia eliminar a solução ótima, isto é, aquela bebida que, dentre todas as opções disponíveis, melhor agradaria aos convidados do jantar. Porém, pela ótica descritiva, a estratégia simplificadora adotada pode ser a ideal, já que o benefício do tempo economizado muitas vezes compensa a redução potencial incorrida na qualidade da decisão.

“A heurística oferece aos administradores e a outros profissionais pressionados pelo tempo um modo simples de tratar com um mundo complexo, usualmente produzindo julgamentos corretos ou parcialmente corretos” (ibidem, p. 8).

Os procedimentos heurísticos são mais comumente encontrados em três modalidades: (a) a heurística da disponibilidade; (b) a heurística da similaridade e representatividade; e (b) a ancoragem e ajuste.

(a) a heurística da disponibilidade

A facilidade com que eventos ou ocorrências vêm à mente de um indivíduo influenciam de maneira direta na sua percepção com relação à freqüência e a probabilidade de acontecimento dos mesmos (TVERSSKY e KAHNEMAN, 1974). Assim, eventos que provoquem fortes emoções tendem a aparentarem-se mais freqüentes do que realmente o são, enquanto os de natureza mais branda muitas vezes ocorrem de maneira despercebida (BAZERMAN, 2004).

Desta forma, notícias sobre problemas de violência urbana ou de corrupção, por exemplo, mesmo que verificadas de maneira pontual e esporádica em um país, podem contribuir muito mais para a formação dos estereótipos que os estrangeiros farão a seu respeito do que notícias sobre repetidas prisões feitas antes da consolidação de um crime, já que um ato ilegal concretizado evoca mais emoções na mente de um espectador, estando, por isso, mais facilmente disponível em sua memória, que superestimará a freqüência de ocorrência de tal fato nesta nação.

(b) a heurística da similaridade e representatividade

Probabilidades intuídas sofrem ainda vieses por causa dos efeitos da similaridade e da representatividade (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974). Assim, se duas nações são tidas por um julgador como similares, os estereótipos disponíveis sobre uma delas serão facilmente transportadas para a outra. Da mesma forma, se a representatividade de determinadas características em um agrupamento de países for grande, digamos o uso da língua espanhola na América Latina, mesmo as nações não possuidoras de tal atributo podem ser julgadas positivamente quanto a ele por um observador mais distante.

(c) ancoragem e ajuste

Para a formulação de conclusões que envolvam situações não plenamente conhecidas, as pessoas muitas vezes partem de um dado já conhecido ou a elas disponibilizado, ajustando- o até produzir uma decisão final. Este dado inicial, também chamado de âncora, pode surgir a partir de antecedentes históricos, da maneira como um problema é apresentado ou por meio de informações aleatórias apresentadas (BAZERMAN, 2004).

Em um experimento interessante, TVERSKY e KAHNEMAN (1974) pediram para que voluntários avaliassem se um número arbitrário gerado após a parada de uma “roleta da sorte” era maior ou menor que o número de países africanos que fazem parte das Nações Unidas. Em seguida, era-lhes solicitado que fizessem uma estimativa da quantidade real destes países em tal organização internacional. Mesmo claramente conscientes de que os números oferecidos haviam sido gerados de maneira aleatória, os resultados do estudo apontaram que aqueles valores influenciavam as estimativas finais dos participantes, havendo sido utilizados pelos mesmos como um ponto de partida para as suas conclusões.

Além da âncora oferecida ou já anteriormente presente na mente de um indivíduo, seus julgamentos são o resultado do conjunto de crenças que possui. As pessoas se esforçam para que suas decisões sejam compatíveis com seus conhecimentos sobre: (1) o assunto em questão; (2) as leis de probabilidade; (3) suas próprias heurísticas de julgamento e vieses (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974).