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As transformações dos cursos de jornalismo em Portugal e a adequação ao Processo de Bolonha

A logística dos cursos de Jornalismo 3.1 Processo de Bolonha

3.2. As transformações dos cursos de jornalismo em Portugal e a adequação ao Processo de Bolonha

O curso de jornalismo em Portugal, diferente do Brasil e dos Estados Unidos, não nasceu e também não se desenvolveu como um curso independente, ele sempre esteve mais inserido às ciências generalistas, no âmbito da comunicação social. Como mostram Mesquita e Ponte (1997:159) “Os cursos visavam, no seu conjunto, a

problemática e as profissões da «sociedade de comunicação», sem considerarem a

especificidade do jornalismo”. Durante a década de 70, os cursos de Comunicação

Social não surgiram como faculdades autônomas da Ciência da Comunicação, e, sim, em Faculdades das Ciências Sociais, Humanas ou Letras, como foi o caso pioneiro na Universidade Nova Lisboa. A vantagem foi a formação sólida em ciências sociais e humanas e um distanciamento de um ensino apenas profissionalizante e empirista. A desvantagem diz respeito a um conhecido dilema entre teoria e prática, o qual norteia as academias e o mercado de trabalho, distanciando esses dois alvos que, na verdade, deveriam ser entrelaçados.

A grade curricular das primeiras instituições remete o ensino à investigação no campo das Ciências Sociais e Humanas. Isto significa que as disciplinas eram distribuídas em quatro áreas de saber: Ciências Sociais e Humanas; Ciências da Comunicação; Estudos sobre os Meios; e Jornalismo. Os primeiros campos correspondem ao tronco comum de todos os cursos da área da comunicação. Entre as disciplinas ministradas predominam Filosofia e Ciências da Linguagem. Posteriormente, focavam o estudo da mídia através de disciplinas como Sociologia da Comunicação, Semiótica e Teoria da Comunicação. Paralelamente, também coexistiram neste período instituições como a Faculdade de Letras de Coimbra e a Universidade Católica de Lisboa que defendiam uma grade mais tradicional, com ênfase na formação humanística de maneira geral. Embora o primeiro modelo colocasse o curso sob o guarda-chuva das Ciências Sociais, há uma deficiência de disciplinas que primam pela metodologia como suporte para a investigação, que hoje é considerada uma das principais ferramentas do jornalismo, se não a principal. O segundo modelo também não contemplava o ensino da investigação como metodologia para a prática da profissão.

Na década de 80, prevaleceu a formação generalista em comunicação, mas já manifestaram os primeiros focos, em diferentes cursos, de inclusão de práticas profissionalizantes, motivados pela solicitação de docentes especializados em diferentes áreas, pelo sindicato e também pelas empresas de comunicação. Ainda na década de 80, mais precisamente em 1985, surgiu a Escola Superior de Jornalismo do Porto, oferecendo o curso especializado em jornalismo. Mas foi na década de 90 que ampliou- se a diversificação e a especialização dos cursos de comunicação social. Em 1993, inaugurou-se a primeira Licenciatura em Jornalismo, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em 1996, foi criado o curso Politécnico da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa. Já a Universidade Nova Lisboa, neste mesmo período, investiu nas vertentes profissionalizantes, entre essas, o jornalismo.

No entanto, os cursos politécnicos e as licenciaturas que vinculam o jornalismo às Ciências da Comunicação ou da Comunicação Social ainda são maioria, tanto os oferecidos pelas instituições públicas quanto as privadas. Normalmente, eles aplicam o tronco comum, com tempo variável, no início da estrutura curricular.

A pesquisa científica em jornalismo também foi tardia em Portugal. As primeiras teses de doutoramento sobre jornalismo e mídia surgiram no final da década de 80 e início da década de 90. O mestrado foi introduzido na Universidade Nova Lisboa em 1991/92 e, em 1994, foi apresentada a primeira tese específica em jornalismo.

Mesquita e Ponte (1997) criticam tanto a Ciência da Comunicação quanto a Ciências Sociais e Humanas na formação do jornalista, por ambas contemplarem uma grade mais focada em disciplinas com formação humanística, como Sociologia, Semiologia e Filosofia e conhecimento tecnológico. Não priorizam um novo campo de saber transdiciplinar e especializado em jornalismo ou em outras profissões da comunicação. Mesmo as cadeiras que tratam sobre estudos da mídia, na verdade referem-se às diciplinas de Direito, Deontologia e História, favorecendo uma análise mais generalista. E, por outro lado, o português que é fundamental para as profissões no campo da comunicação não é disciplina obrigatória nas instituições de ensino particular.

Outra crítica apontada por Mesquita e Ponte no estudo elaborado para a Representação da Comissão Européia em Portugal sobre a situação do ensino e da formação profissional do jornalista é de colocar o jornalismo, a publicidade e propaganda e a relações públicas em um mesmo tronco comum. Para os autores, a comunicação institucional e a propaganda possuem práticas e mesmo deontologias

antagônicas ao jornalismo, impossibilitando, assim, a coexistência dos três em uma mesma perspectiva profissional. Este também é um dos pontos nevrálgicos para o Sindicato dos Jornalistas, pois confunde as três áreas profissionais. No entanto, o estudo ressalta que as disciplinas pertencentes às Ciências Sociais e Humanas e à Ciência da Comunicação são de interesses das três atividades e que, por o jornalismo e a relações públicas serem práticas próximas no mercado de trabalho, é importante que elas sejam conhecidas pelos dois cursos, defendendo o discurso da transversalidade. Este discurso não é compartilhado de forma unânime pelos docentes e profissionais, que vêem os dois domínios como práticas separadas no mercado e também deveriam ser separados já na sala de aula.

A problemática apontada por Mesquita e Ponte (1997) não norteia apenas o universo acadêmico português, mas também, o brasileiro, que é discernir o limite dos argumentos econômicos e o limite da logística acadêmica, ou seja, até que ponto manter os cursos unidos atende o interesse das instituições de ensino de racionalizar custos e até que ponto é válido o nobre argumento de que é interessante os três cursos conhecerem os princípios éticos e deontológicos de cada um.

No final da década de 90, o estudo mostra que nem todos os cursos de jornalismo possuíam laboratórios com boa infra-estrutura, bem como disciplinas mais específicas (Teorias do Jornalismo, Jornalismo Comparado, História da Imprensa...). Com o advento da tecnologia, no século XXI, os equipamentos baratearam, os laboratórios de televisão não são mais analógicos e as câmeras também não são mais com fita beta; o mesmo vale para o estúdio de rádio. A tecnologia tornou a instalação de laboratórios mais acessível às instituições de ensino.

A escolha do corpo docente também deve seguir um padrão de exigência, o qual inclui habilitações acadêmicas e práticas profissionalizantes, difíceis de conciliar no jornalismo. Por isso, a importância dos centros de formação: Observatório da Imprensa, o Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas – CENJOR e o Conselho Federal de Jornalistas - CFJ, os quais oferecem cursos profissionalizantes para completar a formação

A proposta de criar um espaço comum de ensino na Europa levou algumas instituições portuguesas a incluírem no currículo cadeiras específicas à problemática das instituições européias, ou a incluírem a discussão dessa problemática nas disciplinas de formação humanística. Entre as instituições destacaram-se: as licenciaturas da Universidade Católica Portuguesa, da Universidade Autônoma de Lisboa, da

Universidade Fernando Pessoa, do ISMAG e os cursos politécnicos da Escola Superior de Jornalismo, do Instituto Superior de Administração, Comunicação e Empresa (ISACE) e do Instituto Português de Estudos Superiores (IPES). Os cursos de pós- graduação e centros de formação profissional também integraram a problemática européia no formato de seminários e temáticos. As instituições particulares abraçaram mais a proposta de integração do que as instituições públicas. (Mesquita & Pontes, 1997).

Após uma revisão dos cursos universitários e politécnicos de jornalismo em Portugal, o estudo realizado apresentou as seguintes constatações:

 eles são importantes para a formação dos jornalistas e estão acolhendo novas problemáticas e investigações;

 eles ainda não correspondem a uma visão harmônica dos profissionais atuantes no mercado;

 aumentou a procura por parte de estudantes em cursos de jornalismo o que repercutiu em um crescimento das instituições de ensino privadas. No ano letivo de 1996/1997 ingressaram nos cursos de comunicação 1.751 alunos, sendo que 1.115 ingressaram em instituições particulares. Isto deve-se à facilidade de acesso ao ensino privado, que é menos exigente que o público.

Quanto às expectativas futuras da profissão, o estudo identificou potencialidades relacionadas aos cursos de formação em jornalismo:

 possibilitaram uma formação sólida em ciências humanas e ciência de comunicação aos egressos, acompanhada de saberes teóricos, práticos e tecnológicos relacionados ao domínio do jornalismo;

 propiciaram o desenvolvimento, ainda tímido, de pesquisas em mestrado e doutorado sobre jornalismo e mídia, atendendo à crescente necessidade de investigação do mercado;

 motivaram a formação de equipes de docentes e investigadores para garantir a transmissão de saberes sobre o exercício do jornalismo, bem como para alimentar o desenvolvimento global desta área.

O estudo também identificou os aspectos ainda deficitários, sendo eles:

 falta de bibliografia especializada publicada em Portugal e uma discrepância entre docentes disponíveis para áreas específicas e cursos para serem atendidos;

 desequilíbrio entre a formação humanística e em ciências da comunicação comparada com a formação específica e prática;

 desequilíbrio entre o número de estudantes e de instituições de ensino privada com as ofertas do mercado de trabalho.

O mercado de trabalho português já sofreu alterações positivas derivadas das instituições de ensino e dos seus egressos como a feminização e o rejuvenescimento da carreira. O curso universitário atribuiu prestígio e status à profissão de jornalismo. Apesar das dificuldades apontadas, os cursos de jornalismo em Portugal sofreram avanços devido ao Processo de Bolonha, aos estudos de adequação ao padrão europeu e à verificação de sua aplicabilidade pelas instituições. A tendência destes cursos é especializarem-se ainda mais, oferecendo disciplinas práticas e específicas ao jornalismo, sem descartar, no entanto, a transversalidade.

Para que se possa analisar como as instituições estão adequando suas grades e estruturas curriculares, optou-se em fazer um corte e traçar um olhar mais próximo de alguns cursos. A seleção iniciou ao considerar apenas, por um critério aleatório, as instituições de curso superior, descartando os cursos politécnicos. Mesmo assim, o leque oferecia muitas opções. Novo corte foi definido, desta vez limitando o olhar às instituições que ofereceram curso de mestrado em comunicação social, no ano de 2007, quando foi feito este estudo. Definiu-se o universo em oito instituições de ensino superior:

 Universidade Nova Lisboa,

 ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas;  Universidade do Minho;

 Universidade da Beira Interior – UBI;  Universidade de Coimbra;

 Universidade Fernando Pessoa;  Universidade Lusófona do Porto;