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As transformações da estrutura familiar em Portugal

CAPÍTULO III: FAMÍLIA E ESCOLA

3.2. As transformações da estrutura familiar em Portugal

Durante o Estado Novo predominava a dita família tradicional. Inicialmente tinha o caracter de ’família extensa’ – englobando, para além dos pais e filhos, outros familiares próximos (i.e. avós) - mas foi sendo substituída pelo modelo ‘nuclear’6: a família era constituída pela mãe, responsável por educar os seus filhos e pelas tarefas domésticas, pelo pai que trabalhava para sustentar a ’casa’ e pelos filhos. Cada membro da família desempenhava um papel bastante específico, sendo a mãe vista como a figura dos afetos enquanto o pai era uma personagem mais distante, encarado como o elemento de autoridade. Devido à política imposta pelo regime, à reduzida taxa de mortalidade infantil

6As famílias nucleares são características da sociedade industrial, visto que melhor se adequavam ao panorama

socioeconómico e cultural da altura. As famílias numerosas (extensas), que eram vistas como algo útil porque quanto maior fosse a família mais fácil seria sustentar o lar, dão lugar às famílias de pouca dimensão onde o filho deixa de ser visto como um bem económico e passa a ser visto como um ser dispendioso, em que o acesso ao ensino é encarado como fundamental enquanto gerador de qualidade de vida e ‘elevador social’. Como refere Dias (2000, p.92), uma

prole numerosa era questão de prestígio e de orgulho para a própria família e, sobretudo, para a mulher. De facto, até entre os pobres, cheios de fome, os filhos eram uma riqueza.

Fonte: Elaborado com base em Caniço et all., 2010.

Quadro 9: Tipologia das famílias considerando a estrutura dinâmica global e as relações conjugal e parental.

e à influência da Igreja Católica, que proibia o planeamento familiar, as famílias eram bastantes numerosas. Hoje em dia este cenário já não é característico de Portugal, que tem visto a dimensão média das famílias diminuir ao longo das últimas décadas (Figura 12).

Na verdade, várias mudanças ocorreram na estrutura da família e nas formas de coabitação nas últimas décadas, em consequência das inúmeras transformações ocorridas na sociedade – sociais, tecnológicas, culturais e económicas (Quadro 10). Estas mudanças implicaram alterações na tipologia das famílias, originando, como referem Pedroso e Branco (2008, p.55),

(…) novos cenários familiares, flexíveis e fluidos, onde se verifica o aumento das uniões de facto; o aumento do número de crianças nascidas fora do casamento; o aumento das famílias monoparentais; o aumento das famílias recompostas; o aumento das famílias transnacionais; e o aumento das famílias unipessoais.

Quadro 10: Causas das transformações ocorridas na estrutura familiar.

Horizontalização da comunicação

Atualmente as pessoas ‘esquecem-se’ que a família se estende à geração dos avós, que são deixados de parte pela família nuclear. Portanto, em pleno século XXI, o que vemos é um conjunto de relações entre pessoas da mesma geração.

Administração do tempo

Hoje em dia as pessoas já não passam tanto tempo em família, sendo este substituído pelo tempo gasto no trabalho ou formação (académica e profissional).

O trabalho e a igualdade entre o homem e a mulher

Passa a haver uma maior partilha de responsabilidades, nomeadamente a nível das tarefas domésticas e na educação dos filhos, pois a mulher passa a integrar o ‘mundo do trabalho’, assumindo a sua independência económica.

Figura 12: Dimensão média das famílias portuguesas, 1960 - 2011. Fonte: Pordata.

Fatores demográficos

Diminuição da taxa de nupcialidade; redução do crescimento natural; atraso do nascimento do primeiro filho; diminuição da dimensão média das famílias; aumento da esperança média de vida e aumento do número de divórcios.

Fonte: Elaborado com base em Andrade, 2010 e Picanço, 2012.

Esta diversidade de ‘modelos’ está em parte associada a uma mudança dos costumes e valores, em que a génese da família passa (…) a estar mais fincada no afeto e na valorização da dignidade da pessoa humana, observadas as peculiaridades que envolvem o ser individualmente considerado (Maluf, 2010, p. 36). A introdução de novos comportamentos e de novos valores na estrutura familiar, tem consequências no bem- estar psicológico e material das crianças.

Fruto destas transformações, um novo tipo de família surge na sequência das tradicionais: as famílias igualitárias ou modernas (de acordo com o tipo de relação conjugal). Isto é, famílias que diferem das anteriores sobretudo pela partilha das tarefas domésticas entre o casal, deixando a educação dos filhos de estar à mercê da mãe (o homem passa a ter um papel mais ativo), implicando um maior envolvimento afetivo por parte dos pais para com os seus filhos, principalmente do lado do homem que desenvolve uma relação mais próxima com os seus filhos.

Mas devido ao aumento da taxa de divórcio/separação, a nossa sociedade assiste ao progressivo acréscimo de famílias monoparentais, isto é, famílias em que apenas um progenitor (mãe ou pai) coabita com os seu(s) descendente(s). Como refere Marinho (2014, p.180) este tipo de família representava (…) em 2011, 14,9% do total de núcleos familiares e 22,9% do total de núcleos familiares com filhos, apresentando uma variação relativa de 35,7%, entre 2001 e 2011. De acordo com a autora, o aumento da monoparentalidade resulta sobretudo da rutura conjugal (e não da viuvez como era mais frequente) e dos nascimentos fora do casamento, embora fatores associados ao desenvolvimento do país – (…) incremento da autonomia residencial, da independência económica e dos níveis de escolaridade nestas famílias, bem como na taxa de emprego elevada (ob.cit., p.194) – também sejam de considerar.

Em associação com a rutura conjugal, dos divórcios e da separação entre pares surgem as designadas ‘famílias recompostas ou reconstruídas’, que, de acordo com Atalaia (2014, p.225), corresponde a (…) uma família em que há, pelo menos, um filho não comum a ambos os membros do casal. Embora a criação de uma nova seja vista como (…) um processo muito difícil, com fases de grande sofrimento, (…) nada indica que as

crianças que passam por estes sejam, enquanto adultos, diferentes ou mais frágeis que os outros adultos (Gameiro, 2001, citado por Andrade, 2010, p. 30).

Mas o divórcio é um processo bastante doloroso para todos os indivíduos que, direta ou indiretamente, estão envolvidos no processo. Como refere Costa (2012, p.14), o divórcio consiste numa crise no ciclo de vida familiar, criando um estado de desequilíbrio quer na família nuclear quer na família alargada, impondo mudanças nas fronteiras familiares implicando uma reorganização de todo o sistema familiar. As crianças são as mais afetadas pois sentem-se inseguras, abandonadas e desamparadas - porque perderam o seu ‘modelo’ familiar - mostrando que não estão contentes com o que se passou com os seus pais através de bloqueios e atraso no processo de ensino-aprendizagem. Por outro lado, pode originar sentimentos de culpa, pois principalmente as crianças mais pequenas não conseguem compreender o que se está a passar com a sua família (Santos, 2013; Trindade, 2014).

Os problemas familiares provocam fortes consequências na vida das crianças e dos adolescentes. A abstenção e o fracasso escolar são alguns dos inúmeros exemplos, visto que os problemas com que se deparam diariamente impedem-nos, de forma involuntária, de adquirir novos conhecimentos e podem originar transtornos emocionais.

Em suma, todas as transformações que foram ocorrendo ao longo dos anos e que caracterizam a sociedade de hoje (mulher economicamente independente, o predomínio da afetividade no seio familiar, a igualdade entre os géneros, o controlo da natalidade, reprodução assistida, etc.) tornaram a estrutura familiar mais maleável [e] adaptável às conceções atuais da humanidade (Hironaka, 2007, citada por Maluf, 2010, p. 37). Ademais, passa-se a dar ênfase à função afetiva da família que se torna o refúgio privilegiado dos indivíduos contra as pressões sociais e económicas interpostas pela existência (Hironaka, 2007, citada por Maluf, 2010, p. 37). Todavia, vários autores consideram que, nos dias de hoje, há pouca interação entre os pais e os filhos devido ao tempo que gastam no campo profissional. Portanto, uma vez que passam pouco tempo com seus filhos, cria-se uma ligação fluída que tende a estender-se às relações afetivas que as crianças desenvolvem com os outros. Perante tal cenário, passamos a ter crianças inseguras, ansiosas e com pouca capacidade de adaptação a novas situações.