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CAPÍTULO III: FAMÍLIA E ESCOLA

3.1. Conceito de Família

Etimologicamente a palavra ‘família’ deriva do latim familia, que teve origem no termo famulus, que significa “servo” ou “escravo doméstico”, sendo utilizado na Roma Antiga para designar

(…) o conjunto dos escravos e dos servidores, mas também toda a «domus» (casa), isto é, todos os indivíduos que vivem sob o mesmo teto e os bens patrimoniais pertencentes a essa casa, numa hierarquia que mantinha, por

um lado, o senhor e, por outro, a mulher, os filhos e os servidores, vivendo sob a sua dominação (Leandro, 2006, p.52).

O conceito de família sofreu alterações sucessivas ao longo do tempo, acompanhando a evolução sociopolítica, cultural e demográfica, pelo que, como refere Cruz (2017, p.130), (…) não devemos falar em família, mas sim famílias. Assim, é possível apresentar diversas definições (Quadro 8), consagrando-se na Constituição da República Portuguesa (Art. 67º) que a família é um elemento fundamental da sociedade. Não sendo nosso propósito focar perspetivas jurídicas, o que sai do âmbito da nossa especialidade, gostaríamos apenas de assinalar o referido na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na interpretação dada pelo Guia Prático editado pela Procuradoria- Geral da República (2015, p..29):

“Vida familiar” (…) vai muito além da noção clássica da vida de casal com filhos. Abrange casais não casados (quando demonstrem a existência de uma relação estável de longa duração); casais de pessoas do mesmo sexo e transsexuais; assim como os parentes próximos como os avós e netos, e os irmãos e irmãs.

Na nossa perspetiva, o conceito de família deve assentar sobretudo numa perspetiva ‘emocional’ e não redutora – o que justifica algumas das definições que apresentamos no quadro elaborado - podendo recorrer-se à metáfora do comboio utilizada por Gervilla (2003, apud Reis, 2008) para explicar o que é realmente uma família.

Quadro 8: Definição de Família.

AUTORES DEFINIÇÃO

Relvas (1996, citada por Andrade, 2010, p. 31).

(…) a família deve ser entendida como um sistema, um todo, uma globalidade, que só nesta perspetiva holística pode ser corretamente compreendida.

Reis, 2008, p. 43.

(…) a Família é considerada a instituição social básica a partir da qual todas as outras se desenvolvem, a mais antiga e com um caráter universal, poia aparece em todas as sociedades, embora as formas de vida familiar variem de sociedade para sociedade.

Maluf, 2010, p. 14.

(..) a família pode ser definida como o organismo social a que pertence o homem pelo nascimento, casamento, filiação ou afinidade, que se encontra inserido em determinado momento histórico, observada a formação política do Estado, a influência de costumes, da civilização, enfim, a que se encontra inserida.

Picanço, 2012, p. 12.

A família é o primeiro suporte vital que temos nos primeiros anos de vida, é nela que temos que nos apoiar e consequentemente teremos que apoiar, pois cada elemento da

família (…) necessita do nosso apoio, da nossa companhia, do nosso carinho (…) é na família que está todo o equilíbrio que o ser humano necessita à boa integração na sociedade e fundamentalmente á sua sobrevivência.

Leite, 2015, p. 54.

(…) família como um sistema inserido numa diversidade de contextos e constituído por pessoas que compartilham sentimentos e valores formando laços de interesse, solidariedade e reciprocidade, com especificidade e funcionamentos próprios.

Instituto Nacional de Estatística (INE)

(…) conjunto de indivíduos que residem no mesmo alojamento e têm relações de parentesco (de direito ou de facto) entre si, podendo ocupar a totalidade ou parte do alojamento.

Acrescenta ainda que se considera…

(…) como família clássica qualquer pessoa independente que ocupa parte ou a totalidade de uma unidade de alojamento [e que] os empregados domésticos residentes no alojamento onde prestam serviço são integrados na respetiva família.

A família é algo que se vai construindo ao longo da vida… durante a qual conhecemos inúmeras pessoas, tal como numa viagem de comboio que vai parando em diversas estações, deixando entrar novos passageiros. No início da viagem - que começa com o nosso nascimento - somos acompanhados pelos nossos pais e, numa fase posterior, por familiares próximos e amigos. À medida que o comboio para em várias estações, cada uma representando um ciclo importante na nossa vida (o fim da escola, fim da faculdade, o nosso primeiro emprego, o casamento, o primeiro filho, entre outros), várias pessoas ficam, outras saem e vão sendo substituídas. Tal e qual como na nossa vida, as pessoas vão e vêm. As que connosco começaram a viagem, como por exemplo os nossos pais, não estarão presentes na reta final pelos mais variados motivos.

Mas a verdade é que a família não consiste apenas nos indivíduos que a compõe, mas também nas relações que estabelecem entre si, tornando as famílias únicas. Nos nossos primeiros anos de vida, a família é vista e entendida como o nosso suporte vital… pois é nela que nos apoiamos nos momentos de necessidade. No entanto, ‘a família’ nem sempre se fundamenta em laços de sangue. O que realmente importa é a existência de afetos, valores comuns, a partilha de interesses e as relações que se estabelecem entre os ´passageiros’ que vão permanecendo. Assim, apesar de o conceito de família apresentar diversas definições, há sempre algo comum em todas: a união, através do respeito mútuo, da amizade e/ou da intimidade, entre os membros que constituem a família. Uma união que resulta das relações fortes e autênticas que se vão construindo e permitem criar um

ambiente acolhedor que permanece o nosso refúgio. Como refere Dias (2011, p.154) [a] família é o elemento mais firme, mais seguro e mais estruturante da personalidade dos seus membros. E acrescentaríamos, citando as palavras de Fernandez (2001) no texto de Reis (2008, p.49), (…) família é um conjunto de pessoas que gostam umas das outras.

Pesem estas reflexões, para o nosso estudo parece-nos importante focar as transformações do conceito de família em Portugal, derivadas de fatores económicos, sociais, culturais, religiosos e jurídicos. Dessas transformações resultaram novas estruturas familiares e novas dimensões do agregado familiar, que acabam por ter repercussões tanto para a família em si como para a sociedade. Existem várias tipologias de estrutura familiar, baseando-se em diferentes critérios. Caniço et al. apresentaram em 2010 o que consideram os ‘novos tipos de família’ (quadro 9) – (…) caracterizando cada um e apresentando um plano de cuidados de saúde à família (ob. cit., p.9) - utilizando como critérios de classificação a estrutura/dinâmica global, a relação conjugal e a relação parental, numa perspetiva que se relaciona com a visão de um especialista em Medicina Geral e Familiar. Segundo os autores (p.7 a 9), [n]as últimas décadas, temos assistido a enormes mudanças na estrutura das famílias, [que] influenciam e são influenciadas pela saúde dos seus elementos [definindo-se] uma classificação prática e “lucrativa” em termos de avaliação da estrutura e dinâmica familiar, que permita melhorar os cuidados assistenciais prestados aos utentes.

Ou seja, a tipologia que propõem parte do pressuposto que cada tipo de família encerra em si características que importa descriminar, uma vez que se vão ter reflexos (…) em variáveis como mortalidade, longevidade, doenças psiquiátricas e comportamentos dos seus elementos, assim como (…) inúmeros fatores, alguns dos quais médicos (outros de adaptação social), influenciam a estrutura das famílias (ob. cit., p.6). Se muitos estudos podem ser evocados para justificar a influência da família no nosso comportamento a vários níveis (cognitivo, motor, emocional, afetivo), condicionando a construção da nossa identidade e a definição do nosso projeto de vida, Caniço et al. expressam a sua visão clínica…mas sem dúvida complementar à de Nolte e Harris (2003) no seu livro As crianças aprendem o que vivenciam (Quadro 9).