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3.4: As transformações estruturais e a dinâmica macroeconômica.

Capítulo I: As políticas econômicas neoliberais dos anos 90 e seus impactos macroeconômicos

I. 3.4: As transformações estruturais e a dinâmica macroeconômica.

Ao mesmo tempo que as novas políticas foram gerando estas transformações estruturais, também foram delineando uma dinâmica macroeconômica que supõe o aprofundamento da vulnerabilidade externa.

O processo de expansão do nível de atividade com base em aumentos de produtividade cujo custo é a desindustrialização e terceirização da estrutura produtiva, com uma taxa de câmbio nominal fixa sob o esquema de convertibilidade, e uma taxa de câmbio real valorizada, significa a permanência de um déficit crônico e crescente da balança comercial, junto a uma escalada do endividamento externo difícil de sustentar.

A abertura comercial com apreciação da taxa de câmbio, na medida que reduziu a competitividade da produção argentina de bens comercializáveis, sem estimular o desenvolvimento tecnológico e encarecendo os custos do trabalho, concorreu tanto por via de maiores importações como por via de menores exportações relativas, a aumentar a vulnerabilidade externa e aprofundar o desemprego. Segundo aponta CANITROT, (1992) "a liberalização das importações conserva seu

valor como instrumento colateral da taxa de câmbio na política de estabilização e como método preferível à discricionariedade (e discriminação) própria das economias fechadas. Porém é necessário considerar que em uma economia, na que por razão da apreciação cambiária, os salários medidos em dólares excedem a produtividade da mão-de-obra relativa a de sua concorrência, o balanço de pagamentos só pode se equilibrar pelo ingresso de capitais externos, o desemprego ou maiores tarifas". Em outras palavras, a apreciação cambiária reduz a competitividade da economia, o que

promove o aumento das importações e a diminuição das exportações, e gera déficit externo que só se sustenta com a entrada de capitais (e o conseqüente endividamento). Quando o ingresso de fluxos financeiros é reduzido, acontece a recessão, contraem-se as importações e o nível de atividade, e explode o desemprego aberto. Isso foi o que ocorreu na Argentina nos momentos da crise mexicana, quando a taxa de desemprego saltou em um ano de 10,7% a 18,4% (entre maio de 1994 e maio de 1995). E esse mesmo desemprego terminou sendo funcional ao modelo, já que operou como depressor dos salários nominais durante a segunda metade dos anos 90. A isso se somarão as pressões das

empresas para conseguir modificações na legislação que regula o trabalho e nos convênios coletivos de trabalho que apontarem à flexibilização dos custos salariais.19

Como pode se observar na Tabela I.22, o crescimento das importações em paralelo à falta de dinamismo das exportações gera uma brecha comercial que apenas consegue ser amortecida nos anos recessivos (1995) em que diminuem as importações, já que as exportações apresentaram um salto importante somente durante 1995. O déficit externo aumenta com o retorno de lucros e dividendos das firmas multinacionais, cuja progressão está em função da crescente internacionalização do capital, a expansão dos gastos vinculados à compra de patentes estrangeiras, maiores gastos de turismo promovidos pela valorização da taxa de câmbio, e principalmente pelo serviço de uma dívida externa fortemente crescente e sua amortização. (SALAMA 1998).

Em conseqüência, dado que as exportações não crescem todo o necessário que o modelo exige, o déficit requer ser financiado com ingresso de capitais externos de forma permanente, a partir do qual o nível de atividade, que depende do nível de importações, fica vinculado à entrada de capitais. Por outro lado, o esquema de convertibilidade aprofunda esta dependência na medida em que impõe como única opção para aumentar a oferta monetária, e em conseqüência para financiar o crescimento interno, a necessidade de que aumentem as reservas, e para isso se requer entrada de capitais. Esta dependência fica evidente nos anos de 1994 e de 1995 quando, derivado dos efeitos da crise mexicana, a diminuição

19 A flexibilização do mercado de trabalho é analisada no Capítulo III, no item III 2-2.1.

Componentes e ano 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Conta Corrente 1781 6256 809 5521 -8030 -10992 -4985 -6521 -11954 Mercadorias 5373 8274 3703 -1396 -2364 -4139 2357 1760 -2123 Exportações 9573 12352 11978 12399 13269 16023 21161 24043 26431 Importações 4200 4077 8275 13795 15633 20162 18804 22283 28554 Serviços reais -252 -267 -791 -2463 -3221 -3692 -3326 -3366 -4178 Serviços financeiros/Rendas -3341 -2749 -2897 -2393 -2931 -3567 -4529 -5331 -6089 Juros e outras rendas s/d s/d s/d -1465 -1493 -1759 -2457 -3303 -4100 Lucros e dividendos s/d s/d s/d -928 -1438 -1808 -2072 -2028 -1989 Transferências correntes (1) (1) (1) 731 486 406 513 416 436

Conta Capital e Financeira -81 -2539 1071 8935 13485 12553 6748 11711 16750

Variação de Reservas 1700 3717 1880 3274 4250 682 -102 3882 3273

(1) incluem-se no saldo da conta corrente

Fonte: 1989 a 1991: CEPAL (1999) com base no Ministério da Economia e Obras e Serviços Públicos - 1992 a 1997: Ministério da Economia e Obras e Serviços Públicos

TABELA I.22

de entrada líquida de capitais de 12.553 a 6.748 milhões de dólares (Tabela I.22) obrigou a reduzir as importações e conjuntamente se reduziu o estoque de reservas internacionais. O menor financiamento externo se expressou em uma queda do PIB de 4,6% durante 1995. Se o impacto não foi maior, foi devido ao crescimento das exportações que se produziu nesses anos.

Esta necessidade de financiamento externo explica também o enorme crescimento da dívida externa, tanto pública como privada (Tabela I.24). Nesta dinâmica o Estado toma dívida com fins de emissão de moeda doméstica, gerando um desequilíbrio fiscal que é estrutural, já que é originado pelo mesmo funcionamento do modelo. Até 1994 o crescimento da dívida externa pública foi contido pela entrada de fundos por privatizações, porém acabada esta fonte de ingressos o crescimento é sistemático.

Investimento Direto 4384 60.2 2763 7.3 3490 26.1 5315 52.7 6522 34.8 8755 41.4

Reinvestimento de utilidades 813 870 840 609 355 716

Aportes 474 628 1287 1685 2011 2541

Dívida com matrizes e filiais 371 248 315 496 1245 1014

Aquisição ativos existentes 2726 1017 1048 2525 2911 4484

Investimento em carteira (passivos) 2901 39.8 35286 92.7 9874 73.9 4775 47.3 12210 65.2 12407 58.6

Títulos de dívida 1780 30307 6757 3684 11219 11016

Ações 1121 4979 3117 1091 991 1391

Total de Investimento estrangeiro 7285 100 38049 100 13364 100 10090 100 18732 100 21162 100

Fonte: Ministério da Economia e Obras e Serviços Públicos

TABELA I.23

Fluxos de Investimento estrangeiro Direto e em Carteira realizada na Argentina (em milhões de dólares e estrutura percentual)

1996 1997

1992 1993 1994 1995

Total dívida externa 61335 100 62769 100.0 72212 100.0 85678 100 98890 100 109774 100 124696 100

Setor Público não Financeiro e BC 52739 86 50678 80.7 53620 74.3 61274 72 67200 68 73511 67 74803 60

Bônus e títulos públicos 5771 6879 31594 36881 38176 46079 49273

Outras formas 46968 43799 22026 24393 29024 27432 25530

Setor Privado não financeiro 3522 6 5571 8.9 9710 13.4 13605 16 17938 18 20604 19 29304 24

Setor Financeiro sem Banco Central 5074 8 6520 10.4 8882 12.3 10799 13 13752 14 15659 14 20589 17

1990

2139 1896 5312 4589 1441 1340 1033 969

Taxa de variação da dívida externa

do setor público (%) -3.9 5.8 14.3 9.7 9.4 1.75

BC: Banco Central

Fonte: com base no Ministério da Economia e Obras e Serviços Públicos, e CEPAL (1999).

95/96 96/97 1991/92 92/93 93/94 94/95 1995 1996 1997 1991 1991 1992 1993 1994 1996 1997 Valor das privatizações

Dívida externa e receitas por privatizações

Receitas por privatizações à vista ou em bônus de dívida externa e interna a seu valor no mercado secundário (en milhões de dólares) Estoque de dívida externa bruta por setor residente (saldos a fim do período en milhões de dólares e estrutura percentual)

Deste modo, a partir das políticas liberais implementadas, o ingresso de capitais externos (seja via investimento direto ou endividamento) adquiriu um caráter central tanto para financiar o déficit de conta corrente que o mesmo modelo gera, como também para aumentar as reservas e por esta via financiar o crescimento interno. Neste sentido, e como sustenta FIDE (2000) "a economia cresce

somente ao amparo do endividamento externo; a estrutura implícita de preços relativos discrimina em contra dos comercializáveis, consolidando uma tendência permanente à geração de déficit no comércio exterior, o estímulo ao investimento em setores de serviços combinado com a crescente desnacionalização do aparelho produtivo empurra a uma crescente demanda de dólares, seja para atender às importações ou as remessa de lucros que não têm contrapartida alguma em termos de ampliação na capacidade de gerar divisas. Instala-se assim uma seqüência perversa pela qual, quanto maior é o crescimento econômico maior é também o desequilíbrio de pagamentos externos".