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Quando a vida apareceu na Terra, já se verificava a vigência de leis físicas e químicas. Existe pois um contínuo da física para a vida, através da química, exibindo cada um destes níveis de organização da matéria propriedades emergentes próprias e leis específicas (figura 2.1).

Figura 2.1. Representação esquemática do contínuo físico-químico-biológico

Os organismos estão intimamente relacionados com as dimensões físicas do espaço e do tempo. A ecologia tem prestado pouca atenção as relações físicas básicas dos seres vivos com o espaço-tempo. Na minha concepção da ecologia, elas são muito importantes e tento introduzi-las através das VESP. Para este desiderato, vou considerar o expoente da dimensão linear (EL) das VESP associadas aos indivíduos e às populações. Como já mencionei, esta formulação facilita o uso da análise dimensional e da alometria (figura 2.2)

Figura 2.2. O triângulo básico da presença e crescimento dos organismos e populações no espaço físico

Para descrever a dinâmica das populações temos que recorrer a conceitos métricos que os caracterizem e descrevam. Neste contexto, além de outros, os principais conceitos de que nos serviremos são as VESP. Estas dizem respeito quer só aos indivíduos, quer às suas populações. Vou considerar as VESP classificadas de acordo com o expoente da dimensão linear que lhe está associado. Uma VESP será genericamente representada pela notação:

Espaço-tempo

EL das variáveis dos organismos

EL das variáveis das populações. Simetria espaço-tempo Forças electro- magnéticas Interacções moleculares Sistemas moleculares Complexidade acrescida Propriedades emergentes Vida Biossistemas

y

i,j,t

i = expoente da dimensão linear

j = identifica a variável entre todas com a mesma dimensão linear

t = idade a que se reporta o valor da variável. Quando não necessário pode ser omisso Identifiquemos os valores possíveis de i. na Caixa 2.1.

Caixa 2.1. Expoentes da dimensão linear das variáveis de estado dos sistemas populacionais

A título ilustrativo, nos quadros 2.1 e 2.2 insiro as variáveis descritoras da árvore e da floresta, agrupadas de acordo com este critério.

Além destes conceitos métricos, recorreremos a conceitos ecológicos puramente descritivos e comparativos, que sempre que possível nos esforçamos por quantificar, numa busca de rigor.

Como o leitor verifica, o valor de i de uma VESP referida ao povoamento é igual ao correspondente à árvore menos 2. Genericamente,

ipovoamento = iárvore-2,

como se mostrou na secção anterior.

O expoente associado à raiz é a minha melhor estimativa no actual momento, requer confirmação, mas supomos que é a correcta. A estimativa da biomassa da raiz é uma tarefa difícil e sujeita a erros por defeito.

i=-3. Associado a uma população que ocupa o espaço a três dimensões (concentração). Por exemplo, fitoplâncton.

i=-2. Associado a organismos que ocupa o espaço a duas dimensões (densidade). Por exemplo, organismos sésseis

i=0. Associado a variáveis que não variam no tempo. Já mencionámos a área foliar por unidade de área.

i=0,666666….Relacionada à biomassa ou volume total por unidade de área de uma população séssil. Por exemplo, plantas (2,666666+(-2)=0,666666).

i=1. Associada a variáveis de dimensão linear como comprimentos, diâmetros e alturas.

i=2. Associada ao crescimento do número de organismos que utilizam os recursos de um espaço bidimensional e à biomassa das componentes da copa das árvores. Variáveis de organismos cujas magnitudes são constantes quando referidas à unidade de área (2-2=0).

i=2,666666… . Refere a biomassas ou volumes totais de organismos. Indica geometria fractal.

i=3. Associada ao crescimento do número de organismos que utilizam os recursos de um espaço tridimensional. Variáveis de organismos cujas magnitudes são constantes quando referidas à unidade de volume (3-3=0).

i=4,666666…. Relacionada com a biomassa ou volume total de uma população com mobilidade, por unidade de área E.g., animais terrestres. (2,666666+2=4,666666).

i=5,666666…. Relacionada com a biomassa ou volume total de uma população com mobilidade, por unidade de volume E.g., peixes. (2,666666+3=5,666666).

2 Descritores das Populações e Outros Conceitos Básicos

Quadro 2.1. Variáveis florestais descritoras da árvore.

i=1 i=2 i=2,6666 i=3

j Nome da variável j Nome da variável j Nome da variável j Nome da variável

1 2 3 Diâmetro à altura do peito (dap) Altura Altura dominante 1 2 3 4 5 6 7 Biomassa das folhas ou agulhas Biomassa dos ramos vivos Biomassa dos ramos mortos Biomassa total da copa Área foliar Área basal Área ocupada pela

árvore 1 Biomassa total da árvore 1 2 3 4 5 Volume do tronco Biomassa da madeira do tronco Biomassa da casca do tronco Biomassa total do tronco Biomassa total da raiz

Quadro 2.2. Variáveis descritoras do povoamento. Hectare=ha, ignorando valores médios de variáveis do organismo

i=-2 i=0 i=0,6666 i=1

j Nome da variável j Nome da variável j Nome da variável j Nome da variável

1 Densidade, árvores ha-1 1 2 3 4 5 6

Biomassa das folhas ou agulhas ha-1 Biomassa dos ramos vivos ha-1 Biomassa dos ramos mortos ha-1 Biomassa total da copa ha-1 Área foliar ha-1 Área basal ha-1 1 2 Biomassa total da árvore ha-1 Biomassa total do auto-desbaste anual 3 4 5 6 7 8 9 10 Volume do tronco ha-1 Biomassa da madeira do tronco ha-1 Biomassa da casca do tronco ha-1 Biomassa total do tronco ha-1 Biomassa da raiz ha-1 Espaçamento entre as árvores Volume do auto- - desbaste anual Altura dominante

Os valores fraccionários de i (0,6666, 2,6666) permitem presumir que as árvores e as florestas têm geometria fractal.

Esta conclusão permite conjecturar as florestas como estruturas revelando auto similitude e formadas por módulos. Estes são entendidos como o menor conjunto de árvores em que se verificam todas as leis a que obedece a dinâmica do tipo de floresta em quetão. Para as populações de plantas em geral, assumo que a densidade final de um módulo é uma planta, no nosso caso uma árvore. Em Barreto (1995), apresento equações para calcular o número de

árvores em cada módulo, área de cada módulo e número de módulos por hectare, em florestas tanto regulares como etariamente estruturadas.

Duas questões podem aqui ser formuladas agora:

Questão 1. No seu crescimento as VESP seguem um padrão básico?

Questão 2. Como estão as dinâmicas das diversas VESP relacionadas durante o crescimento da população?

A resposta a estas questões é a minha teoria, inserida na Parte I do livro. As suas implicações nas interacções entre populações diferentes permeiam a Parte II.

Ao longo deste livro, recorrerei várias vezes a exemplos envolvendo populações de árvores. Isto não se deve exclusivamenete ao facto de eu ser um florestal, pois as árvores são fáceis de contar, de medir, não mudam de lugar e as suas populações estão sujeitas a intensíssima competição intra e interespecífica, pelo que em vários livros de ecologia servem para ilustrar relações alométricas (e.g., Begon, Towsend e Harper, 2006), e não só, como também há quem recorra a populações arbóreas para criar teorias sobre a colonização de espaços por espécies e a biodiversidade das comunidades (Hubbell, 2001). As árvores são um exelente universo para indagação ecológica.

2.4 Bibliografia

Almeida, G. de, 1997. Sistema Internacional de Unidades (SI). Grandezas e Unidades Físicas. Terminologia, Símbolos e Recomendações. Segunda edição. Plátano Editora, S. A., Lisboa.

Barreto, L. S., 1995. The fractal nature of the geometry of self-thinned pure stands. Silva Lusitana, 3(1):37-52. Barreto, L. S., 2003. A Unified Theory for Self-Thinned Pure Stands. A Synoptic Presentation. Research Paper SB- 03/03. Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda, Lisboa.

Barreto, L. S., 2005. Theoretical Ecology. A Unified Approach. Livro eletrónico. Edição do autor, Costa de Caparica. Begon, M., C. R. Towsend e J. Harper, 2006. Ecology. From Individuals to Ecosystems. Fourth edition. Blackwell Publishing, Oxford, Reino Unido.

Brückner, S., 2002. Dimensional Analysis Toolbox for Matlab, Version 1.01, http://www.sbrs.net/

Burton, R. F., 2001. A Biologia Através dos Números. Um Encorajamento ao Pensamento Quantitativo. Editora Replicação, Lda., Lisboa.

Hubbell, S. P., 2001. The Unified Natural Theory of Biodiversity end Biogeography. Priceton University Press, Princeton, E.U.A.

Kummailil, J., 2009. Dimensions. Disponível na internet, por exemplo, em www.baixaqui.com.br.

Pennycuick, C. J., 1992. Newton Rules Biology. A Physical Approach to Biological Problems. Oxford University Press, Oxford.

3 Alometria: As Leis Matemáticas Universais da Vida 3 Alometria: As Leis Matemáticas Universais da Vida

3.1 Introdução

Atendendo tanto ao importante papel que a alometria desempenha na minha construção teórica como à importância crescente que vem ganhando na teorização ecológica (Brown, West e Enquist, 2000; Anderson-Teixeira, Savage, Allen e Gillooly, 2009), destaco-a dedicando-lhe um capítulo, onde também avaliarei a correção da informação da Caixa 2.1.

Ao caminharmos na rua, por vezes, algumas pessoas chamam a nossa atenção pela falta do que entendemos ser a proporcionalidade que afecta uma ou outra parte do seu corpo. Por exemplo, ou têm as pernas curtas para o tamanho do tronco, ou uma cabeça grande demais relativamente ao tamanho do tronco. De facto, durante o crescimento dos seres vivos, as partes do seu corpo seguem um padrão de dimensões relativas, que é a emergência da acção simultânea de restrições de natureza física, química e biológica.

A alometria estabelece relações entre:

 Os tamanhos de componentes do corpo

 Entre funções fisiológicas e tamanho de componentes do corpo

 Entre tamanhos da componente do corpo e atributos da população em que os organismos estão inseridos.

As equações alométricas têm uma longa história em biologia. Já no século XIX, Rubner (1883) detetou que a taxa de metabolismo dos organismos variava com o tamanho do corpo. Na primeira metade do século XX, vários autores se ocupara de relações alométricas (para referências ver Savege et al., 2004). Destaca-se aqui a contribuição em 1917 de D’Arcy Thompson (Thompson, 1994), que recorreu ao princípio da semelhança geométrica. Este princípio justifica- se pelo facto da maioria dos organismos serem incompressíveis, e a sua massa por unidade de volume ser aproximadamente a da água do mar. Isto permite, nesta particular situação, usar indistintamente a biomassa ou o volume do corpo, ou duma sua parte, nas equações alométricas. Nos anos oitenta do século passado, McMahon e Bonner (1983), Petters (1983), Calder (1984), Schmidt-Nielsen (1984) publicaram quatro obras sobre as relações alométricas onde acumulam imenso material sobre o assunto, que tiveram grande impacte na teoria e investigação em biologia, senso lato. Por exemplo, o livro de Petters, nos apêndices, descreve cerca de um milhar de equações alométricas, respigadas de cerca de meio milhar de referências bibliográficas. Posteriormente, a obra coletiva Scaling in Biology (Brown e West, 2000) contribuiu para reforçar o interesse pela alometria no âmbito da biologia e ecologia.

Durante anos, a alometria foi considerada pouco mais do que uma curiosidade numérica, de pouco valor teórico e explicativo, mas desde a última década do século passado, que se tem vindo a verificar um interesse crescente e constante pelas relações alométricas e prevalência da geometria fractal em biologia e ecologia. Hoje, admite-se que as relações alométricas permitem aprofundar o conhecimento em diversos ramos da biologia, e estabelecer sínteses frutuosas e unificadoras entre elas.

As relações alométricas (West, Brown, e Enquist, 2000:91):

 Permitem pôr em evidência uma simplicidade sistemática no mais complexo de todos os sistemas – os seres vivos.

 Constituem as poucas leis quantitativas de carácter universal disponíveis, e têm subjacen- te a existência de um conjunto de princípios fundamentais para toda a forma de vida.  As suas clarificações e interpretações abrem um campo vasto e fecundo à investigação em

biologia e ecologia.

 Equações alométricas têm papel relevante também no contexto de outras ciências como a física, hidráulica, geologia e economia.

O leitor interessado no aprofundamento deste tema (alometria), e à sua exploração em vários domínios da biologia, pode recorrer à obra colectiva organizada por Brown e West (2000). Em Niklas (1994), além de aspectos teóricos, pode encontrar-se uma vasta compilação sobre informação empírica relativa à alometria das plantas. Ginzburg e Colyvan (2004:cap. 2) apresentam várias relações alométricas do domínio das populações animais, a que atribuem o estatuto de candidatas a leis ecológicas. Brose (2010) mostra que as relações alométricas são fundamentais no esclarecimento da estrutura e dinâmica das teais alimentares.

A alometria insere-se no domínio mais vasto dos modelos de escala (scaling; e.g., Barenblatt, 2003).