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As variáveis micro-sociais: características sócio-demográficas

4.2. Descrição e apresentação dos dados recolhidos

4.2.1. As variáveis micro-sociais: características sócio-demográficas

Quem são os primeiros-ministros europeus e que perfil social têm? Pergunta típica no estudo das elites, é ela que orienta a análise seguinte, elaborada a partir da base de dados construída para o efeito e que no caso das características sócio-demográficas abrange 117 personalidades que entre 1946 e 2006 tomaram posse como líderes de governo em dez países europeus: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Portugal e Reino Unido. O quadro 4.1. apresenta os principais resultados.

Quadro 4.1. Variáveis micro-sociais: as características sociais dos primeiros-ministros

Formação superior Profissão

País N Homens/Mulheres Idade média Direito Economia, Finanças ou Gestão Outra(s) Sem formação superior ou sem referência Advogado Administrador de empresas ou empresário Outra(s) Sem registo Alemanha 8 7/1 12,5% 58,8 37,5% 25,0% 25,0% 12,5% 37,5% 12,5% 50,0% 0,0% Áustria 9 9/0 54,3 44,4% 22,2% 33,3% 0,0% 11,1% 33,3% 33,3% 22,2% Bélgica 16 16/0 51,6 64,7% 11,8% 17,6% 11,8% 35,3% 5,9% 41,2% 17,6% Espanha 5 5/0 45,4 80,0% 0,0% 20,0% 0,0% 20,0% 20,0% 60,0% 0,0% França IV 16 16/0 53,7 62,5% 0,0% 25,0% 12,5% 37,5% 25,0% 31,3% 6,3% França V 17 16/1 5,9% 53,9 41,2% 11,8% 41,2% 5,9% 0,0% 29,4% 64,7% 5,9% Grécia 8 8/0 64,8 75,0% 50,0% 12,5% 0,0% 50,0% 12,5% 25,0% 12,5% Irlanda 10 10/0 54,7 60,0% 20,0% 20,0% 20,0% 20,0% 10,0% 40,0% 30,0% Luxemburgo 6 6/0 52,0 83,3% 0,0% 16,7% 0,0% 66,7% 0,0% 16,7% 16,7% Portugal 11 10/1 9,1% 47,5 54,5% 9,1% 36,4% 0,0% 27,3% 18,2% 54,5% 0,0% Reino Unido 11 10/1 9,1% 57,4 25,0% 0,0% 58,3% 16,7% 25,0% 0,0% 66,7% 8,3% Total 117 113/4 3,4% 54,0 54,7% 12,8% 29,1% 8,5% 27,4% 16,2% 45,3% 11,1%

O primeiro indicador recolhido foi o género dos primeiros-ministros que tomaram posse nos últimos 60 anos. Os dados revelam, mais uma vez, a fraca representação feminina na política, mas que neste caso específico parece ser ainda menor do que noutros cargos menos importantes.

Nas variáveis sociais que apresentamos não foi possível incluir os países nórdicos da União Europeia, tradicionalmente ligados a uma maior presença das mulheres. Mas os dados que analisámos à margem da construção da base de dados não mostram, também aí, uma grande presença neste cargo. Aliás, apenas detectámos um caso, de uma primeira-ministra finlandesa, que tomou posse em 2003.

A análise mostra que as mulheres à frente dos governos são ainda mais raras do que entre as que chegam a ministras (Bermeo, 2006, p. 234), numa posição onde na Europa do Sul estas estão normalmente ainda menos representadas. Em toda a Europa Ocidental a média de ministras é de 17%, com valores mais elevados na Holanda, Noruega e Suécia45

Dos 10 países analisados neste quadro, apenas quatro tiveram um líder de governo do sexo feminino nos últimos 60 anos. E sempre, apenas, por uma vez: Angela Merkel na Alemanha, Edith Cresson em França, Lourdes Pintasilgo em Portugal e Margaret Thatcher no Reino Unido. Dos outros cinco países da União Europeia incluídos nesta análise, mas para os quais não recolhemos sistematicamente as variáveis sociais, também a Suécia, Dinamarca, Itália e Holanda não registam qualquer caso de liderança por uma mulher na sua história.

O indicador seguinte do quadro 4.2. diz respeito à idade dos primeiros- ministros aquando da primeira tomada de posse. Em 7 dos 10 países essa idade média está entre os 50 e 59 anos. Curiosamente, são as três novas democracias da Europa do Sul que fogem a essa norma, mas em sentidos diferentes: Portugal e Espanha ficam na casa dos 40 anos e a Grécia acima dos 60.

Em média, os primeiros-ministros europeus chegam pela primeira vez ao cargo com 54 anos. Mais de uma década do que, por exemplo, acontece na média de idades com que os deputados europeus chegam ao parlamento. Ou seja, 40 e poucos anos (Best e Cotta, 2000, p. 505), num valor que bate certo para os líderes

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Três países onde apenas um, a Noruega, teve uma mulher primeiro-ministro: Gro Harlem Brundtland, por três vezes, entre 1981 e 1996.

de governo se fizermos um simples exercício e retirarmos (naquele que é o percurso mais comum) da idade média dos líderes de governo o tempo que estes passam em média no parlamento e executivo: respectivamente, 8,5 e 5,3 anos, como veremos mais à frente.

Como curiosidade, os primeiros-ministros mais velhos da análise tomaram posse em 1989 na Grécia com 85 anos (Xenophon Zolotas) e em 1946 na Bélgica com 75 anos (Camille Huysmans). Os mais novos eram franceses, e chegaram ao cargo com 37 (Laurent Fabius em 1984) e 38 anos (Félix Gaillard em 1957).

A terceira análise passou pela área de formação superior dos líderes de governo europeus. No entanto, encontrámos algumas dificuldades de categorização. Sobretudo, como já explicámos antes, por duas razões. Em primeiro lugar, devido à impossibilidade de classificar nas áreas tradicionais alguns cursos existentes em determinados países. Em segundo, por existirem personalidades que reúnem mais do que uma área de formação – dando alguns exemplos, Mário Soares em Portugal (Ciências Histórico-Filosoficas e Direito); Jean-Luc Dehaene na Bélgica (Direito e Economia); Jacques Chaban-Delmas (Economia Política e Direito Público) e Dominique de Villepin (Direito e Letras) em França; e Margaret Thatcher (Química e Direito) no Reino Unido46.

Nos números que se seguem iremos sobretudo contrastar os licenciados em Direito, por serem sem dúvida os mais comuns, a todos os outros. Divisão semelhante é feita também por Nancy Bermeo (2006, pp. 240-243), para distinguir entre ministros insiders com formação generalista, tradicionalmente associados aos juristas; dos tecnocratas47 ou outsiders com formação técnica, que a autora liga a quem estudou em todas as outras áreas académicas. Numa análise dos líderes mundiais dos últimos 45 anos, Anil Hira (2007) faz outra distinção paralela, ligando a formação técnica às formações em economia, gestão ou engenharia.

Neste quadro vamos um pouco mais ao detalhe do que a oposição feita mais à frente nas correlações apresentadas e dividimos a formação dos primeiros-

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Facto que motiva que alguns primeiros-ministros sejam classificados duas vezes, levando a que nas contas finais de um país a percentagem seja superior a 100%. Para esta classificacão, e quando existia uma formação académica em Direito ou “Economia, Finanças e Gestão”, esquecemos as outras áreas de estudo.

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Mais presentes em Portugal e Espanha do que em Itália, na Grécia e no resto da Europa, e não apenas associados à área de formação académica como à menor experiência política prévia antes de chegarem a ministros.

ministros em quatro categorias: «Direito», «Economia, Finanças ou Gestão», «Outras áreas» e casos em que não existe formação superior ou esta não surge referida em nenhuma fonte consultada48.

Os resultados mostram, em primeiro lugar, que tal como entre deputados (Best e Cotta, 2000, pp. 497-500) e ministros europeus (Bermeo, 2006, p. 233), a existência de uma formação académica superior é uma marca distintiva de quase todos os líderes de governo: 91,6%. Os países onde há mais casos em que este registo não existe parecem seguir as tendências que se encontram nos ministros, onde na Europa do Sul a posse de um diploma é um facto quase impossível de contornar, ao contrário do resto do Continente, com percentagens de frequência universitária abaixo dos 75% – Reino Unido, Suécia e Alemanha. Em França, o número sobe para os 82%. Entre os ministros, Portugal, Espanha e Grécia singularizam-se pelo ênfase dado à educação universitária como requisito para o desempenho de qualquer cargo ministerial, numa ideia que parece ter continuação quando olhamos para os primeiros-ministros: todos são licenciados49.

Dos 117 líderes de governo europeus analisados, 8,5% não apresentavam registo de formação académica superior. Percentagem pequena, mas superior, por exemplo, ao número de mulheres. Entre estes estão os nomes de Willy Brandt (Alemanha), Achille Van Acker e Paul Vanden Boeynants (Bélgica), Antoine Pinay, Joseph Laniel e Pierre Bérégovoy (França), Séan Francis Lemass e Albert Reynolds (Irlanda), além de James Callaghan e John Major (Reino Unido).

No total, mais de metade dos primeiros-ministros europeus (54,7%) são formados em Direito, sendo minoritáros os regimes onde esta formação não é maioritária – Alemanha, Áustria, França V e Reino Unido são as excepções. Gerhard Schröder, Bruno Kreisky, Guy Verhofstadt, José Maria Aznar, Edouard Balladur, Andreas Papandreou, Jacques Santer, Sá Carneiro e Tony Blair são algumas das muitas personalidades licenciadas nesta área. E se entre parlamentares europeus há um declínio do número de juristas nos últimos anos (Best e Cotta, 2000, pp. 497-500), nos líderes de governo essa tendência não se sente de forma significativa (como confirmaremos mais à frente).

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O que acreditamos ser, na maioria dos casos, sinal da sua efectiva inexistência, por ser este um elemento quase “obrigatório” em qualquer mini-biografia de um primeiro-ministro.

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Também a nível mundial, os líderes sem formação académica superior são cada vez menos (Hira, 2007, p. 329). Os dados de Anil Hira também mostram que a formação económica é cada vez mais comum.

Na categoria «Economia, Finanças ou Gestão», os nomes de relevo também são muitos, mas ficam-se pelos 12,8% de líderes de governo: Ludwig Erhard e Helmut Schmidt na Alemanha; Franz Vranitzky e Viktor Klima na Áustria; Raymond Barre, Edith Cresson e Jean-Pierre Raffarin em França; Kostas Simitis na Grécia; ou Cavaco Silva em Portugal, por exemplo.

Na vasta categoria «Outra(s)», com 29,1%, encontram-se vários tipos de formações académicas. Algumas repetem-se, como a História (Alfred Sinowatz na Áustria e Georges Bidault em França) e as Ciências Políticas e Sociais (Helmut Schmidt na Alemanha; Jean Pierre Duvieusart e Edmond Jules Leburton na Bélgica; e Pierre Werner no Luxemburgo). Quanto às licenciaturas em letras também surgem com alguma frequência, mas sobretudo em França – Guy Mollet, Georges Pompidou, Pierre Messmer e Michel Rocard.

Nos países onde a categoria «Outra(s)» é mais elevada, as razões devem-se, sobretudo, às dificuldades referidas antes na classificação de algumas áreas de estudo. Nomeadamente, no Reino Unido (58% dos casos), com algumas personalidades formadas em Philosophy, Politics, and Economics (Harold Wilson e Edward Heath), um curso típico das Universidades de Oxford e Cambridge; e em França (41,2%), com vários líderes de governo em que as biografias apenas referem a formação no Institut d’Etudes Politiques e/ou (por vezes nas duas) na Ecole National d’Administration, sobretudo na V república – Maurice Bourgès- Maunoury, Michel Debré, Jacques Chaban-Delmas, Jacques Chirac, Laurent Fabius, Michel Rocard, Edouard Balladur, Alain Juppe, Lionel Jospin e Dominique de Villepin.

Depois, há áreas académicas que apenas surgem por uma vez entre os primeiros-ministros europeus, como a matemática (do irlandês Eamon de Valera), a medicina (do francês Antoine Henri Queuille), a física (de Angela Merkel) e a química (de Margaret Thatcher). Os militares, exemplificados por Charles de Gaulle e Winston Churchill, são cada vez mais raros, numa ideia corroborada por outros estudos sobre os líderes dos maiores países Ocidentais: 44% tinham essa formação em 1960, contra 0% em 2005 (Hira, 2007). Quanto aos engenheiros, parecem ser uma particularidade portuguesa, onde se registam quatro casos – Nobre da Costa, Lourdes Pintasilgo, António Guterres e José Sócrates. Ou seja, mais do que se encontra no resto do continente europeu aqui analisado, onde

apenas surgem mais personalidades assim formadas na Áustria (2) e em Espanha (1).

A variável profissão apresentou problemas semelhantes à área de formação: mais que uma profissão ou algumas difíceis de classificar. As soluções adoptadas foram semelhantes às explicadas acima. No quadro 4.2. apresentamos uma divisão em quatro categorias: «Advogado», «Administrador de empresas ou empresário», «Outra(s)» ou «Sem registo» de qualquer profissão alguma vez desempenhada. Pensámos em fazê-lo quando existia mais de um cargo profissional desempenhado, mas acabámos por não escolher qual seria o principal, por grandes dificuldades nessa classificação, que envolveria quase inevitavelmente algum juízo de valor. Além disso, ignorámos a duração da carreira profissional por falta de dados, embora reconheçamos que tal análise poderia fornecer resultados mais detalhados e interessantes. Nomeadamente, porque, quando foi possível contar esse tempo, a ideia que fica é que, por norma, não ultrapassa os poucos anos.

Como esperado, o quadro que apresentamos mostra que a profissão de advogado é a mais comum, marcando as características de 27,4% dos primeiros- ministros europeus analisados – Konrad Adenauer e Gerhard Schröder, Wilfried Martens, Gaston Thorn e Jacques Santes, Filipe González, Pierre Mendès France, Kostas Karamanlis, Sá Carneiro e Santana Lopes, Margaret Thatcher, entre outros. E, curiosamente, além de as percentagens mais baixas a este nível surgirem em países semi-presidenciais, num caso único, na V república francesa os advogados não estão representados, depois de terem sido a profissão mais presente na IV república até 1958. Apesar de o quadro não o mostrar, muitos dos novos líderes franceses têm uma forte carreira ligada a altos cargos na administração pública gaulesa (Michel Debré, Maurice Couve de Murville, Jacques Chaban-Delmas, Jacques Chirac, Laurent Fabius, Michel Rocard, Alain Juppé, Lionel Jospin ou Dominique de Villepin) mas também, nalguns casos, à vida empresarial.

Os dois países com mais casos de primeiros-ministros com um passado profissional de administrador de empresas ou empresário são, aliás, semi- presidenciais – Áustria (Julius Raab, Franz Vranitzky e Viktor Klima) e V república francesa (Georges Pompidou, Edith Cresson, Pierre Bérégovoy, Édouard Balladur e Jean-Pierre Raffarin). Ao todo, 16% dos primeiros-ministros dos dez países europeus analisados foram administradores de empresas ou

empresários, numa percentagem um pouco superior à de 9% de “homens de negócios” na elite ministerial da Europa Ocidental (Bermeo, 2006, pp. 237-238).

Os dados sobre as profissões dos líderes de governo distanciam-se assim daquilo que podemos encontrar, por exemplo, na elite parlamentar europeia, onde as profissões marginais como os operários (blue collar workers), gestores e empresários são minoritárias ou mostram declínio. Tendência particularmente visível entre os advogados, que personificam a diminuição do chamado “free political entrepreneur” nos parlamentos, substituído pelo hoje dominante “político profissional”. Na maioria dos países, os empregados dos serviços dominam as legislaturas, sobretudo os do sector público e particularmente os professores, factos que indicavam que um alto estatuto social deixou de ser um recurso essencial para ter uma carreira política (Best e Cotta, 2000, pp. 500-502 e 523-525).

Nas profissões menos comuns dos primeiros-ministros, incluídas na vasta categoria «Outra(s)» (com 45,3%), mas ainda assim relativamente frequentes, destaque para os professores, quase sempre universitários: dando alguns exemplos, Camille Huysmans e Gaston Eyskens na Bélgica, José Luis Zapatero em Espanha, Georges Pompidou e Raymond Barre em França, Andreas Papandreou na Grécia, Garret Michael FitzGerald na Irlanda, Mota Pinto e Durão Barroso em Portugal ou Harold Wilson no Reino Unido.

Quanto às ocupações mais raras, citemos, por exemplo, o caso de Angela Merkel, cientista; Antoine Henri Queuille, médico; Bertie Ahern, contabilista; e John Major, bancário. Casos mais curiosos encontram-se, no entanto, em países fora da nossa análise das variáveis micro-sociais. Nomeadamente, algumas profissões detectadas na Suécia e Dinamarca, com primeiros-ministros agricultores (Knud Kristensen e Erik Eriksen do Liberal Party na Dinamarca, e Thorbjörn Fälldin do Center Party na Suécia) e com origens em partidos por vezes classificados como da família agrária.

Para terminar, uma nota para a categoria dos líderes de governo «Sem registo» de qualquer profissão. Ou seja, personalidades em que apenas detectámos funções políticas desempenhadas. No total, 11,1% dos casos: por exemplo, Leopold Figl na Áustria, Achille Van Acker e Jean Pierre Duvieusart na Bélgica, Maurice Bourgès-Maunoury em França, Séan Francis Lemass e John Gerard Bruton na Irlanda ou Sir Alec Douglas-Home no Reino Unido. Nesta categoria

incluímos ainda vários casos de políticos que chegaram a trabalhar, mas apenas para o partido, como os austríaco Wolfgang Schüssel, Jean-Luc Dehaene na Bélgica e Jean-Claude Juncker no Luxemburgo.

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