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4. O PROCESSO EM CONSTRUÇÃO

4.1 A Constituição Histórica da Vida dos Acadêmicos

4.1.1 As vivências na vida familiar

Os acadêmicos tiveram distintas experiências no ambiente familiar, destacamos a singularidade histórica de cada sujeito, devido ao fato de que: o Acadêmico A, do sexo feminino, residia na zona rural do município de Piratini (RS); o Acadêmico B, do sexo masculino, residia na zona urbana no município de Santa Maria (RS); e o Acadêmico C, do sexo feminino, morava na zona urbana, no entanto freqüentemente deslocava-se para a zona rural do município de São Sepé (RS).

O Acadêmico A destaca a configuração de sua família na seguinte fala: “É tipo uma

vila [...] meu avô com uma casa central, e alguns dos filhos moram perto [...] minha família trabalha com agricultura [...], são sete irmãos [...]. Então tinha muitos primos próximos [...] e também outros primos [...] que não moravam ali [...]. A gente se juntava muito para brincar, [...] são de família italiana”.

O Acadêmico B disse que “na família [...] eu e a minha irmã” nos juntávamos para brincar.

E, o Acadêmico C comentou que “na cidade a nossa casa tinha um galpão com

meus brinquedos, tinha um primo que ia brincar comigo, tudo bem simples. [...] Lá fora [zona rural] as primas se juntavam, na casa dos meus avôs, saía futebolzinho, esconde- esconde, subida em árvore, [...] andava a cavalo, era a mais agitada [...]”.

Geralmente os acadêmicos realizavam as seguintes brincadeiras: “brincávamos

muito ao ar livre, subindo em árvore, correndo, [...] de balanço [...] em questão de movimento foi bem vivido” (Acadêmico A); “lá fora, as minhas brincadeiras eram diferenciadas da cidade [...] não tinha muita convivência com outras crianças [...] as minhas brincadeiras eram com os bichos, no açude, no estábulo [...]. Eu construía os brinquedos [na cidade], tinha uma madeireira perto, pegava os tacos e o pai também me ajudava”

(Acadêmico C); e, “montávamos na sala os colchões, brincávamos de circo, fazíamos

cambalhotas, o rolinho, [...]. Corria também, tive uma grande dificuldade para aprender a andar de bicicleta, tinha medo [...]” (Acadêmico B).

Sobre a cultura do ambiente familiar na infância e em relação ao movimento, os acadêmicos nos relataram que havia incentivo dos familiares e esses davam liberdade para brincar, tanto que o Acadêmico B comenta que “meus pais sempre falavam: vai para a rua

[no interior], [...] era bem livre [...] eles mesmos brincavam comigo, meu pai sempre foi bem brincalhão, acredito que isso ajudou a me desenvolver”. O Acadêmico A conta que “quando meus familiares se juntavam em festas eles gostavam de praticar esportes, por exemplo, futebol e vôlei, [...] nós [crianças] se misturava junto [...] influenciavam bastante, a gente perdeu o medo de fazer as coisas [...]”.

O Acadêmico B faz uma observação sobre o incentivo que recebia de seus familiares: “Meu pai jogava bola, mas torceu o tornozelo [...] e não jogou mais. [...] Acredito

que por não ter esse incentivo na fase da infância e na adolescência não consigo acompanhar os outros rapazes da minha idade [nessa modalidade esportiva]. [...] A minha irmã jogava basquete, a via jogando e isso serviu de estímulo”.

Horkheimer; Adorno (1969) entendem que a família só pode se conservar agora como ‘instituição de cultura’ neutralizada, e semelhante sobrevivência atacam justamente seu nervo vital, onde há uma correspondência imediata entre a rígida conservação artificial do

status quo familiar e a dissolução da família; o próprio elemento irracional da família se

converte em objeto do cálculo propagandístico e da indústria cultural, e nada pode restaurar a fé ingênua em sua absoluta vigência.

As instituições familiares dos acadêmicos, quando crianças, eram constituídas pelos seguintes membros: o pai, a mãe e o(s)/a(s) irmão(s)/irmã(s). Essa configuração proporcionou um ambiente favorável para que os acadêmicos pudessem crescer.

A vida infantil é constituída pelo mundo do brinquedo. Um mundo criado pela criança, onde ela mesma se autocria. A criança traz para dentro dessa área do brinquedo objetos, fenômenos, personagens do mundo que a envolve. Em geral julga- se que a criança brinca somente quando é deixada em liberdade para manipular objetos, para se movimentar, para fazer o que bem entender segundo sua vontade e decisões, entretanto, tudo indica que ela continue com o mesmo espírito lúdico quando se relaciona com outras pessoas, quando participa da vida familiar e, especialmente quando se relaciona com outras crianças (SANTIN, 2001, p. 45).

A infância dos acadêmicos foi composta por liberdade de movimentos e brincadeiras, que geralmente eram realizadas no convívio com outras crianças integrantes da sua cultura no contexto de onde residiam.

Um ar livre e espontâneo que se manifesta na brincadeira e no jogo, através de impulsos vitais do ser humano, significa ‘uma existência em movimento’ (GRUPPE apud KUNZ, 2001b). Essa constitui ‘uma relação original com o mundo, com o outro e para consigo mesmo, com o seu corpo’. Nesse sentido é impossível analisar o brinquedo/jogo na perspectiva do rendimento ou na sua dimensão produtiva (KUNZ, 2001b, p. 97).

As crianças se constróem culturalmente a partir da compreensão experiencial do seu mundo, do brincar com os materiais e espaço disponíveis, sozinhas ou na companhia de outras, que servem de referência para futuras intervenções no movimento humano.

O Acadêmico B relatou as seguintes situações marcantes, que ocorreram em sua infância: “tinha medo de jogar futebol, [...] tive problemas respiratórios, tinha medo das

crises de asma, [...]. Eu era o magrinho, fraquinho até pela seqüência de problemas, muitos remédios [...], depois comecei a [me] desenvolver com o passar do tempo! [...] Andando de bicicleta lembro que fazíamos rampas, [...] para saltar de bicicleta, [...] o primeiro salto foi uma conquista, depois percebi que cada vez que eu tentava [...] conseguia ou se não insistia para conseguir, [...] fui superando a asma, [...] a partir das próprias experiências com essas atividades”.

Para Ferreira (2004, p. 145), a asma é a “condição que se caracteriza por acessos recorrentes de dispnéia paroxística [até o último grau], tosse e sensação de constrição, por efeito da contração espasmódica dos brônquios”.

As sensações de mal-estar, proporcionadas pelas crises de asma, restringiam de início a participação do Acadêmico B nos jogos e brincadeiras com as crianças próximas de sua residência, ao mesmo tempo em que procurava insistir nas atividades e assim conseguia superar as crises asmáticas. A adaptação ocorre quando estamos inseridos num determinado contexto, juntamente com nossas possibilidades de participação.