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“A história do capitalismo pode ser lida como a história da mundialização, da globalização do mundo. Um vasto processo histórico simultaneamente social, econômico, político e cultural, no qual se movimentam indivíduos e multidões, povos e governos, sociedades e culturas, línguas e religiões, nações e continentes, mares e oceanos, formas dos espaços e possibilidades dos tempos. Um vasto processo histórico no qual emergem conquistas e realizações, impasses e contradições. Na essência da racionalidade do capitalismo, como modo de produção material e espiritual, como processo civilizatório, encontra-se a sua irracionalidade, a sua negatividade, o seu absurdo” (Octavio Ianni – A Sociedade Global, 1992, p.64-65).

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1.1 – As Zonas Francas no Mundo

As Zonas Francas, em sua gênese e evolução, embora possuam elementos estruturantes mais ou menos semelhantes, onde a base do modelo compreende uma área bem definida e um regime fiscal especial, acabam se materializando de maneiras variadas nos territórios onde são criadas.

De maneira mais detalhada, o conceito de Zona Franca remete-se a um perímetro bem definido, onde as empresas aprovadas pelo órgão gestor (SUFRAMA, no caso da Zona Franca de Manaus) são beneficiadas por uma série de vantagens fiscais (isenção, redução, restituição de impostos) e territoriais (doação de terrenos, construção de infraestruturas de armazenagem e transporte etc). Vale ressaltar que as empesas que se beneficiam de tais benefícios, via de regra, sofrem uma forte vigilância por parte dos organismos de fiscalização como a Receita Federal, Ministério da Agricultura, SUFRAMA etc.

Bost (2010) aponta que um estudo refinado das zonas francas mostra que elas apresentam uma grande diferenciação em decorrência do seu tamanho, grau de organização interior, seu estatuto (público, privado, misto), diversidade de atividades, localização geográfica dentro do país de acolhimento, sua situação em relação aos eixos de transporte estratégico e seu grau de inserção nas trocas internacionais.

Conforme Santos (2005, p.27-28)

“modo de produção, formação social, espaço – essas três categorias são interdependentes. Todos os processos que, juntos, formam o modo de produção (produção propriamente dita, circulação, distribuição, consumo) são histórica e espacialmente determinados num movimento de conjunto, e isto através de uma formação social”.

É justamente a diferenciação quantitativa e qualitativa de objetos técnicos, normas e ações, entre outros elementos (determinados historicamente), que vai definir como os projetos (uma possibilidade) vão, de fato, se efetivar no território; é devido às especificidades do lugar que projetos e planejamentos que partem de uma mesma base teórica (zonas francas, pólos de crescimento etc) acabam tendo resultados os mais variados quando implantados no território (sobretudo quando implantados em territórios ou, por assim dizer, formações sócioespaciais com

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alto grau de heterogeneidade). Não são raros os casos de modelos aplicados no centro do sistema capitalista que, quando transferidos aos países da periferia do sistema, não apresentam os mesmos resultados; há casos ainda em que o resultado acaba agravando condições de desigualdade pré- existentes.

Antes de entrarmos na questão da tipologia das Zonas Francas, vale a pena deixar claro a diferença entre estas e os denominados Pontos Francos. Conforme Bost (2010), diferentemente do conceito de Zona Franca, o conceito de Pontos Francos não se refere a um local delimitado, mas sim a um estatuto atribuído diretamente a uma empresa (esta, por sua vez, recebe os mesmos tipos de benefícios das empresas instaladas dentro de uma zona franca); desta forma, as empresas que adquirem o estatuto de “ponto franco” podem se instalar em qualquer ponto do território do país que acolhe suas atividades. O exemplo mais emblemático deste tipo de incentivo são as

empresas maquiladoras do México.

Voltando às zonas francas, Bost (2010) estabelece uma tipologia segundo a qual as zonas francas poderiam ser dividias em Zonas Francas Comerciais, Zonas Francas de Exportação (ou Zonas Francas Industriais e de Serviços) e Zonas Francas Urbanas:

- As Zonas Francas Comerciais, segundo Bost (2010), constituem-se em centros do comércio mundial; são implantadas em lugares que possuem um papel importante no trânsito de mercadorias (grandes eixos de comunicação, regiões de fronteira, áreas portuárias – portos francos, áreas aeroportuárias – zonas francas aeroportuárias). Cita o autor (2010, p.13) que, neste caso, “a suspenção dos direitos de alfândega e outras taxas são momentâneos, sendo o pagamento efetuado quando as mercadorias chegam ao país de destino final [...]”1; ainda de acordo com Bost (2010), nestas zonas francas uma pequena modificação nos produtos é permitida, desde que não seja caracterizada como “fabricação” (é permitido, por exemplo: armazenamento, controle de qualidade, embalagem entre outras). Decorrentes deste tipo de zona franca, existem os entrepostos aduaneiros, os duty free shops e as zonas francas turísticas.

- As Zonas Francas de Exportação (ou Zonas Francas Industriais e de Serviços) são especializadas na manufatura de produtos e, cada vez mais, “no fornecimento de serviços,

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especialmente em relação ao desenvolvimento de redes internet”2

(BOST, 2010, p.16). Segundo a Organização Internacional do Trabalho (apud BOST, 2010), as zonas francas são “zonas industriais que oferecem vantagens especiais, tendo por vocação atrair investidores estrangeiros, e dentro das quais produtos importados sofrem uma transformação antes de serem exportados ou reexportados”3.

- Já as Zonas Francas Urbanas, existem apenas em países desenvolvidos; sua influência se dá sobre o mercado local ou regional (BOST, 2010). Mais precisamente, estas zonas francas se localizam em determinadas regiões de cidades marcadas pelo desemprego, falta de atratividade e fechamento de empresas (BOST, 2010). A França é um bom exemplo de aplicação desta política de planejamento. Atualmente a França conta com 100 zonas francas urbanas.

Bost (2010, p.17) aponta que o estudo comparativo dos textos de lei relativos às zonas francas aponta certa uniformização das vantagens concedidas. Além disso, o autor ressalta que

“é necessário ver notadamente a influência normativa dos grandes escritórios de consultores internacionais que frequentemente tem redigido os textos de lei, mas também dos principais organismos de ajuda, tais como a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), o Banco Mundial ou uma sociedade privada de investimento no estrangeiro (OPIC), que tem financiado os estudos de viabilidade, infraestruturas e os planejamentos necessários em muitos países em desenvolvimento, se inspirando em casos de escolas aprovadas”4

.

Conforme Valle (2007, p.107),

“as zonas francas podem ser percebidas como o resultado de acordos firmados na esfera internacional para assegurar a livre movimentação do capital. Nesse sentido, o documento da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – ONUDI é exemplar na tentativa, por um

2 Tradução livre. 3

Tradução livre.

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organismo internacional, de orientar a ação empresarial mundial para áreas avaliadas como capazes de assegurar maior rentabilidade”5

.

Retomando as considerações apresentadas no parágrafo inicial deste item, podemos considerar que, embora o conceito de zona franca possa ser sintetizado segundo algumas tipologias e, embora tenha uma certa uniformização em seu arranjo normativo (sobretudo no que se refere aos incentivos concedidos às empresas), a verdade é que a materialização das zonas francas no território ocorre de maneiras variadas, seja em função da configuração territorial dada (historicamente) e do território usado, seja em função das reorganizações almejadas para o futuro. Como aponta Santos (2005, p.31), “o espaço não é uma simples tela de fundo inerte e neutro. Cada combinação de formas espaciais e de técnicas correspondentes constitui o atributo produtivo de um espaço, sua virtualidade e sua limitação”.

Em 2008, 133 países tinham legislado sobre as zonas francas; a somatória nestes países atinge a expressiva marca de 1.735 zonas francas [excluindo-se as zonas francas urbanas, as maquiladoras e outros pontos francos, o que aumentaria sobremaneira este número] (BOST, 2010). Vale ressaltar que, embora a América Latina seja pioneira neste tipo de planejamento, a Ásia oriental é na atualidade a principal região em número de zonas francas [416] (BOST, 2010). O mapa abaixo (Mapa 1.1) apresenta as zonas francas que tiveram um papel de modelo; aqui já é possível visualizar o pioneirismo desta política de planejamento e desenvolvimento econômico nos países da América Latina, dentre os quais o Brasil, com a Zona Franca de Manaus.

5 Conforme Valle (2007, p.108), “a ONUDI situa a isenção de taxas e impostos por período determinado para a

maquinaria, instalações produtivas e matérias-primas; a isenção temporária ou redução de outros impostos diretos e indiretos; a liberdade de câmbio exterior e livre repatriação dos benefícios; facilidades financeiras (concessão de créditos) em condições vantajosas; tarifas especiais para os serviços e transportes, etc., como estímulos comerciais e econômicos a serem concedidos às empresas pelos governos dos países que se propõem instalar zonas francas em seus territórios. A ONUDI recomenda, ainda, a criação de um órgão autônomo vinculado ao governo central cuja finalidade é facilitar e ‘remover todos os obstáculos burocráticos em benefício do pleno funcionamento das empresas ou sucursais de empresas ali instaladas’ (FREITAS PINTO, 1987, p.27)”.

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Mapa 1.1: Principais Zonas Francas que Tiveram um Papel de Modelo

Fonte: Bost (2010)

O gráfico a seguir (Gráfico 1.1) aponta a sequência cronológica de desenvolvimento das Zonas Francas no espaço geográfico. É interessante notar que este planejamento ocorre, principalmente, a partir da segunda metade do século XX, tendo notável expansão a partir da década de 1980 (sobretudo na África e Europa Oriental), ou seja, num momento onde já existia uma maior consolidação da divisão internacional do trabalho, da produção pautada em modelos mais flexíveis (em contraposição ao modelo fordista), bem como de um meio técnico-científico- informacional (SANTOS, 1994, 2002). As zonas francas estão inseridas, portanto, no forte processo de reestruturação produtiva que marcou os territórios no período pós Segunda Guerra Mundial.

Assinala Santos (2005, p.33) que “os objetos geográficos aparecem nas localizações correspondentes aos objetivos da produção num dado momento e, em seguida, pelo fato de sua própria presença, influenciam-lhes os momentos subsequentes da produção”.

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Gráfico 1.1: Promulgação dos Primeiros Textos que Regeram as Zonas Francas em Países em Via de Desenvolvimento e da Europa Oriental

Fonte: Bost (2010)

Finalmente, o mapa abaixo (Mapa 1.2) mostra a distribuição espacial das zonas francas em 2008. Como dito anteriormente, nota-se a grande concentração destes modelos produtivos na Ásia Oriental.

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Mapa 1.2: Número de Zonas Francas Oficiais por País em 2008

Fonte: Bost (2010)

Bost (2010) também estabelece uma tipologia das zonas francas segundo as modalidades de implantação. Assim, três tipos seriam possíveis:

- A primeira possibilidade obriga as empresas a se implantarem em uma ou mais zonas francas delimitadas, planejadas ou não; neste modelo, os pontos francos não existem (BOST, 2010). O autor aponta que nos países do terceiro mundo esta modalidade de implantação das zonas francas “apresenta a vantagem de concentrar os meios e os investimentos em certos lugares, conforme uma lógica de pólo de desenvolvimento” (2010, p.29)6

. Ainda de acordo com Bost (2010), este primeiro tipo ainda poderia ser subdividido em quatro subcategorias: na primeira subcategoria estariam os países que dispõem de uma única zona franca comercial ou industrial; numa segunda

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subcategoria encontram-se os países que dispõem de algumas zonas francas (industrial ou comercial) e de tamanho variado; no terceiro subgrupo estariam os países que abrigam várias zonas francas (de vários tamanhos) respondendo a um único modelo de isenção; finalmente, no quarto subgrupo estariam os países que abrigam várias zonas francas, com tamanhos variados que respondem a vários modelos de isenção.

- Na segunda possibilidade as empresas beneficiadas ganham os status de pontos francos, podendo se instalar em qualquer ponto do território nacional; neste modelo, as zonas francas delimitadas não existem (BOST, 2010). O autor também aponta que os países que seguiram esta modalidade são os menos avançados, que não teriam recursos para investir na criação de uma zona franca planejada, bem como na criação de infraestruturas. Aqui, também podemos encontrar três subcategorias: na primeira, os pontos francos são pouco numerosos; na segunda, múltiplos pontos francos estariam localizados, principalmente, ao longo de uma fronteira; finalmente, múltiplos pontos francos possuiriam uma localização “forçada”, dada a fraqueza das infraestruturas e da economia local (BOST, 2010).

- Na terceira possibilidade de implantação de um regime de zona franca, vigora o tipo misto, ou seja, existiriam, ao mesmo tempo, zonas francas delimitadas e pontos francos (BOST, 2010). Aqui, cinco subcategorias seriam possíveis: uma zona franca com múltiplos pontos francos; várias zonas francas e alguns pontos francos; várias zonas francas e múltiplos pontos francos; múltiplas zonas francas e alguns pontos francos; múltiplas zonas francas e múltiplos pontos francos (BOST, 2010).

Finalmente, Bost (2010) ainda estabelece uma tipologia das zonas francas segundo sua escala de alcance. Conforme o autor, um primeiro tipo seria aquele das zonas francas voltadas à exportação, tendo como alvo o mercado da Tríade; entretanto, Bost (2010, p.34) aponta que o tipo mais comum é o das zonas francas com vocação regional, frequentemente instaladas em “um quadro de mercado economicamente integrado”7 (Mercosul, por exemplo). O terceiro tipo compreenderia as zonas francas instaladas na proximidade da fronteira com um país limítrofe

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[compreende uma inserção no mercado internacional pautada em um quadro bilateral] (BOST, 2010).

Em relação à geração de empregos, estima-se que entre sete e oito milhões de empregos diretos foram criados nas zonas francas em todo o mundo (excluindo a China). Embora os números totais sejam expressivos, a verdade é que na maioria dos países, apenas alguns milhares de empregos são gerados (BOST, 2010).

Além disso, é comum nos países que implantam zonas francas a existência de fortes críticas em relação às condições de trabalho. A Zona Franca de Manaus, apesar do sucesso do ponto de vista econômico, também é alvo de críticas em relação aos aspectos sociais (SCHERER, 2005, 2009; MORAES, 2010).

O mapa abaixo (Mapa 1.3) nos dá um panorama da distribuição dos empregos gerados pelas zonas francas em todo o mundo.

Mapa 1.3: Empregos nas Zonas Francas em 2007

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É importante ressaltar novamente que estas tipologias descritas acima vão apresentar inúmeras variações quando concretizadas no território, em função da formação sócio-espacial na qual se inserem. O grau de desenvolvimento de uma zona franca, por exemplo, vai variar em função do nível de desenvolvimento do país, das empresas instaladas, dos setores de atividades, dos benefícios fiscais concedidos, das infraestruturas de transporte e de comunicação disponíveis etc. Tais fatores também influenciarão no grau de inserção da zona franca na economia, bem como na possibilidade de expansão do desenvolvimento para outros lugares do território.

De acordo com Valle (2007, p.109),

“em cada região, o processo de transferência de partes do processo produtivo para as zonas de livre produção apresenta especificidades que as distinguem umas das outras. No caso brasileiro, a zona franca instalada em Manaus caracterizou-se como área de livre importação e exportação e de produção/montagem de manufaturados para o mercado interno. Na maior parte da América Latina e da Ásia, as zonas francas tiveram a sua produção orientada para a exportação, abrigando fábricas para o mercado mundial. Diversas no destino de suas produções, as vantagens comparativas apresentadas por essas zonas francas no momento de sua instalação foram o custo do trabalho, bastante inferior àquele dos países de economia industrializada, a diversidade dos incentivos fiscais, as facilidades financeiras e a liberdade para importações”.

Fazendo um recorte para a América do Sul (Mapa 1.4), evidenciamos que, em 2008, o número de empregos diretos gerados pelas zonas francas existentes nesta região compreendia cerca de 180.000 postos de trabalho; também é importante ressaltar que as zonas francas respondem por cerca de 5 à 10% das importações totais e à 3% das exportações sul-americanas (RAMOUSSE, 2010).

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Mapa 1.4: Zonas Francas na América do Sul

Fonte: Ramousse (2010)

Ramousse (2010) aponta que, de 1990 à 2009, o número de zonas francas na América do Sul apresentou um aumento expressivo, saltando de uma dúzia para cerca de 90; entretanto, o autor (2010, p.41) aponta que cerca dois terços delas apenas podem reivindicar uma atividade comercial ou industrial efetiva; as demais possuem uma “existência virtual”8. Vale ressaltar que este forte crescimento do número de zonas francas na América do Sul (década de 1990) coincide

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Embora o autor não explique o significado da expressão “existência virtual”, acreditamos tratar-se de zonas francas cujos projetos estão ainda em fase de elaboração ou, ainda, cujas infraestruturas não estejam construídas.

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com o período de ampla difusão dos ideais de globalização e, consequentemente, de abertura dos mercados ao capital internacional.

Ramousse (2010) também reforça a constatação de Bost (2010) de que as zonas francas possuem muitas variantes quando tomado por base seu regime jurídico e suas características. Segundo Ramousse, (2010, p.43) “as zonas francas industriais são pouco numerosas na América do Sul (Manaus, Barranquilla, Cartagena), a maioria tendo desenvolvido funções comerciais e logísticas”9

.

Finalmente, Ramousse (2010, p.43) aponta o debate sobre a verdadeira natureza destas zonas francas, ou seja, se elas são enclaves territoriais ao serviço de atividades situadas no exterior, mas submetidas, no entanto à certas regras estatais; “‘exclaves’ territoriais dedicados exclusivamente ao serviço de atividades situadas no exterior, mas isentas de qualquer prestação de contas às autoridades do Estado; ou, ainda, se compreendem pontos de ancoragem e de difusão de um novo modelo econômico e social”10.

É importante ressaltar que muitas dessas zonas francas surgiram como uma política de Estado voltada à substituição de importações e, como no caso da Zona Franca de Manaus, também como uma estratégia de desenvolvimento e integração de uma região periférica do território nacional.

1.2 – A Divisão Territorial do Trabalho e a Importância da Logística para a Racionalidade e Aceleração dos Fluxos no Território

Com a emergência do período técnico-científico-informacional novas formas de uso do território são estabelecidas pelas grandes empresas; neste contexto, uma nova divisão territorial do trabalho – DTT (marcada pela mundialização do capital e pela crescente especialização produtiva dos lugares) toma impulso.

Conforme Hobsbawm (2008, p.275),

“grandes fabricantes de produtos eletrônicos começaram a globalizar-se a partir de meados da década de 1960. A linha de produção cruzava agora não hangares num único local, mas o globo. Algumas delas paravam nas extraterritoriais

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Tradução livre.

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‘zonas francas’ ou fábricas offshore, que agora começavam a espalhar-se, esmagadoramente pelos países pobres com mão-de-obra barata, e sobretudo feminina e jovem, outro novo artifício para escapar ao controle de um só Estado”.

Para Ianni (2007, p.62-63),

“assim como se multiplicam e dispersam as zonas francas, multiplicam-se e dispersam-se as unidades e organizações produtivas. Está em curso uma nova divisão internacional do trabalho e da produção, envolvendo a complementação ou superação dos procedimentos do fordismo, das linhas de montagem de produtos homogêneos”.

Esta ampliação da divisão territorial do trabalho implica numa maior cooperação entre os fatores de produção dispersos no território, criando-se uma maior necessidade e uma maior dependência dos fatores logísticos. Conforme Silva Junior (2009, p.230) “a logística é uma das principais expressões da circulação corporativa e representa uma demanda diante da exacerbação da competitividade no capitalismo e da multilocalização da produção especializada”.

Os fatores logísticos (infraestrutura, normas e serviços especializados) proporcionarão, em grande medida, as condições de fluidez e racionalidade do território requeridas pelos agentes hegemônicos.

Santos e Silveira (2005, p. 261) apontam que

“uma das características do presente período histórico é, em toda parte, a necessidade de criar condições para maior circulação dos homens, dos produtos, das mercadorias, do dinheiro, da informação, das ordens etc. Os países distinguem-se, aliás, em função das possibilidades abertas a essa fluidez. Por isso, um dos capítulos mais comuns a todos eles é a produção do seu equipamento, isto é, da criação ou aperfeiçoamento dos sistemas de engenharia que facilitam o movimento”.

O espaço da racionalidade contemporânea pressupõe a existência de um conjunto de objetos técnicos e de um sistema normativo que possibilite a realização das ações pretendidas pelos agentes da sociedade (em especial dos agentes hegemônicos, públicos ou privados) no

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momento desejado e com a máxima eficiência. Como aponta Santos (2002, p. 301), “os espaços da racionalidade funcionam como um mecanismo regulado, onde cada peça convoca as demais a se pôr em movimento, a partir de um comando centralizado”.

Assim, quanto mais fluído e mais racional o território, maiores são as possibilidades de diminuir o tempo de giro do capital (HARVEY, 2005), criando-se, desta maneira, um círculo virtuoso para a reprodução e acumulação capitalista.

Dantas (2003, p.7) aponta que “a mais-valia, em Marx, possui três dimensões [...]”, e considera a compreensão da terceira dimensão da mais-valia como de “fundamental importância para entendermos o capitalismo desta nossa época: a intensificação do tempo”. Dantas (também baseado em Marx) diz que

“na circulação, além de todos os azares a enfrentar (crises econômicas, desastres naturais ou técnicos etc), o capital, para realizar a mercadoria, necessita superar

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