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Ascensão profissional é a gerência na biqueira

4 NA LINHA DE FRENTE: CONTEXTOS DO TRÁFICO DE

4.3 Organização da firma

4.3.2 Ascensão profissional é a gerência na biqueira

O Trabalhador do tráfico de drogas 2, 19 anos, era um jovem garoto que nunca havia tirado uma carteira de identidade e nunca tinha saído da cidade onde residia, até o dia anterior à entrevista, quando um amigo o convidou para ir a uma cidade vizinha para apresentá-lo ao primo, dono de uma boca no local. O registro geral nunca foi feito para dificultar sua identificação, caso fosse pego pela polícia.

Entrou para o tráfico no início de sua adolescência e, em poucos anos, montou sua própria firma. No momento em que começou a atuar no tráfico encontrou uma organização

fortemente estruturada: o território contava com uma divisão simbólica, em que cada boca instalada era responsável pela venda naquela demarcação. A “invasão” do território alheio fomentaria uma guerra de gangues.

Seu patrão contava com inúmeros olheiros, vapores e uma pessoa responsável pela gerência. Como era uma pessoa que passara por todos os cargos na hierarquia até chegar ao cargo mais alto, fazia questão de reservar um momento do trabalho de seus vapores para que ele pudesse repassar algumas instruções, momento que ele denominava de estudo. Assim, ele ia pessoalmente, com certa frequência, a cada um dos pontos onde seus vapores ficavam localizados e permanecia um tempo ali para instruí-los principalmente sobre a venda, sobre a conduta diante de uma abordagem policial, sobre possíveis desacertos e sobre as regras que deveriam ser cumpridas para trabalharem naquela boca.

Durante toda a entrevista, o Trabalhador do tráfico de drogas 2 se referiu ao patrão com muito respeito. Ele havia passado alguns anos trabalhando nessa boca, mas, considerando sua experiência e a rede de contatos que tinha estabelecido, resolveu sair para montar a própria firma. O momento de sua saída foi bem delicado; segundo ele, uma decisão como essa era vista com desconfiança, pois poderia resultar em uma estratégia para matar o patrão e assumir o ponto. Para ele, só foi possível sair porque contava com a admiração do chefe, já que era um excelente vendedor; ainda assim duas regras precisaram ser cumpridas: ele não poderia montar uma boca naquele território nem poderia entrar em contato com os fornecedores do patrão.

Após a saída, tornou-se patrão da própria firma. Segundo ele, como o bairro já estava completamente dominado por outras bocas, começou a atuar com a venda de drogas dentro de bailes funk, nos finais de semana. O anúncio era feito no banheiro, incluindo a

oferta de produtos disponíveis no dia. O segurança do local avisava quando alguma fiscalização aparecia. Para fortalecer a estrutura, realizava algumas fitas e com o dinheiro adquirido investia em armas. O dinheiro da droga era dividido em partes: uma parte era reinvestida no fornecimento de uma nova leva de produtos; a outra era utilizada no pagamento de pessoas que serviam para sua proteção, de alguns de menor que o auxiliavam com o transporte e a montagem dos papelotes e de alguns vapores; por fim, uma outra parte era lavada na compra e na venda de imóveis e carros.

Ao contar sua trajetória, ele trazia muita euforia em sua fala. A estrutura da organização da firma havia sido cuidadosamente remontada, segundo ele, que tratou ainda de deixar clara a divisão técnica do trabalho e de pontuar outras estratégias que poderiam resultar em um maior lucro no tráfico de drogas. Repetiu inúmeras vezes que, para alcançar o posto máximo na hierarquia de uma firma, era preciso ter inteligência. Ao contrário do que muitos de seus colegas pensavam, um ponto de tráfico de drogas não se construía com o acúmulo de força bélica, a existência de armas por si só não garantia a permanência de domínio de uma boca. Para ele, a forma como se gerenciava a venda era fundamental, mas também era de extrema importância a forma como se gerenciava a comunidade em torno da boca. Por se tratar de uma atividade ilegal, era necessário contar com o “apoio” de todos que estavam ao redor. Ele não conhecia o sistema prisional e alegou que um dos motivos para deixar o trabalho com seu antigo patrão foi a percepção de que o contexto estava cada vez mais arriscado e que quem trabalhava na ponta, como vapor, estava sempre mais vulnerável. Para ele, o fato de nunca ter sido preso se devia à

proteção que o patrão sempre havia assegurado a seus “homens”. Disse que seus colegas

nunca valorizaram o momento de estudos, mas que ele sempre havia dedicado muita atenção ao que lhe era dito. Sua obrigação era igualmente proteger o patrão.

Contou dois episódios que trouxeram maiores riscos de aprisionamento. O primeiro, quando saiu com um colega em um carro roubado para buscarem uma remessa de drogas. Foram parados pela polícia, que queria informações sobre possíveis armas escondidas. Ele e o colega apanharam até desmaiar, e a polícia saiu do local. O segundo, quando de uma busca que a polícia fizera na favela atrás dele. Ele estava dobrando a esquina para chegar ao seu ponto de venda, mas lá estava seu amigo com os policiais, que acenou discretamente para que ele fugisse.