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1. A MORTE, OS TURISTAS, E O TURISMO

2.3. M ANIFESTAÇÕES DE T URISMO N EGRO NO MUNDO

2.3.5. M ASMORRAS N EGRAS

No que diz respeito à categoria das Masmorras Negras, referimos os casos da Ilha de Alcatraz (Estados Unidos da América) e do Campo do Tarrafal (Cabo Verde).

É na Ilha de Alcatraz que se situa a penitenciária mais conhecida mundialmente, não só por ter albergado alguns dos criminosos americanos mais famosos, mas também por ter aparecido em vários filmes de Hollywood (Strange & Kempa, 2003).

A primeira prisão de segurança máxima e privilégios mínimos do sistema penal americano foi estabelecida em 1934 (Alcatraz Cruises, 2006). Anteriormente, a ilha alojou um forte defensivo e uma prisão militar (Alcatraz Cruises, 2006).

A prisão de Alcatraz era considerada à prova de fugas, não só devido aos sistemas e procedimentos de segurança de que dispunha, como também por causa das características do local onde se encontrava: uma ilha rochosa no meio da Baía de São Francisco, rodeada de águas gélidas e agitadas (Alcatraz Cruises, 2006).

A penitenciária esteve em funcionamento até 1963 e albergou prisioneiros como Al Capone e Machine Gun Kelly, que ao serem “inimigos públicos” eram também figuras públicas (Ruth, 1996, citado por Strange & Kempa, 2003). Strange & Kempa (2003:390) sintetizam as razões da fama da penitenciária de Alcatraz no seguinte motivo: “uma relação simbiótica que se desenvolveu entre o estatuto mítico de Alcatraz e a sua população única muito antes de a ilha se ter tornado um local turístico”.

De facto, nos dias de hoje Alcatraz é uma famosa atracção turística, cuja exploração foi concessionada à empresa Alcatraz Cruises pela entidade governamental responsável pela ilha – a National Park Service, Department of the Interior (Alcatraz Cruises, 2006a). Podemos dizer que toda a ilha foi convertida ao turismo, já que as visitas a Alcatraz focam não só a prisão como a fauna e a flora dos terrenos adjacentes (Alcatraz Cruises, 2006d). Há diversos tipos de visitas a Alcatraz, desde cedo na manhã até uma visita nocturna. Estas visitas incluem, entre outras coisas, a projecção de um documentário do Canal Discovery, e a audição de testemunhos de antigos reclusos e guardas e sons que simulam o ambiente da prisão enquanto os visitantes estão dentro das celas (Alcatraz Cruises, 2006d). Para além disso há exposições e programas especiais de visitas com temas específicos (por exemplo: Prisioneiros famosos, Fugas, 200 Anos da História de Alcatraz) que poderão por vezes incluir locais que normalmente não estão abertos ao público (Alcatraz Cruises, 2006c). Para além das visitas guiadas há também uma visita áudio (Alcatraz Cruises, 2006a).

Como facilmente podemos depreender, a ilha de Alcatraz está actualmente dotada de uma forte infra-estrutura turística que procura aproveitar mais do que o passado da ilha como

penitenciária, complementando-o com ofertas baseadas noutras valências como a paisagem e a riqueza histórica da ilha.

Não obstante, podemos facilmente perceber a força da componente de entretenimento nesta atracção. Não podemos esquecer que, ao contrário do que acontecia em outras prisões, por exemplo Robben Island na África do Sul, os prisioneiros da penitenciária de Alcatraz não o eram devido a crimes políticos de desobediência a regimes que hoje consideramos obsoletos (Strange & Kempa, 2003). Este factor, por si só, faz com que a tonalidade de Turismo Negro na ilha de Alcatraz seja mais clara do que a do Turismo Negro que se faz em antigas prisões políticas (ibidem).

É o caso do outro exemplo que escolhemos para ilustrar a categoria de Masmorras Negras: a Colónia Penal do Tarrafal. Esta não se localiza em território actualmente português, mas acreditamos que se trata do maior símbolo de um código penal e de justiça do regime ditatorial que o país viveu no passado, hoje apresentado aos turistas num ambiente seguro. A Colónia Penal do Tarrafal, também chamada de Campo da Morte Lenta ou Campo de Concentração do Tarrafal, foi criada em 23 de Abril de 1936 pelo Estado Novo na ilha de Santiago (arquipélago de Cabo Verde) com o intuito de acolher “presos por crimes políticos e sociais” (Câmara Municipal do Tarrafal, 2010).

Por este local, construído à semelhança dos campos de concentração nazis, passaram centenas de presos políticos, inicialmente de Portugal, mas depois também das ex-colónias portuguesas em África (Morais, 2011). Embora as condições de vida dos prisioneiros do Tarrafal não fossem tão más como as dos prisioneiros dos campos de concentração nazis, havia trabalhos forçados, doenças, e violência – principalmente psicológica (Morais, 2011).

O Campo do Tarrafal esteve em funcionamento até 19 de Julho de 1975 - foi oficialmente encerrado em 1 de Maio de 1974, mas nos tempos conturbados que se seguiram à revolução de 25 de Abril, os governantes acharam por bem enviar para o Tarrafal indivíduos suspeitos de terem pertencido à PIDE ou de serem contra a unidade das ex-colónias (Morais, 2011).

Em 2009, a Colónia Penal do Tarrafal foi transformada no Museu da Resistência, e há planos de candidatura do local a Património Mundial da Humanidade (Câmara Municipal do Tarrafal, 2010).

Relatos de visitantes informam de que é cobrada a entrada no Museu, mas que apesar disso este se encontra “meio ao abandono” e contém pouca informação turística (Cabo Verde Contacta, 2011). Ainda assim, os visitantes podem circular pelo campo e conhecer as várias salas do Museu, as quais contêm informação sobre o seu propósito original: refeitório, oficina, celas de isolamento, até a infame “Frigideira10” (Cabo Verde Contacta, 2011). Há também painéis informativos sobre a história e o significado do campo, bem como sobre o seu funcionamento e as condições de vida dos prisioneiros (Cabo Verde Contacta, 2011). O Museu da Resistência também inclui fotografias e relatos de antigos presos, e listas com os nomes dos que por lá passaram - inclusive dos 37 portugueses que morreram no Campo (Cabo Verde Contacta, 2011).

A educação e a comemoração parecem ser os objectivos fundamentais do Museu. Pelas imagens em anexo (Anexo 3), observamos que a infra-estrutura turística é mínima, e que a mensagem é crua, com referências específicas a violência, sofrimento e mesmo morte.

Por tais motivos, podemos concluir que o Turismo Negro que se faz no Museu da Resistência é mais escuro do que se faz em Alcatraz. Segundo Strange e Kempa (2003), isto dever-se-á não só à maior proximidade temporal ao código penal e de justiça que a Colónia Penal do Tarrafal representa, como também à forte conotação ideológica que lhe é atribuída.