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1. A MORTE, OS TURISTAS, E O TURISMO

2.2. P ROPOSTAS DE CATEGORIZAÇÃO

2.2.2. S EGUNDO A PROCURA

Até aqui reproduzimos propostas de categorização do Turismo Negro sobre a perspectiva da oferta. Mas há também autores que procuraram categorizar a procura do Turismo Negro, baseando-se sobretudo no que supõem ser as motivações dos turistas para o consumo deste tipo de Turismo e o tipo de atracções que preferem.

Kotler (1994, citado por Wight, 2006), por exemplo, sugere uma análise do produto de Turismo Negro em termos de segmentos de Mercado e tipologias de visitantes, baseando-se no estudo dos campos de concentração enquanto atracções turísticas.

Para este autor, o produto divide-se em três níveis:

 O “core product” ou produto central, que é o que o consumidor de facto adquire;  O produto tangível, ou seja, uma entidade que os consumidores adquirem para

satisfazer as suas necessidades;

 O produto aumentado, que é constituído por todos os componentes tangíveis e intangíveis do produto, por outras palavras, o pacote completo, incluindo os serviços adicionais e eventuais benefícios que o consumidor recebe.

Kotler (1994, citado por Wight, 2006) fez também uma distinção entre os sobreviventes e os demais visitantes dos campos de holocausto, que, segundo o autor, estarão a consumir produtos distintos com ciclos de vida distintos. Para os sobreviventes, o ciclo de vida do produto acabará naturalmente nas primeiras décadas do século XXI, porque a memória e emoção ligadas ao acontecimento desvanecer-se-ão (1994, citado por Wight, 2006). Os demais visitantes, aqueles que visitam o local por motivos de lazer, serão mais sensíveis aos esforços de marketing, sendo então o ciclo de vida do produto mais difícil de prever.

Já Seaton (1996) agrupa os turistas negros em cinco categorias, consoante os locais de visita:  Turistas que viajam para ver espectáculos públicos de morte (como execuções

 Turistas que viajam para ver locais de morte individual ou em massa (depois de terem ocorrido). Aqui se incluem vários tipos de atracções, desde campos de batalha, até às casas de homicidas e locais onde ocorreram homicídios mediáticos.

 Turistas que viajam para visitar locais de inumação ou memoriais. Esta categoria inclui visitas a cemitérios e outros locais de inumação, mas também memoriais de guerra e cenotáfios.

 Turistas que viajam para ver vestígios ou representações simbólicas da morte em locais sem ligação directa a ela. Estão aqui enquadrados os turistas que visitam museus e exposições que contêm armas e instrumentos de morte e/ou que recriam certos eventos e actividades ligados à morte e ao sofrimento.

 Turistas que viajam para ver recriações ou simulações de morte, como por exemplo peças de teatro e festivais subordinados a temas tanatológicos e recriações de batalhas famosas por grupos de entusiastas (comuns nos E.U.A.).

Várias têm sido as sugestões de motivações dos que praticam Turismo Negro dadas por diferentes autores. Rojek (1997:61) aponta para um sentimento colectivo de identidade ou sobrevivência “face a violentas disrupções das rotinas colectivas da vida”. Seaton e Lennon (2004, citados por Sharpley, 2009) referem a “schadenfreude”, expressão alemã para designar um sentimento de prazer face ao sofrimento dos outros, como a principal motivação dos que consomem produtos turísticos ligados a morte e sofrimento.

Sharpley (2009), contudo, faz uma análise diferente. O autor parte do princípio que as diferentes motivações dos turistas que visitam um mesmo local de Turismo Negro se traduzem em diferentes comportamentos de consumo, ou, como ele lhes chama, “Tons de Negro”. Por outras palavras, diferentes turistas que visitem o mesmo local turístico relacionado com morte e sofrimento poderão fazê-lo com diferentes motivações, podendo o interesse na morte não ser a principal motivação de visita. Na origem desta ideia está também o contínuo de intensidades de Seaton (1996), que já mencionámos anteriormente nesta dissertação (vide página 33), e no qual Sharpley enquadra as suas categorias.

Sharpley (2009) divide o comportamento de consumo dos turistas negros em quatro categorias principais: Turismo Negro como experiência, Turismo Negro como participação, Turismo Negro como integração, e Turismo Negro como classificação.

Os turistas que consomem o Turismo Negro como experiência procuram obter algum significado para a sua própria existência (Sharpley, 2009). O que é fundamental na experiência

destes turistas são as implicações da morte (individual ou em massa) com que estão a contactar em determinado local – o principal interesse é no significado da morte e não na maneira como ocorreu. Por tal motivo, Sharpley (2009) considera que a posição deste tipo de consumo de Turismo Negro no contínuo tende a localizar-se entre o central e o mais escuro. O consumo de Turismo Negro como participação assume uma posição mais clara no contínuo (Sharpley, 2009). Para os turistas com este comportamento, o principal interesse em consumir um produto de Turismo Negro é a possibilidade de participarem na evocação e mágoa colectivas em relação à morte de um indivíduo ou grupo, ainda que essa morte tenha sido o factor que despoletou a atracção inicial (Sharpley, 2009). O autor (ibidem) vai mais longe ao afirmar que neste tipo de consumo o Turismo Negro é equiparado a uma peregrinação, em que o sentimento de comunidade é intensificado pelo sentimento de que se está a experienciar algo que outros também já puderam e poderão experienciar.

O consumo de Turismo Negro como integração divide-se em dois níveis de intensidade: um, mais claro, que é a integração no objecto de consumo, e outro, mais escuro, que é a integração na morte.

Os turistas que consomem Turismo Negro com o objectivo de se integrarem no objecto de consumo estão interessados não apenas na morte em si, mas também no contexto em que ela ocorre ou ocorreu (Sharpley, 2009). O autor afirma haver então uma certa componente de fantasia, já que o turista procura experienciar as circunstâncias em que ocorreu a morte de determinada pessoa ou em determinado local, tanto quanto possível sem que tenha de morrer também.

Para Sharpley (2009), o comportamento de consumo de Turismo Negro mais escuro ou intenso é o consumo de Turismo Negro como integração com a morte. Neste tipo de consumo, os turistas procuram experienciar morte verdadeira. Isto pode ser atingido através da visita a cenários de guerra, catástrofes e homicídios, casos em que a morte com que se contacta será a de outras pessoas, ou então através da viagem para um destino onde nos espera (ou é provável que espere) a nossa própria morte (Sharpley, 2009).

Bunyan (2003, citado por Sharpley, 2009) dá como exemplo desta última forma de consumo de Turismo Negro a viagem de doentes terminais para instituições que lhes permitam praticar a eutanásia em circunstâncias legais.

Por fim, Sharpley (2009) identifica uma outra forma de consumo de Turismo Negro, em que os turistas o fazem com o objectivo de obterem determinado estatuto ou classificação social. Este comportamento de consumo de Turismo Negro assume então uma posição mais clara no contínuo de intensidade, pois o principal interesse dos turistas é poderem dizer que fizeram determinada viagem perigosa ou visitaram determinado local perigoso e sobreviveram para contar a história (Sharpley, 2009).