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4. Resultados e discussões

4.2. Reconstituição morfológica dos tecidos moles

4.2.3. Aspecto geral da musculatura do tronco e cauda

A musculatura do tronco e da cauda é geralmente atrofiada nos vertebrados terrestres, uma vez que os esforços locomotores são principalmente executados pelos membros, excetuando-se apenas alguns casos, como os ofídios e alguns escamados que apresentam o tronco como principal responsável pela locomoção (Romer & Parsons, 1985). Ainda assim, em mamíferos que se erguem comumente nas patas traseiras, a musculatura epaxial pode se desenvolver mais expressivamente, uma vez que ela deve suportar em parte os esforços gerados para sustentação da porção dianteira, no ar (Bakker, 1987). Esses músculos parecem ser bem desenvolvidos também em animais saltadores, em que os impulsos repercutem em amplos movimentos dorso-ventrais (vide Alexander & Jayes, 1981).

Diversas cicatrizes de fixação muscular são indistintas na região dorsal, mas ao menos os mesmos grupos musculares básicos (transverso-espinhal, longuíssimo e iliocostal) estão presentes em saurópsidos e mamíferos, embora, nesses últimos, eles tenham retido pouco do arranjo metamérico original (Romer &

Parsons, 1985). Em Dinodontosaurus, a baixa altura dos espinhos neurais e o posicionamento elevado dos processos transversos impõem grandes limitações ao volume dessa musculatura (vide Fig. 41 para a reconstrução geral dos cursos da musculatura do tronco e cauda).

Fig. 41. – Aspecto geral da musculatura do tronco e cauda de Dinodontosaurus em vista lateral esquerda,

representado em um indivíduo juvenil. Estão representados apenas os cursos gerais dos principais músculos; nessa reconstituição não se procurou representar as inserções musculares nem todas as partes dos diferentes conjuntos de músculos, mas apenas se dar uma visão geral de suas diferentes orientações de atuação.

Entre os diversos músculos do sistema transverso-espinhal encontravam-se os Mm. interspinales, que presumivelmente conectavam os espinhos neurais de vértebras sucessivas, mantendo a coluna firme (King, 1981). Pelas dimensões dos espinhos, esses músculos deveriam ter dimensões bem reduzidas. Os maiores músculos intervertebrais desse sistema, pertencentes aos grupos dos Mm. spinales e Mm. semispinales, se posicionavam medialmente nos arcos neurais, e se desenvolviam principalmente sobre a porção anterior do tronco, afilando-se na porção posterior e na cauda.

O principal músculo do sistema longuíssimo, o M. longissimus dorsi, usualmente se origina da borda anterior dorsal da face interna do ílio, se inserindo nas bordas dorsais ou ântero-dorsais dos processos transversos e nos segmentos proximais das costelas, tanto em saurópsidos como em mamíferos. King (1981) comenta que, com o arranjo das costelas deixando uma terminação dorsal do processo transverso livre, esse músculo poderia apresentar suas inserções confinadas aos processos transversos ou apresentar dois ramos para manter o padrão geral e se inserir também nas costelas. Ao observar os padrões de cicatrizes proximais nas costelas de Dicynodon, essa autora prefere a primeira hipótese, com o M.

longissimus dorsi reduzido em relação à sua condição primitiva. Em Dinodontosaurus, uma das áreas

possíveis para a inserção desse músculo no arco neural é a faceta arredondada, um pouco protuberante e rugosa, que compõe a terminação dorsal do processo transverso. Isso também implicaria em uma inserção extremamente reduzida.

Não se observa o padrão de cicatrizes descrito por King (1981) nas superfícies dorsal e ventral das costelas de Dinodontosaurus, e não há forma de garantir a extensão lateral do M. longissimus dorsi para se definir também as dimensões da musculatura iliocostal. O M. iliocostalis deve apresentar-se inserido às

extremidades proximais das costelas, lateralmente ao M. longissimus dorsi e, embora não seja possível precisar sua origem, essa deve se dar parcialmente da cintura pélvica.

Partindo-se para os músculos hipaxiais do tronco, a musculatura subvertebral atua como um componente da musculatura dorsal, nos movimentos de oscilação dorso-ventral (Romer & Parsons, 1985). Não há muitas evidências de suas inserções, mas é possível que, em complemento à musculatura dorsal, ela também não seja muito desenvolvida.

Nos flancos, a musculatura hipaxial se divide em três camadas, cada uma com fibras se desenvolvendo em diferentes direções (Alexander & Jayes, 1981). Essas camadas são compostas primitivamente pelo M.

transversus, M. obliquus internus e M. obliquus externus, do medial para o mais lateral. Na parte anterior do

tronco dos amniotas, onde as costelas são bem desenvolvidas, esses músculos se modificam, dando origem, respectivamente, ao M. subcostalis, Mm. intercostales e M. supracostalis. São visíveis apenas superfícies que devem ser os sítios de inserção dos Mm. intercostales, mais ou menos planas, um pouco rebaixadas, especialmente na porção anterior das costelas, no decorrer da metade proximal de suas hastes.

Ventralmente, o M. rectus abdominis unia as duas cinturas, da extremidade anterior do esterno à sínfise

pélvica, dando suporte às vísceras e auxiliando na flexão do corpo (Hildebrand, 1995). Outros músculos do tronco que participam das cinturas escapular e pélvica serão discutidos juntamente com essas, nos tópicos seguintes.

Os grupos de músculos epaxiais discutidos para o tronco também possuem extensões pela cauda, nos saurópsidos, e poderiam estar presentes no caso de Dinodontosaurus, embora reduzidos. A musculatura hipaxial é interrompida na cintura pélvica, mas volta a desenvolver-se na cauda, de forma análoga à musculatura epaxial dorsal. Látero-ventralmente às vértebras caudais anteriores, destaca-se o M. caudi-

femoralis, um importante músculo apendicular, retrator do fêmur em crocodilianos e em diversos

escamados viventes, que pode ser homólogo ao M. pyriformis e M. crurococcygeus dos marsupiais (Fröbisch, 2003). A cauda curta de Dinodontosaurus, com os arcos neurais reduzindo-se e mesmo desaparecendo nas últimas vértebras, indica uma pequena extensão para esse músculo. Acompanhando o movimento de retração do fêmur, a contração desse músculo impelia a cauda lateralmente. Em um animal com postura aduzida do fêmur e redução da cauda, esse tipo de movimento oscilatório se tornou pouco significativo (Kemp, 1980; Fröbisch, 2003).