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ASPECTOS CONTRADITÓRIOS DAS HORAS IN ITINERE APÓS A REFORMA

4 HORAS IN ITINERE ANTES E DEPOIS DA REFORMA TRABALHISTA

4.3 ASPECTOS CONTRADITÓRIOS DAS HORAS IN ITINERE APÓS A REFORMA

À primeira vista, com a mudança da legislação trabalhista no ano de 2017, não existe mais o direito das horas in itinere em nenhuma hipótese prevista na legislação, pouco importando a distância e o tempo de percurso dos trabalhadores até o local de trabalho, bem como seu tempo à disposição.

Neste sentido, Delgado (2017, p. 122) afirma que mesmo com a eliminação das horas

in itinere, isto não afeta o conceito de tempo à disposição, embora haja uma má redação do

novo texto do §2º do art. 58 da CLT, que induz o leitor a compreensão de que a jornada de trabalho somente se inicia na ocupação do posto de trabalho, no qual o trabalhador está

executando os serviços demandados pelo empregador, havendo assim, muitos aspectos que contradizem esta afirmação.

Desta forma, Delgado (2017, p. 122) menciona:

[...] ao ingressar nos muros do estabelecimento empresarial, o trabalhador se coloca sob o pleno poder empregatício, fato que define, de maneira relevante, os conceitos jurídicos de jornada de trabalho e de duração do trabalho. A jornada de trabalho se inicia, desse modo, indubitavelmente, no instante em que o trabalhador se coloca sob a plenitude do poder empregatício, no ambiente do estabelecimento e da empresa; e isso significa o instante em que ingressa nos muros do ambiente empresarial, terminando a jornada no instante em que deixa os muros desse mesmo ambiente do estabelecimento de seu empregador.

Contudo, é destacado o parágrafo 2º, nos incisos I a VIII, do artigo 4º da CLT, que foi introduzido na Reforma Trabalhista, mencionando as exceções do que não é mais considerado como tempo à disposição do empregador. Diante disso, passou a ter a seguinte redação:

§ 2o Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1o do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras: I - práticas religiosas;

II – descanso III - lazer; IV - estudo; V - alimentação;

VI - atividades de relacionamento social; VII - higiene pessoal;

VIII - troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa (BRASIL, 2017).

Ao analisar o artigo acima exposto, fica claro que em nenhum momento há a menção das horas in itinere, não estando presente no rol dos que não se consideram como tempo à disposição do empregador. Logo, em caso de se aplicar a mesma forma gramatical do artigo 58, parágrafo 2º da Lei nº 13.476/2017, poderíamos dizer que o artigo 4º, §2º e seus incisos da CLT, está reconhecendo que o período de deslocamento do trabalhador de sua residência até seu posto de trabalho deve ser considerado tempo a disposição do empregador, também mencionado pelo caput do mesmo artigo, gerando então uma contradição da análise do artigo 58, parágrafo 2º, da Lei 13.467/2017 (DELGADO M; DELGADO G, 2017, p. 122).

Outra contradição a ser apontada é, na menção do artigo 238, parágrafo 3º, da CLT, no qual constata que será computado como trabalho efetivo todo o tempo que o empregado

estiver à disposição da estrada, sendo um deles os casos das turmas de conservação de via permanente:

Art. 238. Será computado como de trabalho efetivo todo o tempo, em que o empregado estiver à disposição da estrada.

[...]

§ 3º No caso das turmas de conservação da via permanente, o tempo efetivo do trabalho será contado desde a hora da saída da casa da turma até a hora em que cessar o serviço em qualquer ponto compreendido centro dos limites da respectiva turma. Quando o empregado trabalhar fora dos limites da sua turma, ser-lhe-á também computado como de trabalho efetivo o tempo gasto no percurso da volta a esses limites. (BRASIL, 1943)

No caso das turmas de conservação da via permanente como acima exposto, o tempo efetivo do trabalho será contado desde a hora da saída da casa da turma até a hora em que cessar o serviço em qualquer ponto compreendido dentro dos limites da respectiva turma, ou seja, é considerado como tempo à disposição queira o empregador ou não.

No mesmo sentido, o artigo 294 da CLT menciona os empregados da boca da mina, sendo considerado o tempo despendido de sua residência até a boca da mina como jornada de trabalho: “Art. 294 - O tempo despendido pelo empregado da boca da mina ao local do trabalho e vice-versa será computado para o efeito de pagamento do salário” (BRASIL, 1943). Podemos dizer que, após a Reforma Trabalhista, houve um afrontamento a princípios constitucionais, se destacando o princípio da proibição do retrocesso social, no qual evita a revogação das mediações já efetivas legislativamente, como foi o caso da eliminação das horas in itinere. Segundo Molina (2013, p.127), destaca-se as seguintes percepções deste princípio:

São pressupostos para a indução desse princípio que a Constituição garanta a efetividade dos direitos fundamentais e também adote o compromisso de progressiva ampliação desses direitos, ambos os pressupostos existentes na Constituição de 1988 (artigos 5o, §§ 1o e 2o, e 7o, caput), tornando possível o seu reconhecimento entre nós.

O principal inconveniente da proibição do retrocesso é a limitação da tarefa legislativa infraconstitucional, obstando as adaptações ideológicas, filosóficas e políticas da sociedade em momento futuro. O perigo de se abraçar a vedação do retrocesso de modo inflexível é que parte da legislação ordinária ficará “petrifica- da”, convertida por interpretação em cláusula pétrea, insuscetível de modulação e ganhando status maior que diversos dispositivos do próprio corpo da Constituição.

Deste modo, Delgado (2017, p.71) também afirma:

Note-se que a vedação a qualquer medida de retrocesso social é diretriz decisiva para que os Direitos Humanos demonstrem seu caráter progressivo permanente, na perspectiva do denominado princípio da progressividade social. No Brasil, o

princípio da progressividade dos direitos humanos, bem corno o da vedação do retrocesso social estão incorporados na norma constante do § 2º do art. 5º da Constituição da República, que estatui explicitamente: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Desta forma, o princípio da proibição do retrocesso social busca proteger o aperfeiçoamento dos direitos e garantias fundamentais em favor da sociedade, por meio da proibição de edição de leis que visem restringir, impedir ou enfraquecer os direitos humanos positivados em favor de todos, tendo em vista que a grande discussão dos doutrinadores quanto à Reforma Trabalhista é a violação deste princípio (DELGADO, M.; DELGADO G., 2017, p. 72).

É nítido que após a aprovação da Lei 13.467/2017, com a supressão das horas in

itinere, não é mais considerando o deslocamento como tempo a disposição do empregador, o

que se traduz em desiquilíbrio, causado a vários trabalhadores que possuíam este direito. É neste mesmo sentido que os autores Delgado M. e Delgado G. (2017, p. 121-122) se expressam:

A nova redação do § 2º do art. 58, acoplada à concomitante revogação do § 3º, ambos do artigo 58 da CLT, são fatores que sugerem a eliminação pura e simples, pela Lei n 13.457/2017, de todo esse tempo integrante da jornada de trabalho do empregado brasileiro. Trata-se de urna óbvia perda para o trabalhador, especialmente aquele situado na área rural em que as horas in itinere são mais comuns e relevantes, traduzindo significativa redução de sua duração do trabalho juridicamente reconhecida, além de substancial redução de sua renda salarial.

Ainda, a notícia abaixo, da Justiça do Trabalho da 3º região do Estado de Minas Gerais, deixa um exemplo da fixação das horas in itinere após a mudança da Reforma Trabalhista:

A Justiça do Trabalho mineira condenou uma empresa do ramo de café a pagar horas in itinere a um ex-empregado que prestou serviços entre fevereiro e abril de 2019. Acompanhando o voto do desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior, os julgadores da Primeira Turma do TRT de Minas entenderam que a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/17) não impede a condenação. A decisão considerou que o trabalhador ficava à disposição do empregador durante o deslocamento para a fazenda, que estava situada em local de difícil acesso e não servido por transporte público.

A discussão tem como pano de fundo o parágrafo 2º do artigo 58 da CLT, que passou a ter a seguinte redação com a Lei 13.467/17 (reforma trabalhista): “O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador".

A ré sustentou que a reforma trabalhista teria excluído o direito às horas in itinere. Mas o juízo da Vara do Trabalho de Araxá entendeu por bem condená-la ao pagamento de três horas diárias, com reflexos em outras parcelas. É que a prova testemunhal revelou que os empregados levavam 1h30min no trajeto da cidade para a fazenda. O representante da empresa disse que a distância percorrida era de 16 km de asfalto e mais de 42 km de terra. Para o juiz sentenciante, o tempo gasto por trabalhador rural no deslocamento até o local de trabalho integra jornada de trabalho. Ao confirmar a decisão de primeiro grau, negando provimento ao recurso empresário, o relator lembrou que a doutrina trabalhista constitui fonte de direito. Conforme explicou, a ampla maioria entende que, em se tratando de necessidade de transporte especial, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, é devido ainda o tempo à disposição do empregador, nos termos do artigo 4°da CLT. (PJe: 0010680-27.2019.5.03.0048 (ROPS) — Acórdão em 28/10/2019) [...] (BRASIL, 2019).

Deste modo, é nítido que, em se tratando especificamente ao tema aqui abordado, a Reforma Trabalhista não trouxe benefícios, mas apenas desvantagens aos trabalhadores, retirando seu direito de receber o tempo despendido até o local de trabalho. Os legisladores responsáveis pela reforma não mediram, neste contexto, as realidades específicas de algumas atividades, em especial aos trabalhadores que residem em zonas distantes, onde não há transporte público regular para levá-los e trazê-los de seu local de trabalho.

Assim, expressam Calvacante e Jorge Neto (2018, p. 633), que a Reforma Trabalhista teve por objetivo restringir de forma irracional e desumana a jornada de trabalho do trabalhador, retirando o direito do tempo de trajeto, ou seja, o direito das horas in itinere, além de retirar uma série de outros benefícios que favoreciam o trabalhador em sua jornada de trabalho.

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