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Aspectos da Coordenação Motora segundo Marie-Madeleine Béziers e Suzanne

3. A dança temporariamente contemporânea

3.4 Aspectos da Coordenação Motora segundo Marie-Madeleine Béziers e Suzanne

Como estratégia complementar aos estudos do C.I., na dança a dois, e nos processos de criação em dança contemporânea realizados nesta pesquisa, utilizei o método Béziers e Piret: sistema de conscientização corporal e coordenação motora para o movimento do dançarino.

O C.I. é uma experiência de busca para o entendimento do movimento no espaço em que o corpo constantemente está em queda e ascensão, buscando receber e

80 ser recebido pelo chão, sem que o contatista venha sofrer ferimentos e lesões por essas quedas e voos. O estudo dos aspectos da coordenação motora junto ao C.I. permitiu o uso de diferentes estratégias de reeducação e consciência corporal, a fim de minimizar as consequências de uma má utilização do movimento, visando prevenir danos ao aparelho locomotor.

Os estudos sobre a coordenação motora e possibilidades do movimento foram publicados em 1971 por Béziers e Piret (1992). Surgiram em uma época de transição do conceito corpo – máquina (dicotomia entre corpo e mente) para corpo vivenciado. Nos anos 60, a cultura do corpo na Europa, sob a influência de diversos movimentos filosóficos e psicológicos, buscava desmentir essa “díade infernal” (BÉZIERS; PIRET, 1992, p. 9), abrindo espaço para a percepção “do corpo vivenciado”, que buscava a integridade do corpo estruturado no espaço.

Foi nesse contexto que Marie-Madeleine Béziers e Suzanne Piret, lançaram o livro “A coordenação motora: Aspecto mecânico da organização psicomotora do homem”, baseadas em uma longa prática reeducativa, sustentadas pela observação dos problemas da motricidade tanto na criança, quanto no adolescente e adulto, sob o viés de uma reflexão acerca das finalidades psicomotoras do homem.

Para elas:

Na realidade, todo gesto é carregado de psiquismo, e o investimento do fator psicológico no movimento é análogo a motricidade no psiquismo. A coordenação motora nos permite compreender o movimento como um todo organizado, capaz de situar-se paralelamente ao psiquismo, com ele e perante ele. Então um poderá ser estudado em função do outro. (BÉZIERS; PIRET, 1992, p. 13)

As autoras consideraram que suas reflexões teriam melhor aplicabilidade, se fossem iniciadas por meio da abordagem de uma fisioterapia que partisse do conhecimento e “manipulação dos ossos, da estrutura esquelética e muscular”. O que auxiliaria a pessoa a tomar consciência de sua estrutura ósseo/muscular, do alinhamento, coordenação e equilíbrio motores, possibilitando a prevenção de lesões, posturas incorretas que tanto causam problemas ao aparelho locomotor.

Por isso:

É preciso, com a participação da pessoa, modificar a “imagem” que ela tem de seu corpo e fazer com que adquira uma nova maneira de utilizá-lo. (BÉZIERS; PIRET, 1992, p. 12)

81 Ao aplicar os preceitos e descobertas do método Béziers junto ao grupo IAdança utilizei, juntamente com a preparação corporal, recursos de reconhecimento estrutural/ósseo, por meio do toque, da automassagem, da sensibilização da pele e afloramento da percepção corporal.

Busquei trazer para os dançarinos/participantes do grupo, o reconhecimento das bases e unidades da coordenação nas quais apresentei os princípios, o tronco, os membros inferiores e superiores, aspectos do equilíbrio do corpo e do movimento, de acordo com os ensinamentos das autoras.

1. Por princípios foi estudada a organização da complexa mecânica do corpo, que além de se perceber como elementos separados, também se comunicam (os músculos e suas inervações, ossos, articulações, etc...) e também são percebidos como um todo em uma síntese, uma “autoimagem global”. A descoberta desta “autoimagem” se desenvolve, na motricidade, conforme uma evolução que vai do “estado sincrético55 da criança à síntese do adulto.” O conjunto dessa mecânica pode ser observado nas unidades da coordenação, ligado por esferas nas articulações ósseas e orientadas no sentido do enrolamento em torno de si, por exemplo: movimento de flexão e extensão.

2. O tronco, que é tido como “a mais complexa das unidades de enrolamento, reúne duas formas de tensão e de movimento: enrolamento e torção. No “enrolamento” do tronco, as autoras lembram que o movimento parte das duas principais esferas da articulação corporal: “cabeça e fossa ilíaca”. A articulação entre essas esferas e eixos ocorre pelo enrolamento no qual a “abóboda” da cabeça e da “bacia” (fossa ilíaca), que são côncavas, se curva em direção uma da outra para produzir o enrolamento da unidade de coordenação do tronco. Esse trabalho, de enrolamento e endireitamento, é produzido pelo movimento articular no eixo dos corpos, nas articulações sacro ilíacas para a articulação na cabeça, formada por: occipital, atlas, axis, o que torna esse eixo torácico em uma “haste flexível”, chamada de “elipse do tronco” e de “movimento de enrolamento do tronco”.

55 Estado sincrético neste sentido, e conforme dicionário Houaiss, ou pensamento sincrético é quando a

criança relaciona tudo com tudo o mais. É buscar todos, sem relaciona-los entre si e com as partes; é reunir partes sem articulá-las, sem relacionar parte e chegar ao todo. Disponível em:

<http://pt.scribd.com/doc/4847418/DESENVOLVIMENTO-DO-RACIOCINIO> Acesso em 10 de miao de 2011.

82 3. Para os estudos da coordenação motora, há o reconhecimento dos “membros inferiores”, que é formado por três unidades de coordenação: “uma esférica” em que é destacado o trabalho dos pés, os quais dirigem o movimento; “duas transicionais” em que a unidade ilíaca é responsável pela ligação do membro inferior com o tronco, sendo a perna responsável por transmitir tensão e movimento ao pé. As autoras dizem que todo o movimento dos membros inferiores só pode ser estudado em sua complexidade a partir da cabeça aos pés, ou dos pés à cabeça, constituindo com isso, uma unidade solidária ao tronco, do qual é prolongamento.

4. Reconhecimento dos “membros superiores”. Assim como os membros inferiores, os membros superiores também são formados por três unidades de coordenação: uma “esférica”, a “mão”, que dirige o movimento; duas “transicionais”: a “escápula”, que transporta o movimento do tronco tornando- o acessível ao braço, chegando até as mãos; e o “braço”, responsável pela transmissão do movimento e da tensão entre o tronco e a mão, aumentando a amplitude de deslocamento. Como os pés, nos membros inferiores, a unidade de coordenação “mão”, é recuada até a extremidade distal do tronco. É ela a responsável pela organização se relacionando com o tronco.

5. O equilíbrio do corpo, em que os músculos se encontram em um contínuo estado de tensão, proporciona um estado de reequilíbrio constante. É pela instabilidade desse reequilíbrio que se mantém o corpo em atividade constante no movimento. É o estímulo que faz o corpo evoluir, faz o corpo viver em harmonia. Na inércia de certas atitudes motoras, psicomotoras, se encontra a debilidade, enquanto que na “estabilidade precária”, no reequilíbrio e tensão constante, encontra-se a iniciativa e a inteligência, acompanhadas pelo “gosto do risco e pelo progresso”.

6. Com relação ao espaço-tempo, as autoras dizem que todo o movimento se desenrola no espaço, com uma determinada duração, um ritmo. “Contrair sucessivamente os músculos da coordenação em um movimento contínuo, ou descrever a forma correspondente no espaço, de acordo com um tempo definido, são dois aspectos diferentes só na análise do observador. A realidade é global.” (BÉZIERS; PIRET, 1992, p. 144).

83 Kaltenbrunner (2004) diz que é no desequilíbrio, na queda, na descida ao solo em movimentos de enrolamento, torção, espiral, que o corpo busca meios para se reerguer e recomeçar uma nova busca para um novo movimento.

Com o estudo das três unidades de coordenação do corpo – membro inferior, tronco e membro superior – pode-se verificar no conjunto a função do equilíbrio necessário, por meio da associação dos seus mecanismos, para a estabilidade, mensurabilidade, equilíbrio, desequilíbrio, do corpo em movimento no espaço. Isso trouxe para a dança a dois, nesta pesquisa, valiosos recursos de experimentação para o movimento, além do aguçamento das percepções corpóreas e na consciência pelo deslocar-se no espaço.

O estudo dessas estruturas da coordenação motora, ao se tornarem presentes e perceptíveis para os dançarinos/participantes do grupo IAdança, auxiliou no desenvolvimento da capacidade de direcionar energia pelas diferentes articulações e membros do corpo, ampliando o alcance do movimento por meio de uma maior conscientização corporal.

No capítulo seguinte, apresento como essas diferentes técnicas foram utilizadas na estruturação do IAdança junto a esta pesquisa.

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