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O balé e as novas mudanças com a dança a dois

1. Origens: dança a dois

1.4 O balé e as novas mudanças com a dança a dois

Com adaptações e modificações, as danças populares e as danças das cortes foram incorporadas ao balé clássico. Tornaram-se complexas, elaboradas, difíceis de serem executadas por pessoas sem treinamento em dança. Com isso, novos executores criaram espetáculos cada vez mais elaborados e complexos, buscando temas na literatura e nas artes. O balé se profissionalizou, passou por mudanças conceituais, estruturais e expressivas, tornou-se balé de ação16, ficou famoso e reivindicou espaços próprios e teatros cada vez maiores. O balé clássico, tal como é conhecido hoje, tomou forma na França, durante o reinado de Luis XIII. No ano de 1661, seu filho Luis XIV,

16 Jean-Georges Noverre (nasceu em 29 de abril de 1727, Paris, morreu em 19 outubro 1810, Saint- Germain-en-Laye, França), foi coreógrafo francês cujo tratado revolucionário, Lettres sur la danse et sur les ballets (1760), ainda válido, trouxe importantes reformas em bailado de produção, enfatizando a importância da motivação dramática, que ele chamou de ballet d'action, execrando a ênfase excessiva do virtuosismo técnico. Seu primeiro sucesso coreográfico, Fêtes chinoises Les (1754), atraiu a atenção de David Garrick , apresentado em Londres em 1755. Depois de produzir obras- primas como Médée et Jason e Psyché et l'Amour (em Stuttgart, 1760-1767), foi nomeado mestre de ballet na Ópera de Paris, em 1776. Disponível em <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/421177/Jean-Georges-Noverre > Acesso em 18 de abril de 2011.

36 fundou a Académie de Musique et de Danse, com o objetivo de sistematizar, preservar a qualidade e de fiscalizar o ensino e a produção do balé, nomeando Charles Louis Pierre de Beauchamps, o primeiro Maître de Ballet (mestre de dança), para tomar a frente da instituição.

Com a profissionalização da dança, surgiu a primeira academia/escola de bailado, criada no reinado Luis XIV, o rei Sol. Neste contexto, tem-se uma forma de dança a dois que ficou conhecida como pas de deux, ou passo de dois; trata-se de uma dança de par na qual prevalece a relação de gênero. O casal (um homem e uma mulher) encenava uma dança com papéis definidos em que o bailarino dava o “suporte” necessário para que a bailarina pudesse levar ao público sua graciosidade e sua leveza etérea.

A encenação do balé deixa os salões para ir também aos tablados ao ar livre ou mesmo em mercados. Aos poucos, a comédia cede lugar ao sentimentalismo e ao drama. Surgem novos criadores, coreógrafos, com suas bailarinas etéreas, sendo carregadas pelos bailarinos em pas de deux românticos (passo de dois, momento em que o bailarino forma um duo com uma bailarina para representar o casal de dança).

Kátia Agg (2005, p.46) diz que,

Na dança, o Século XIX foi marcado pela mudança de figurinos (tutu), o uso de sapatilhas de pontas, a estética do movimento romântico (leveza etérea), a idealização da figura feminina (delicada, frágil, leve, submissa, sobrenatural) e o uso de iluminação a gás (nos teatros, depois nas ruas).

As mulheres se tornam o centro das atenções na cena, porém o domínio desta arte é totalmente masculino. Coreógrafos, produtores, mestres, formadores de opinião sobre a dança, opinião esta que trazia a visão masculina sobre a mulher ideal, guiavam a ação. Os bailados eram criados sob a ótica do Romantismo, do amor impossível, das sílfides esvoaçantes prontas para vingarem o amor não correspondido.

Foram necessárias mudanças, surgem então, as primeiras modernistas.

No princípio do século XIX, o Romantismo criara na dança, um corpo etéreo, volátil, desmaterializado; um corpo que literalmente voava pendurado em fios para poder representar mais eficazmente a ideia da “descolagem” terrena, do irreal, do onírico. Ribeiro (1997) lembra que essa tecnologia do voo simulado, e também do corpo que deslizava pelo solo por meio das sapatilhas de ponta, trazia à cena um efeito metamórfico em que a bailarina flutuava, traduzindo-se em seres espirituais, distantes

37 do mundo real: fadas e princesas delicadas incapazes de tomar as rédeas do destino.

Mas havia aqueles que não acreditavam nesse trágico destino ditado pelo olhar romântico do século XIX. Eram mulheres e homens que buscavam novas interpretações para o fazer da Arte da dança.

Entre as primeiras damas da dança moderna, Isadora Duncan17 (1877 – 1927) surge como uma bailarina que dançava descalça, com túnicas esvoaçantes, reivindicando nos movimentos e na técnica corporal a representação do real, trazendo o realismo do seu comportamento dança cênica. Foi uma descida do mundo etéreo, irreal, romântico, idealizado, para a terra em solo firme.

Ilustração 9: Isadora Duncan, sua dança tinha como proposta movimentos improvisados, inspirados nos movimentos da natureza: vento, plantas, entre outros. Trazia os cabelos meio soltos e os pés descalços, vestimenta leve, com túnicas, inspiradas nas figuras dos vasos gregos. O cenário simples era composto apenas por uma cortina azul.

Com a chegada em cena das primeiras representantes da dança Moderna americana - Loïe Fuller (1862-1928), Isadora Duncan (1877-1927), Maud Allan (1873- 1956) e Ruth Saint-Denis (1879-1968) - o corpo etéreo e “esvoaçante” da bailarina clássica começou sua queda em direção à representação do cotidiano, com uma

17 Considerada a pioneira da dança moderna, Isadora causou polêmica ao ignorar todas as técnicas do

balé clássico; rompeu com todas as tradições na sua exploração de movimentos na arte da Dança até suas raízes. Proclamou-se “inimiga do balé”, elaborou movimentos naturais, com roupas leves, negando todos os artifícios restritivos e superficiais dos dançarinos de palco em sua época.

38 linguagem mais próxima do realismo, do comportamento em movimento: um corpo não tão distante da realidade social, política, econômica e artística, que Ribeiro (1997) revela em seu livro “Por exemplo a cadeira: um ensaio das artes do corpo”.

Ilustração 10: Ruth Saint-Denis e Ted Shawn fundaram uma companhia de dança no princípio do século XX; estabeleceram novos parâmetros para a moderna dança americana. Alguns dos principais discípulos influenciados por eles foram: Martha Graham, Doris Humphrey, Charles Weidman e Louise Brook.

Ruth Saint-Denis e Ted Shawn18 fundaram a escola Denishawn School of Dancing and Related Arts, em 1915. Ao lado de Isadora Duncan, são considerados os fundadores da Dança Moderna na América, organizando um sistema de ensino, inspirado nas danças orientais; criaram novos parâmetros que lançaram as bases para a nova dança do século XX, e que foi de encontro ao domínio da dança clássica praticada no continente europeu.

Ao final do século XIX, o papel masculino na dança a dois, nos espetáculos de

18 Denishawn School of Dancing and Related Arts. In Encyclopædia Britannica. Disponível em

Encyclopedia Britannica Online: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/157718/Denishawn- School-of-Dancing-and-Related-Arts> Acesso em 24 de abril de 2011.

39 balé, se resumia ao de um simples porteur19, “às vezes um mero objeto de realce, que arrastava a bailarina de um lado para o outro...” (HANNA, 1999, p. 209), conferindo à parceira um destaque e aparência de pluma. A autora traz em seu livro as transformações porque passaram essa relação: homem x mulher, em que o poder de destaque se revezava durante os períodos da história da dança. Com o advento da dança moderna, a figura masculina volta a ter ênfase em cena; Ted Shaw20 (1891-1972) ensejava restaurar a dignidade da dança masculina. Nas primeiras fases da dança moderna, a figura feminina ainda prevalecia nos palcos, porém os seus discípulos e a nova geração de bailarinos fortaleceram o masculino na dança. Nas décadas de 50 e 60, coreógrafos como Alvin Ailey, Alwin Nikolais e outros bailarinos/coreógrafos pós- modernos “abstiveram-se de estereótipos masculinos e femininos polarizados, em favor de movimentos unissex e bailarinos andróginos.” (HANNA, 1999, p. 211)

Ilustração 11: Alvin Ailey e Judith Jamison. A “Alvin Ailey American Dance Theatre” é considerada uma das principais companhias de dança moderna do mundo pelas suas produções enérgicas repletas de movimento e velocidade.

Na década de 1950, 60 e 70, o contexto social, político e cultural nos Estados

19 Palavra francesa que significa: portador, transportador, suporte. Ou seja, o papel do homem no balé

clássico se tornou o de transportador, ou suporte, para que a bailarina pudesse executar passos que simulassem voos e saltos complicados.

20 Bailarino, Coreógrafo, que se autodenominou “o papa da dança moderna” e casou-se com Ruth Saint

40 Unidos passava por intensas mudanças, o que também suscitava esperanças de renovação. Surgiram vários movimentos sociais no país, entre os quais: o movimento Flower Power21, que se espalhou pelo mundo com slogans alegres, buscando por um “novo espaço” em que fosse possível viver uma sociedade sem preconceitos, respeitando a igualdade entre todos; representado pelos hippies, com seus cabelos compridos e roupas coloridas e exóticas. Durou dos anos 1960 até o começo dos anos 70 como um símbolo da ideologia da não-violência e de repúdio à Guerra do Vietnã.

Outro movimento importante foi o Black power22, movimento que tinha como premissa a luta pelos direitos civis. A população negra, oprimida e excluída na sociedade norte americana, aliou-se a outros movimentos que se rebelavam naquele momento em busca por uma sociedade mais justa. Surgiram também outros movimentos civis, como: Gay power23, o Women’s lib24 e o dos estudantes intelectuais da nova esquerda política.

Esses movimentos civis, também conhecidos como movimentos de contracultura, foram simpáticos e sensíveis a toda a movimentação de grupos étnicos ou culturais que estivessem em uma posição de marginalidade ou exclusão.

Foi neste contexto que surgiu o Contato Improvisação, uma forma diferente de dança a dois, que veio para renovar a dança cênica praticada até aquele momento.