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Aspectos da psicodinâmica e o tronco comum do borderline

CAPÍTULO V DISCUSSÃO: TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE

5.2 Aspectos da psicodinâmica e o tronco comum do borderline

Nesta segunda parte do capítulo, aborda-se o funcionamento psicodinâmico dos dois

casos pesquisados, considerando aspectos teóricos apresentados pela Psicanálise, segundo a visão de Bergeret (1998; 2006). Considera-se, de forma particular, a questão do trauma psíquico como correspondente a “uma comoção pulsional ocorrida em um estado do Ego ainda não muito organizado e demasiado imaturo no plano da adaptação e das defesas” (Bergeret, 2006, p. 190).

De alguma forma, esse trauma afetivo desempenhou o papel de “primeiro desorganizador” do processo evolutivo das pacientes; determinou uma espécie de pseudolatência durável que ultrapassou o período de latência normal, prolongando-se pelo desenvolvimento afetivo da adolescência, com mutações, transformações, investimentos e desinvestimentos, cobrindo grande parte de sua vida adulta. Constitui o que Bergeret classificou de “tronco comum arranjado” dos estados limítrofes ou sujeitos borderline (Bergeret, 1998) (Anexo 1 A e B).

Esse tronco não constitui uma verdadeira estrutura, pois não tem os benefícios da solidez definitiva das organizações realmente estruturadas. Ele fica em uma situação ordenada, mas não fixada, funcionando como um estatuto provisório, mesmo que se mantenha sem grandes alterações durante um período longo. Nesse arranjo, há um grande esforço do ego para permanecer distante da estrutura psicótica, superada, e da neurótica, não atingida pela adaptação e pela maturação das pacientes (Bergeret 1998).

Para esta discussão, foi utilizado o arranjo organizacional borderline apresentado por Bergeret (1998), adaptado aos objetivos do trabalho, resultando em quatro eixos identificadores das psicodinâmicas desenvolvidas pelas pacientes. Esses eixos são:

- defesas fundamentais: os arranjos borderlines geralmente recorrem a mecanismos de defesa menos elaborados, consequentemente, menos eficazes e menos custosos, em termos de contra-investimento. Entre os mecanismos principais encontram-se a clivagem e a forclusão;

- natureza das relações objetais: no arranjo borderline, como o ego não consegue evoluir, a relação objetal permanece centrada na dependência anaclítica do outro, que inclusive pode ocorrer sob forma de identificação com o agressor. Há uma luta constante contra a depressão que pode ocorrer ante a perda de fato e a imaginária;

- imagem de si: desfocada pela perturbação da identidade, com forte instabilidade que leva á oscilação entre a idealização e a desvalorização;

- trauma: ocorrido precocemente, inserindo bruscamente as pacientes, quando crianças, em uma situação pré-edipiana.

Conforme Bergeret (1998), a forclusão é uma forma de rejeição da representação constrangedora e está localizada próxima da recusa do sexo feminino. O que precisa ser rejeitado é a representação simbólica da imagem paterna.

Os discursos de Márcia e de Laura apresentam a clivagem e a forclusão como principais mecanismos de defesa. A clivagem, conforme Kernberg, Selzer, Koenigsberg & cols.. (1991), é um dos elementos da psicodinâmica da personalidade borderline e concentra-se nas defesas primitivas do ego.

Em ambas, a clivagem levou a uma introjeção positiva e a uma ameaça frustrante do objeto, porém com uma inversão entre elas: enquanto Márcia tem na mãe sua introjeção positiva e no pai a ameaça, Laura tem no pai uma breve introjeção positiva, descarregando na mãe grande parte de suas frustrações.

Bergeret (2006) considera a clivagem das imagos (do objeto ou da realidade) o mecanismo de defesa típico dos estados limítrofes os quais seriam arranjos intermediários entre as estruturas neuróticas (que utiliza como defesa principal o recalcamento) e as psicóticas (a defesa mais importante é a clivagem do ego). No caso de Márcia, o trauma desorganizador precoce foi responsável pela deformação do ego para fugir da depressão pela perda do objeto (a mãe) e defender-se da clivagem do ego. Uma parte de seu ego permanece com introjeção positiva (o objeto bom: a mãe) e rejeita o objeto externo frustrante e ameaçador (o pai). Essa clivagem objetal se manifesta, atualmente, em suas escolhas objetais falhas, na deformação da realidade e na percepção do sempre objeto bom (a mãe) e nos objetos ambíguos (o pai), os relacionamentos familiares, amorosos, de amizade). O ego de

Márcia funciona, no mundo externo, em dois âmbitos: adaptativo (ego age livremente) e o anaclítico (o ego se limita a relações organizadas do tipo dependência-domínio.

Nos indivíduos com personalidade borderline, os conflitos não são especialmente recalcados e mantêm inconscientemente sua dinâmica, sendo expressos nesses estados de deformação do ego. A personalidade borderline necessita do objeto, ora para idolatrá-lo, ora para odiá-lo, numa dominação do ideal de ego (Hegenberg, 2005). Ela desenvolve uma alternância em um mesmo objeto, pela impossibilidade de conciliar aquelas imagens contraditórias. Segundo Kernberg, Koenigsberg, Stone & cols. (2000), a impossibilidade é devida a uma parte do ego estar organizada em volta de introjeções positivas e a outra rejeitar os aspectos externos que considera frustrantes ou ameaçadores.

As duas pacientes reproduzem a clivagem infantil em suas relações atuais, familiares e não familiares, correspondendo à noção de clivagem como mecanismo de defesa precursor.

Em Márcia e em Laura, a forclusão é clara, produzindo fortes reações projetivas; nenhuma identifica o pai em sua função paterna. Na primeira, a falta dessa função compromete sua identidade; ela reproduz (e reconhece) a violência paterna em suas relações homossexuais e na bebida; na segunda, a reprodução do pai como homem se dá pela inversão: ela não aceita relações heterossexuais e com pessoas negras (o pai é negro), nem aceita que suas parceiras a toquem.

Elas aboliram o pai simbolicamente, mas o têm presentes e de forma muito viva em suas relações com parceiras. O mecanismo da forclusão condiciona a estrutura do ego e perturba a relação do sujeito com o outro, não permitindo que se estabeleça a troca entre eles.

Essas reações projetivas transportam para o exterior a representação pulsional interior. Nas relações com o outro, terminam por limitar os relacionamentos, causando a desrealização do sujeito (Klein, 1952, citada por Bergeret, 1998).

Ambas as pacientes ampliam os efeitos da forclusão para além da reprodução projetiva paterna. Laura chegou a uma interpretação delirante, quando a sensação abolida no interior (o abuso sexual do pai), projetada exteriormente (relação com homens lhe traz a figura do pai), volta desse exterior com a eclosão do real: a possibilidade de vir a criar o bebê de sua irmã. Sente-se mãe, com sensações mescladas pelos sintomas de gravidez e de lactante. Se todo homem lembra-a o pai e se ser mãe implica uma relação heterossexual (que ela não quer), seu delírio de gravidez/lactância está relacionado inconscientemente com a figura do pai como homem.

Essa é a psicodinâmica da forclusão, conceituada como uma abolição simbólica de determinado conteúdo, o qual surge no objeto (Bergeret, 1998).

Nas relações objetais, o borderline revela as principais alterações de suas funções egóicas. Ele não consegue ficar só e resolver-se; é um sujeito anaclítico, porque foi parcialmente bloqueado em sua evolução, e tem necessidade de outro a seu lado, mesmo temendo os perigos dessa proximidade. Na ausência da função paterna, que é um fator estruturante da possibilidade de encontro com o outro, há concentração do apoio anaclítico em pessoas específicas.

Márcia tem seu apoio anaclítico centrado exclusivamente na tia, e o simples pensamento de perdê-la desencadeia delírios nos quais quer preservar seus objetos protetores dos ataques de outros; tranca-se num quarto e faz suas necessidades fisiológicas em local inadequado. Laura vem se apoiando na mãe da amiga que se suicidou, em lugar dessa (seu apoio anterior), com a qual mantinha uma apoio anaclítico recíproco e mórbido.

Negativamente, tanto Márcia quanto Laura apoiam-se anacliticamente na figura paterna. O apoio nasce da identificação com o respectivo agressor, o pai, num processo que tem origem na formação do ego ideal. Lagache (citado por Laplanche & Pontalis, 1995, p. 231) explica que nas demandas entre a criança e o adulto, “o sujeito identifica-se com o adulto

dotado de onipotência, o que implica o desconhecimento do outro, a sua submissão, até mesmo a sua abolição.” Márcia não só se identifica com o pai, como o imita e apóia-se em sua representação, para manter seu status narcísico. Já o processo de Laura ocorre pela denegação.

5.2.1. A relação do TPB com as alterações do campo afetivo

Os borderlines não suportam abandono nem solidão; necessitam do outro integralmente e em tempo integral. São declaradamente dependentes e manipuladores (Balone, 2005). Márcia manipula a tia, exercendo sobre ela sua onipotência, de forma direta, quando exige receber um apoio do modo e na proporção que deseja. Laura manipula de forma espetacular. Histriônica, desmaia e faz cenas para obter atenção.

É diante da ameaça de perda ou da perda real que o borderline entra em estado depressivo. Perder o objeto anaclítico, que funciona como seu ego auxiliar, leva o borderline ao aniquilamento. Bergeret (1998) afirmou que a depressão, no borderline, torna-se latente e se manifesta ante a primeira ameaça de ausência do objeto anaclítico, pela percepção do aniquilamento para seu ego. O borderline acredita que investir em uma relação com o outro representa o preenchimento de seu vazio existencial. Há uma angústia subjacente da depressão, pronta a manifestar-se ao primeiro sinal de desamparo anaclítico.

No arranjo da personalidade borderline, na área da afetividade, uma das principais características é a instabilidade afetiva, causada pela reatividade do humor que alterna episódios disforia com irritabilidade ou ansiedade e descontrole. Nos períodos de ansiedade e de angústia, na área da interação social e do comportamento, destaca-se principalmente o comportamento suicida recorrente, ameaças ou comportamentos de automutilação e impulsividade excessiva, principalmente associada ao excesso de compras, ao sexo, abuso de drogas, bulimia e outros. Na área das vivências internas, distúrbios geralmente associados à imagem ou senso de si mesmo bastante instável (Dalgalarrondo & Vilella, 2005 ).

Márcia e Laura têm em comum o comportamento suicida recorrente. Mas há diferença na forma como cada uma age nesse sentido. Márcia declara sua impotência diante de determinadas situações e apela para as tentativas de suicídio; em outras ocasiões, planeja-o pensando horários e entradas e saídas das pessoas, “escolhendo” a forma ideal. Laura também age assim, mas suas fantasias em torno do suicídio são mais mórbidas; por ser mais histriônica, também nesse aspecto seu “planejamento” tem ares de maior grandiosidade.

Elas também se auto-agridem e se automutilam, diante de situações impossíveis para seu ego. Mas enquanto Márcia se auto-agride e agride as pessoas que estão próximas, Laura mais se volta contra si mesma.

Márcia e Laura têm uma imagem negativa de si, gerada possivelmente pela ausência da relação triádica com os pais. Essa ausência é fundamental para a constituição da síndrome borderline, que tem entre suas características a angústia como afeto único ou essencial, ausência consistente de auto-identidade, anáclise nas relações objetais e a conseqüente depressão anaclítica (citadas) (Balone, 2005).

Esse quadro marca a instabilidade em vários funcionamentos do arranjo borderline, entre eles a imagem de si, com reflexos no comportamento. Objetivos e preferências internas, inclusive a sexual, geralmente são perturbadas e pouco claras, com sentimentos crônicos de um vazio imenso.

À falta de estabilidade e com a imagem negativa de si, o borderline oscila entre a idealização e a desvalorização. A idealização é uma forma de defesa contra as pulsões destrutivas, e a finalidade dessas é suprimir a tensão por meio do objeto. A desvalorização é associada à imagem de si como um efeito do funcionamento de seu arranjo psicológico.

Pode haver no borderline, uma rápida passagem da idealização elogiosa para sentimentos de desvalorização, por achar que a outra pessoa não se importa o suficiente com ele, não dá o bastante de si, não se mobiliza o suficiente. Portanto, são insaciáveis em termos de atenção. Eles são inclinados a mudanças súbitas em suas opiniões sobre os outros (Balone, 2005, p. 4).

Em Márcia, os estados de tensão foram provocados pelo pai durante toda a sua infância; ele é seu objeto. Por isso, ela o idealiza para diminuir a dolorosa tensão provocada por ele. Já os estados de tensão de Laura, apesar do pai, são mais provocados pela mãe, cuja omissão (diante dos abusos do pai) e agressões físicas e psicológicas ainda são motivo de seu investimento afetivo. O objeto de idealização de Laura é uma prima, que começou de baixo e muito a defendeu das agressões maternas.

Quanto à desvalorização, para uma e para outra, o sentimento passa pela história pessoal e pelas agressões físicas e psicológicas acumuladas durante a vida. Além disso, aspectos relacionados à aparência física e às exigências do outro fazem com que elas se sintam pouco queridas e objeto de pouca atenção das pessoas. A instabilidade do arranjo egóico e o investimento sempre direcionado à ferida narcísica fazem com que elas não se percebam como ser nem reconhecem seu potencial.

Nos casos bordelines, o fator traumático é reconhecido como um dos principais fatores psicossexuais responsáveis pelo aparecimento ou pelo agravamento do respectivo quadro, principalmente em meninas. A ocorrência de trauma antes da formação da personalidade termina por desestruturar o sujeito psiquicamente (Bergeret, 1998).

Márcia e Laura têm traumas precoces associados à agressão e a abusos, fator responsável pela clivagem. Freud (1918, citado por Laplanche & Pontalis, 1995) explicou a clivagem provocada por esses traumas partindo de uma cena real ou fantasística, na qual a criança sofre passivamente propostas ou manobras sexuais de adultos. A esse trauma segue-se a posterior defesa contra as lembranças dolorosas dele.

O trauma referido por Márcia, de natureza sexual, é relacionado ao pai e não a envolve diretamente. Mas independente disso, o fato está presente em sua memória e é insistentemente citado em seu relato. Outros traumas de natureza psicológica e física se estenderam ao longo da infância e da adolescência.

O trauma de Laura é direto: sofreu abuso sexual do pai pervertido, dos 5 aos 15 anos. Um acontecimento que sua idade não permitiu assimilar e comprometeu a formação de sua personalidade e a adaptação de seu ego à realidade.

Os traumas precoces impedem o desenvolvimento da maturidade e causam uma sucessão de eventos: narcisismo, ideal de ego, ferida narcisista, vergonha, angústia de perda do objeto e depressão. (Bergeret, 1998).

As duas pacientes, por não superarem o padrão traumático, introjetaram de alguma forma a figura paterna (como já dito), numa repetição que ocorre devido às funções estruturantes, defensivas e narcísicas desenvolvidas por elas, a partir do referido padrão. Para Dion (2005), a repetição de funcionamentos destrutivos por indivíduos com personalidade borlerline constitui uma defesa, utilizada como garantia de manutenção da respectiva estruturação.

Nessa estruturação, uma parte do ego fica em contato operatório com a realidade que não incomoda, e a outra perde contato com essa realidade, principalmente com os aspectos angustiantes, que podem reconstituir-se em delírios (Bergeret, 2006). Nem Márcia nem Laura contaram com o apoio da mãe nessa fase. Elas ficaram expostas às condições violentas da realidade, sem qualquer referência e apoio. Não houve só desrespeito às necessidades, percepções e emoções infantis de uma adequada introdução na realidade circundante (que Winnicott chama de holding), como houve uma total omissão em relação aos traumas vividos por elas.

Com a ausência da função materna (além da paterna), nos dois casos, elas não desenvolveram um superego, até porque seu ego já vinha se deformando. As pulsões do ego se organizaram mais no sentido dos instintos de conservação, com grande propensão à agressividade, promovendo-se um arranjo adaptativo de caráter narcisista, principalmente em Márcia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No que tange aos objetivos deste trabalho - investigar, em pacientes com TPB, a sintomatologia psiquiátrica e a dinâmica psicanalítica desse fenômeno na perspectiva de Bergeret (1998/2006) e sua relação com o transtorno do espectro bipolar do humor -, pode-se dizer que os dados relativos às duas pacientes pesquisadas, analisados segundo a literatura levantada, possibilitaram identificar a sintomatologia psiquiátrica e a psicodinâmica do TPB e suas comorbidades nas referidas pacientes.

Por meio deles, pôde-se traçar não só uma resposta aos objetivos pretendidos, especificamente, como delinear o TPB no âmbito das perspectivas psiquiátrica e psicanalítica, o que também interessa a este trabalho, haja vista o seguinte: primeiro, a necessidade de uma visão interdisciplinar do fenômeno, como forma de se obter um diagnóstico efetivo e, consequentemente, estabelecer linhas de conduta que permitam auxiliar os sujeitos portadores do TPB; segundo, a similaridade dos sintomas do TPB com o de outros transtornos, o que torna o fenômeno mais complexo em sua abordagem e exige um diagnóstico diferencial, o qual, por si só, muitas vezes, não pode ser fornecido por instrumentos de uma área só.

Em relação à sintomatologia psiquiátrica, os dados demonstraram, em ambas as pacientes, a existência de fatores como abusos dos pais, estressores traumáticos repetitivos internos e externos, como desencadeadores do TPB, e oscilações de humor, impulsividade, ideações de menos-valia, de morte e de suicídio, autolesões, tentativas de auto-extermínio, sintomas psicóticos e disfuncionalidade, como fatores resultantes desses. A análise psicodinâmica, realizada na perspectiva de Bergeret (1998; 2006), evidenciou abusos e traumas como fenômenos causadores do TPB, tendo na instabilidade afetiva, na impulsividade, na depressividade, na baixa auto-estima, nas ideações de morte e de suicídio, nas tentativas de auto-extermínio, nas autolesões, no narcisismo, na clivagem objetal, na

forclusão, na angústia de perda do objeto, na reação maníaca e na anáclise elementos que demonstram a deformação do ego, decorrente dos referidos traumas.

Desse modo, mesmo considerando que a Psiquiatria e a Psicanálise constituem-se em perspectivas teóricas e epistemológicas diferentes, nas duas abordagens, foram encontrados indicadores que permitem formular a hipótese de TPB. Há, nos dois casos relatados nesta pesquisa, instabilidade afetiva, impulsividade, prejuízo na auto-imagem, oscilações de humor, risco potencial para auto-extermínio, prejuízo do juízo crítico, comprometimento sociofamiliar, acadêmico e profissional, necessidade de apoio anaclítico e disfuncionalidade crônica.

A diferença entre as duas perspectivas acima são reveladas na etiologia e no processo de construção da personalidade borderline. Se, por um lado, a Psiquiatria defende como fator causal desse quadro uma interação genética e ambiental, por outro, a Psicanálise, particularmente na visão de Bergeret (1998; 2006), parte da relação entre o trauma ocorrido precocemente, causado pelos pais, para explicar a psicodinâmica do sujeito. Essa ocorre por meio das defesas utilizadas, bem como de seus modos vinculares, das reações de perda do objeto e da imagem de si e dos outros, de suas dificuldades de enfrentamento da realidade.

As diferenças entre as abordagens psiquiátricas e psicanalíticas tornam-se maiores quando se procura discutir as oscilações de humor, no contexto do citado transtorno. A Psiquiatria defende que há semelhanças entre o TPB e o TEBH, quando se utiliza a teoria atual do espectro bipolar do humor. Já Bergeret (1998; 2006) busca explicação no que chama de afetividade do TPB, originada do abuso, que gera uma trauma importante, responsável pela desorganização afetiva e, consequentemente, causadora da depressividade do estado limítrofe. A reação maníaca é uma defesa contra a depressão pela angústia de perda do objeto anaclítico.

Os sintomas psiquiátricos encontrados nas pacientes, confirmados através dos exames psíquicos, aliados aos dados trazidos pela história psiquiátrica, antecedentes sociais, familiares, fisiopatológicos, a curva de vida, exame físico, exames complementares e as aplicações da EAM-m e BDI, foram fundamentais para que emergissem as síndromes de cada paciente e o diagnóstico da doença básica e suas comorbidades.

Apesar de a CID 10 (1993) e o DSM-IV-TR (2003) discordarem em alguns critérios, ficou claro que não há um limite definido entre o TPB e o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), quando se trata da presença de elevação de humor. Essas classificações defendem que para se considerar um sujeito portador de transtorno afetivo bipolar, seria necessário, no mínimo, um episódio depressivo e outro hipomaníaco ou maníaco. E se o indivíduo só relatasse um episódio hipomaníaco ou maníaco, sem episódios depressivos, disfóricos ou irritabilidade, ao longo da vida, seria excluído da condição de bipolar? A presença de episódios de elevação de humor, em portadores de TPB, são similares a portadores de TAB e TEBH.

Por isso, a bipolaridade é melhor explicada por pesquisadores que postulam a presença de disforia, irritabilidade, ciclotimia, hipomania ou mania (com ou sem sintomas psicóticos) em pacientes com temperamentos hipertímicos e ciclotímicos. Eles devem ser considerados bipolares, mesmo na ausência de sintomas depressivos.

Há uma previsão de que na versão V da do DSM e na próxima versão da CID, o conceito de bipolaridade seja ampliado, como ocorreu durante o Consenso Internacional de Barcelona.

Bergeret (1998; 2006) defende que a personalidade borderline é desenvolvida pela interação entre trauma, fatores narcísicos, negligência das funções paterna e/ou materna, edificação de defesas primitivas e regressões às ameaças de perda do objeto. Nessa visão, não há lugar para a genética, a fisiopatologia, o sociocultural e a relação entre os episódios de

humor e o TPB. Para a Psicanálise, os episódios de humor no TPB são reações ao apoio ou