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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1. Análise das Entrevistas

4.1.1. Aspectos Estruturais (Confiança)

Os aspectos estruturais consistem em questões que o mercado ou seus atores podem endereçar, no intuito difundir o seguro garantia, de tornar o seu uso mais habitual, de capacitar profissionais que nele atuam e ainda, compatibilizar os clausulados existentes tanto da apólice como também do contrato principal/ edital. Daí a importância do beneficiário, principalmente o poder concedente, em conhecer o produto. Destacamos a seguir alguns trechos das entrevistas e dados secundários, de acordo com os aspectos e elementos identificados de forma dedutiva/ indutiva:

4.1.1.1. Difusão e conhecimento do produto, despreparo profissional, adequação/ compatibilidade de clausulados

Em relação ao produto seguro garantia, E1 indicou que “(...) ainda existe uma incompreensão muito grande a cerca de suas regras, principalmente por parte do ente público, (...).”, situação ratificada por E3 e E5, respectivamente: “O poder concedente, ou o poder que dá autorização, desconhece a ferramenta do seguro.", e “eu observo desde o início da minha profissão com garantia, (que) realmente, é um desconhecimento”; e E4 complementa: “o Estado não fiscaliza. (...) Aceita qualquer seguro.”. E D apontou: “O Estado tem que ter capacidade de entender uma apólice de seguro garantia. (...) Falta educação do Estado para entender o produto que ele recebe.”. Esta realidade permite inferir, com base na literatura (Comer et al., 1999), que dentro do mercado há uma baixa confiança no instrumento do SG em razão do próprio desconhecimento sobre suas regras.

Essa situação não se verifica apenas do lado do segurado, como E5 constata:

“conheço poucos corretores que conhecem o (seguro) garantia”, mas no mercado como um todo, conforme constata E8: “Acho que a gente tem no mercado, hoje, poucas seguradoras que realmente têm a expertise do produto” “(...) no cosseguro, a

58 gente vê alguma briga aí entre as seguradoras que, de repente, estão acompanhando aquele risco, mas não entendem tanto assim do negócio”.

A realidade do mercado americano é distinta, conforme quase todos os entrevistados confirmam e E2 explica: “o surety bond nos EUA é bastante difundido, e tanto os entes privados como o governo conhecem como o produto funciona (...)”, E7 ressalta: "(Os EUA estão em) Outro patamar. Eles têm muita experiência. E lá, qualquer tipo de fornecimento, qualquer tipo de ‘servicinho’, (...) eles usam seguro garantia. Eles têm um bar association só de surety (...) é muita gente. Você tem um encontro (anual) só de advogados que operam com surety.”. Por sua vez, E9 indica ainda que “aqui você tem um nível de especialização muito maior, até porque é uma característica, eu diria da sociedade americana(...) você tem muita certificação que você tira”.

Esse desconhecimento do produto no mercado brasileiro causa distorções e incompatibilidades difíceis de serem contornadas, que D atesta: “Quando você fala (sobre a) redação do contrato é realmente, terrível”. E E8 aponta: “Fora o descasamento dos editais. (...) lembro uma vez (que) até a responsabilidade civil estava dentro do (seguro) garantia. (risos)”. E4 esclarece: “Os editais não têm requisitos mínimos necessários, não só para (o) garantia, mas para os outros tipos de seguro”, e continua, “nasce já no edital e no contrato garantido o gérmen da ineficácia do seguro que é justamente a má alocação do risco, a má identificação do risco”. Sem mencionar aspectos mais basilares como E7 indica: “Edital em que determine que a própria construtora, tomadora, vai ser responsável por desapropriação (...). Isso é obrigação do Governo!”. E conclui E3: “ele (poder concedente) não torna o seu produto, que é a licitação, compatível com o instrumento do seguro, de modo que ele exige (a garantia) mas não adéqua às suas necessidades.”.

Essa assimetria de informação torna o ambiente propício para o oportunismo de todos os atores, seja por parte do corretor, seja por parte das próprias seguradoras, conforme E5 indica: “O corretor, obviamente, quer fechar o negócio. Então, cá entre nós, na maioria das vezes, ele ‘doura a pílula’”, “você tem um leilão, (...) as seguradoras (...) querem vender o seu produto. ‘O que vai dar lá na ponta?... aí a gente vê como é que faz’”; e E8 conclui: “falta um pouco desse amadurecimento contratual e não simplesmente essa (loucura) por: “Vamos emitir a apólice, pôr o prêmio para dentro de casa” (...) Porque a seguradora também subscreve o negócio

e não sabe o quê que é o contrato garantido. Sai garantindo qualquer obrigação”. Ou ainda o oportunismo do tomador, como será abordado no tópico Problema de Agência.

De fato, “se você não sabe qual o risco (...) está alocando (...), mais dificuldade ainda vai ter a seguradora para identificar se o risco é segurado ou não e se é indenizável ou não”, conclui E4, sem evidentemente eximir a responsabilidade da seguradora (pelo oportunismo) ao aceitar emitir uma apólice nessas condições. P estende essa questão: “(no Brasil) a gente não sabe o que a gente está cobrindo e, portanto, a gente não paga um sinistro que deveria ser pago. (...) E isso se deve a vários fatores que vão desde a discussão sobre o valor das garantias em relação aos contratos, do conhecimento e experiência dos profissionais das seguradoras, e dos próprios interesses das seguradoras quanto a sua estratégia de prestação de serviço”.

As distorções são tantas que “historicamente, é um seguro que nunca foi usado (step-in right). É utilizado (...), no presente, para ‘cumprir tabela’. Porque consta da 8.66614, mas nunca foi utilizado como mecanismo estratégico, (...) numa contratação de obra pública”. Ocorre, porém, que a eficácia do seguro garantia está diretamente relacionada à conectividade dele com o contrato principal, uma vez que não se trata de um produto autônomo.

Evidente que o contrato (e o edital que o originou) é apenas uma parte dessa questão.

A estruturação de um projeto de infraestrutura engloba equipes multidisciplinares e envolve, entre outros, premissas técnicas de engenharia, aspectos jurídicos e legais, bem como estudos econômico-financeiros aprofundados. Todo esse trabalho precisa apontar uma matriz de riscos com o respectivo ente – privado e/ou público – mais capaz de absorvê-los, e as formas de eliminá-los, mitigá-los ou transferi-los.

O presente trabalho não se aprofundará na estruturação de projetos e o seguro garantia como o Project Finance, mas as atividades acima descritas de maneira genérica não são triviais e precisam ser checadas por todos os partícipes do seguro garantia. No entanto, o que se observa é que “são análises malfeitas, premissas não consideradas”, conforme constata D, e E3 aponta: “Tudo é uma questão de modelagem, a pessoa deve conhecer o que está fazendo”.

A difusão do seguro garantia no mercado americano tem impacto positivo no nível de especialização dos profissionais que nele atuam, alcançando a confiança por meio da

14 Lei 8.666/1993

60 competência (CONELLY et al., 2018). A situação inversa, no Brasil, de pouca difusão/

especialização e, principalmente, da não confirmação da função social (step-in) do seguro garantia dentro do setor público, faz com que em parte exista também uma grande desconfiança no mercado, conforme demonstra a literatura (RIBEIRO et al., 2010; LAKSHIMI; SANTHI, 2015).

Em princípio, o que o Estado quer15 é o que o performance bond se propõe a garantir, sob determinadas condições. Entretanto, a crítica “meu sonho é abrir uma seguradora (...) porque o que a gente paga para elas e não recebe nada (nenhuma indenização do seguro garantia)”, ouvida de um Diretor de uma importante agência reguladora do Brasil, não são isoladas e têm sua razão de ser pela percepção que o setor público tem em relação ao comportamento oportunista que algumas seguradoras apresentam (ZANINI; MIGUELES, 2014). De toda forma, tal afirmação revela também a baixa compreensão sobre o tema, como afirmou E8 “além de ter esse problema dele (seguro garantia) ser diferenciado, tem o problema das pessoas não conhecerem como funciona”. Isto é fruto da pouca divulgação do instrumento e/ou do despreparo profissional daqueles que deveriam zelar pela qualidade do produto no sentido lato.

Os registros resumidos acima, podem ser melhor verificados na Tabela 10, a qual apresenta a triangulação realizada, ligando os objetivos, a teoria, as respectivas proposições, a categoria de análise, os trechos das entrevistas e dados secundários.

15 “não é só pôr o edital na rua e ter uma concessionária. É ter a garantia da execução” (afirmado em D).

61 Tabela 10 – Triangulação referente aos Aspectos Estruturais

Objetivos Revisão da Literatura

Propo-siçao

Categorias de Análise

Entrevistas (trechos) Dados

Secundários

Ex ante

ASPECTOS ESTRUTURAIS

1. Confiança 1. Confiança 1. Confiança

Compreender a dinâmica da transação de transferência de riscos por meio do seguro garantia;

Identificar as incompletudes de mercado no tocante à eficácia do instrumento seguro garantia em mercados emergentes (Brasil), as quais elevam os custos de transação e eventualmente produzem barreiras à sua utilização em projetos de

infraestrutura;

Comer et al, 1999; Ribeiro et al., 2010;

Lakshimi e Santhi, 2015

P1, P2a, P2b

1.1. Adequação/

compatibilização de clausulados (incompatibilidades entre: (i) editais e produto/ wording das apólices, (ii) multa moratória e performance bond)

1.2. Tempo de existência do produto (Difusão e Conhecimento)

1.3. Preparo profissional (subscrição inadequada ou inexistente)

E1: “(...) ainda existe uma incompreensão muito grande a cerca de suas regras, principalmente por parte do ente público, (...).”

E2: “o surety bond nos EUA é bastante difundido, e tanto os entes privados como o governo conhecem como o produto funciona (...)”

E3: “O poder concedente, ou o poder que dá autorização, desconhece a ferramenta do seguro."; “ele (poder

concedente) não torna o seu produto, que é a licitação, compatível com o instrumento do seguro, de modo que ele exige (a garantia) mas não adéqua às suas necessidades”;

“Tudo é uma questão de modelagem, a pessoa deve conhecer o que está fazendo”.

E4: “o Estado não fiscaliza. (...) aceita qualquer seguro.”; “Os editais não têm requisitos mínimos necessários” “ineficácia do seguro (...) é justamente a má alocação do risco, a má identificação do risco”; “se você não sabe qual o risco (...) está alocando (...), mais dificuldade ainda vai ter a

seguradora para identificar se o risco é segurado ou não e se é indenizável ou não”;

E5: “realmente, é um desconhecimento”; “conheço poucos corretores que conhecem o garantia”; “O corretor (...) na maioria das vezes, ele ‘doura a pílula’”, “as seguradoras (...) querem vender o seu produto. ‘O que vai dar lá na ponta?...

aí a gente vê como é que faz’”

E7 ressalta: "(Os EUA estão em) Outro patamar. Eles têm muita experiência. E lá, qualquer tipo de fornecimento, qualquer tipo de ‘servicinho’, (...) eles usam seguro garantia.

E8: “poucas seguradoras que realmente têm a expertise do produto” “Fora o descasamento dos editais”;

E9: “aqui você tem um nível de especialização muito maior, até porque é uma característica, eu diria da sociedade americana (...) você tem muita certificação que você tira”

D: “O Estado tem que ter

capacidade de entender uma apólice de seguro garantia. (...) Falta educação do Estado para entender o produto”.

D: “Quando você fala (sobre a) redação do contrato é realmente, terrível”.

P: “(no Brasil) a gente não sabe o que a gente está cobrindo e, portanto, a gente não paga um sinistro que deveria ser pago.

(...)

D: “são análises malfeitas, premissas não consideradas”

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