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3 O IMBARA-YO BARREIRA DO MAR

3.2 Aspectos geoambientais do Marajó

No território predomina o clima equatorial quente e úmido com estação seca ocorrendo durante o inverno e primavera, com índices pluviométricos capazes de alcançar níveis hídricos necessários à manutenção de uma rica biodiversidade. As temperaturas anuais variam entre 25 e 27°C. A precipitação pluviométrica sempre ultrapassa a marca de 2.000 mm/ano. As estações praticamente inexistem. A umidade relativa do ar é alta (> 80%), com ausência total de período seco. Segundo Brasil (2007c), pela proximidade da linha do Equador, predomina o centro de massa de ar equatorial e surgem também, bolsões de ar na área da foz do rio Amazonas.

No Marajó, existem dois principais períodos pluviométricos: o período mais chuvoso, compreendido entre os meses de dezembro e maio; e outro menos chuvoso, que se estende de junho a novembro. Entre as estações, ocorre um período de transição em que pode haver retardo ou antecipação das chuvas com intensidade maior ou menor (LIMA et al., 2005 apud ROBRINI, 2012). A partir de Lima et al. (2005 apud ROBRINI, 2012), e em função da localização, na foz do rio Amazonas e recebendo influência do Oceano Atlântico, na ilha do

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Marajó, os ventos de superfície atingem velocidades mais fortes na região oriental, com 2,5 m/s, e na região ocidental a velocidade cai para 1 m/s próximo ao município de Breves.

O dia a dia do caboclo marajoara é permeado de incertezas quanto à ocorrência ou não da chuva ao longo do dia, o que condiciona a realização de alguma atividade domiciliar ou produtiva, e até mesmo as prefeituras locais se ressentem da dificuldade de continuidade de obras por conta da chuva inesperada ou persistente. A estação seca ocorre entre os meses de junho e novembro, mas nem por isso as chuvas param de ocorrer; elas se caracterizam por serem rápidas e fortes. Nesse período, a chuva, além da interrupção da atividade laboral, desencadeia o fenômeno natural conhecido popularmente por “mormaço”, que é a evaporação da água retida no solo. O vapor provoca desconforto e aumenta a sensação térmica.

A hegemonia da hidrografia tem influência direta sobre a vegetação. A paisagem regional apresenta quatro tipos de ecossistemas: várzea, igapó, terra firme e campos naturais. A formação vegetal da terra firme é caracterizada pela Floresta Pluvial Tropical (área continental, sul e sudoeste do Arquipélago). É composta por árvores caracterizadas como “madeira de lei”, com poucas palmeiras. Conforme Brasil (2007c), as espécies principais são a maçaranduba (Manilkara huberi), o louro (Ocotea spp.), a sucupira (Vatai reasericea), e a castanheira (Bertholletia excelsa), dentre outras de grande valor comercial.

A várzea constitui a margem dos cursos d’água mais volumosos. Ela apresenta estrato arbustivo em suas áreas alagadas periodicamente, onde predominam espécies vegetais com madeira de grande valor econômico, tais como ucuúba (Virola surinamensis), sumaúma (Ceiba pentandra), andiroba (Carapa guianensis) e açacu (crepitans), e outras espécies como a seringueira (Hevea brasiliensis), o açaizeiro (Euterpe oleracea), o pracaxi (Pentaclethra

macroloba) e o buriti (Mauritia flexuosa) (BRASIL, 2007c). Essas espécies são abundantes e

viabilizam a economia regional da construção civil e naval. Troncos de buritizeiros e açaizeiros servem para a construção de cercados e pontes flutuantes característicos da região.

Os igapós são similares às áreas de várzea, porém margeiam cursos d’água menores. Nas áreas com alagamentos periódicos, encontram-se formações pioneiras, representadas pelos campos naturais do norte e nordeste da ilha grande de Marajó (Chaves, Soure, Santa Cruz do Arari, Cachoeira do Arari e Salvaterra). Estas são áreas constituídas de mata e apresentam cobertura de gramíneas e herbáceas, além de ilhotas de palmeiras e arbustos baixos e retorcidos. Nas áreas que sofreram desmatamento, ocorrem formações secundárias devido à regeneração vegetal, como a capoeira (BRASIL, 2007c). Essas formações favorecem o desenvolvimento do gado bubalino, exigente por pastagem e água abundantes.

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Na várzea, há ocorrência de solos hidromórficos de tipo Gley (húmicos e pouco húmicos), de sedimentos com alta porcentagem de matéria orgânica, em geral, ácidos e com textura argilosa. A fertilidade se dá devido à liberação de nutrientes oriundos da decomposição da matéria orgânica vegetal florestal e da deposição de substâncias minerais e orgânicas em suspensão nas águas do rio Amazonas e salobras do oceano Atlântico. As áreas de terra firme são cobertas por latossolo amarelo e outros com baixa fertilidade, concentrando-se a cerca de 10 a 15 cm da superfície, portanto, frágeis. Ainda de acordo com Brasil (2007c), as ações de derrubada da mata diminuem drasticamente em pouco tempo a fertilidade do solo.

Essas características de fertilidade da várzea favorecem o plantio de culturas de rápida rotatividade como o milho (Zea mays), o feijão (Phaseolus vulgaris), o arroz (Oryza

sativa), o jerimum (Curcubita spp), a melancia (Citrullus lanatus), o maxixe (Cucumi sanguria), o quiabo (Abelmoschus esculetus), a cebolinha (Allium schoenoprasum), a couve

(Brassica oleracea) e a pimenta-de-cheiro (Capiscum spp), fundamentais na alimentação dos nativos. Entretanto, culturas mais exigentes como o tomate (Solanum lycopersicum), o coentro (Coriandrum sativum), o pimentão (Capsicum anuumgroup), a cenoura (Daucus

carota) e a batata (Solanum tuberosum) não obtêm o mesmo êxito sob os tratos culturais

rudimentares.

Nas porções de terra firme, há predominância de solos hidromórficos gleyzados, desenvolvidos sobre sedimentos relativamente recentes, em geral fortemente ácidos, podendo apresentar-se neutros e alcalinos, de textura argilosa e, às vezes, com considerável conteúdo de silte (CORREA et al., 1974 apud ROBRINI, 2012). Ali florescem espécies nativas que fornecem alimento e alternativa de renda para os ribeirinhos. Destacam-se o açaí (Euterpe

oleracea), o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), o bacuri (Platoniain signis), o piquiá

(Caryocar brasiliense), a castanha-do-pará (Bertholletia excelsa), o mari (Poraqueiba

paraensis), a pupunha (Bactrisga sipaes) e o taperebá (Spondias mombin).

Em meio aos ditames imperiosos das águas fluviais, à chuva intensa e ácida e aos terrenos pobres em minerais, o território foi sendo ocupado. O solo, antes pouco cultivado, foi sendo trabalhado e conhecido, possibilitando a introdução e adaptação de espécies exóticas na região. Idêntico ao papel das frutas nativas, as novas culturas fornecem alimento e geram renda, sendo merecedoras de destaque o coco (Cocos nucifera), a manga (Mangifera indica), o maracujá (Passiflora edulis), a banana (Musa spp), o mamão (Carica papaya), o limão (Citrus limon) e o abacaxi (Ananas comosus), que apesar de ser uma fruta nativa foi reintroduzida no território com uma espécie direcionada ao mercado.

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Às proximidades dos cursos d’água, mas em terras não alagáveis, as características químicas da composição do solo argiloso e pobre selecionam as culturas mais resistentes e adaptadas, sendo a mandioca (Manihot esculenta) uma espécie nativa que merece atenção pela técnica de cultivo utilizada e por ser uma das bases da cultura culinária amazônica. A herança indígena demonstra o alto grau de complexidade em seu cultivo e processos de manufatura. A técnica rudimentar de derrubar e queimar a mata para abertura de roças é muito utilizada, pois fornece substrato orgânico de forma rápida e acelera o tempo de manejo; entretanto, em médio prazo, a técnica causa o empobrecimento e a erosão do solo.

A hidrografia é caracterizada por uma complexa rede de cursos d’água formada por rios, canais, furos, paranás, igarapés, baías e lagos, alguns em plena evolução geomorfológica. Destacam-se os rios Amazonas (a sudoeste), Pará (ao sul), Pacajá e Anapú (em Portel), Jacundá (Bagre e Portel), Anajás (Anajás), Mapuá (Breves), Cururu (Chaves), Arari (nos campos) e Paracauari (Salvaterra e Soure). O movimento diário das águas é elemento definidor da paisagem regional, na qual se destacam as várzeas e os igapós. A hidrografia tem importância vital para a economia regional, pois serve como via de acesso entre as cidades e localidades isoladas, além de propiciar alimentos de origem pesqueira.

A Fauna do Marajó apresenta numerosa quantidade de espécies, com mamíferos de pequeno e médio porte (terrestres e aquáticos), aves, insetos, anfíbios, répteis e peixes. Estes animais fornecem alimentos. Destaque para os mamíferos como a onça pintada (Felis onca), sussuarana (Felis concolor), gato maracajá (Felis wiedii), raposa da mata (Pseudolopes

gymnocercua), anta (Tapirus terrestris), quati (Nasua nasua) e veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus) (BRASIL, 2007c). Devido ao avanço da caça, do desmatamento e crescimento das cidades, os mamíferos têm sofrido drástica redução em suas populações, por conta da procura ilegal de carne e do couro.

Os peixes mais conhecidos são: tucunaré (Cichlao cellaris), puraqué ou peixe- elétrico (Gymnotus electricus), pescada (Sciaena amazônica), piraíba (Piratinga piraiba), pirarucu (Arapaima gigas sp.), piranha (Serrasalmo sp.), mapará (Hypophthalmus

marginatus) e tamuatá (Callichrhys sp.). Os manguezais servem como local de reprodução e

de alimentação para várias espécies de animais marinhos e de água doce, também abriga uma fauna de baixa diversidade específica, porém com muitos indivíduos, alguns de grande importância econômica como o camarão, o caranguejo e a ostra (BRASIL, 2007c). Além de representarem a base da alimentação cabocla, a venda de excedentes gera entradas financeiras.

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Apesar das constantes e sistemáticas investidas contra o meio natural, o Marajó é reconhecido como sendo o segundo espaço mais preservado do Pará, sendo superado apenas pela área da Calha Norte. Nos termos de Pará (2015b), dados estimativos pelo INPE8 indicam que, em 2013, havia uma área total desmatada de 3.576 km², equivalente a 1,5% do desmatamento do estado do Pará e 3,5% em relação à própria área, conforme pode ser visualizado no mapa 2.

Mapa 2 - Projeção da área desmatada no Pará, em 2013, com destaque para o Marajó

Fonte: PRODES, INPE (2013).

As agressões que ocorreram ao longo do século XX foram protagonizadas por empresários estrangeiros e do sul do país, pois a forma de relação dos nativos da região é de convivência pacífica com a natureza e que não segue o modelo capitalista de extração em larga escala. Embora rica em recursos hídricos e biológicos e ainda tendo 96,5% de seu território preservado, segundo Pará (2015b), a região é paradoxalmente mergulhada em uma realidade de pobreza, pouca infraestrutura e insipiente participação na economia do Pará.

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O INPE realiza esse tipo de pesquisas por meio do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélites (PRODES) (FAPESPA, 2015).

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